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Cidades

Para especialistas, PCC pode "mexicanizar" fronteira abandonada à própria sorte

Seminário lembrou de aparatos de segurança dos chefes do tráfico atuando no Paraguai, que usam MS como rota.

Por Vasconcelo Quadros, de Brasília | 30/05/2025 10:54


RESUMO

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O Primeiro Comando da Capital (PCC) consolida seu domínio nas fronteiras do Brasil com Paraguai e Bolívia, especialmente no Mato Grosso do Sul, causando preocupação entre especialistas. A organização criminosa, presente em todos os estados brasileiros e em 23 países, movimenta cerca de R$ 16 bilhões e atua como uma multinacional do crime. Autoridades alertam para o risco de "mexicanização" da região fronteiriça, com aumento da violência e infiltração na política. O PCC desenvolve estratégias baseadas no terror e na cooptação de agentes públicos, controlando rotas de tráfico de drogas que utilizam os mesmos corredores logísticos do agronegócio para distribuição internacional.

A conclusão de um dos maiores seminários sobre segurança, realizado em São Paulo e encerrado nesta quinta-feira, 29 de junho, após quatro dias de debates com autoridades e dezenas de especialistas, é alarmante: a República sucumbiu ao avanço da maior organização criminosa do país, o Primeiro Comando da Capital, o PCC, e abandonou à própria sorte regiões de fronteira, como o Mato Grosso do Sul.

A extensa faixa que separa o Brasil do Paraguai e da Bolívia está cada vez mais sob o domínio da facção, que controla centros de produção de cocaína na América Latina, possui tentáculos em mercados consumidores mundiais, impõe ao país um custo estimado de R$ 16 bilhões e finca raízes em territórios nacionais frágeis.

Um dos coordenadores do Seminário Internacional sobre Segurança Pública, Direitos Humanos e Democracia, o promotor paulista Lincoln Gakiya, que já teve a cabeça posta a prêmio pela organização, alertou: o Estado brasileiro não pode mais tratar o grupo como uma quadrilha de bandidos comuns. “Já temos uma máfia no Brasil. O PCC atua de forma transnacional, funciona como uma multinacional do crime, está presente em todos os estados da federação e em 23 países. Não dá para tratá-lo como um grupo menor dedicado ao tráfico”, disse.

Com 25 anos de comando no crime, o PCC desenvolveu uma estratégia baseada no terror em áreas dominadas e na infiltração no sistema político e estatal, por meio da cooptação e corrupção de agentes públicos. A força da facção na fronteira ficou evidente no início de maio, quando a polícia boliviana, mais por acaso do que por ação planejada, prendeu Marcos Roberto de Almeida, o “Tuta”, em Santa Cruz de La Sierra, enquanto ele tentava renovar o visto com identidade falsa.

Tuta era até então o principal executor da cúpula do PCC, encarcerada em presídios federais. O que parecia um crime comum reforçou as suspeitas de que facções do eixo Rio-São Paulo tenham se associado a criminosos e produtores de drogas na Bolívia e no Paraguai.

Para especialistas, PCC pode "mexicanizar" fronteira abandonada à própria sorte
Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, durante palestra no Seminário (Foto: Divulgação)

Mexicanização - Originado nos presídios paulistas, o PCC domina os roubos contra o patrimônio nas grandes cidades, mas é na fronteira que desenvolve seu negócio mais lucrativo: o tráfico de cocaína. A facção desafia as instituições e impõe derrotas sucessivas à política de repressão às drogas, como observou o ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal, em uma abordagem realista:

“O Brasil gasta anualmente cerca de R$ 1,2 bilhão apenas para manter presos acusados de tráfico, em sua maioria pequenos vendedores ou usuários. Enquanto isso, dados do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania revelam que só em 2023, o país gastou R$ 7 bilhões na ‘guerra às drogas’, sem impacto relevante na redução do consumo ou tráfico. Essa ineficiência econômica revela a urgência de uma abordagem mais racional e coordenada”, avalia o ministro.

O coronel Wagner Ferreira da Silva, ex-diretor do Departamento de Operações de Fronteira e ex-secretário executivo da Segurança Pública de Mato Grosso do Sul, afirmou ao Campo Grande News que o PCC e outras facções brasileiras se instalaram na fronteira e atuam em conluio com grupos paraguaios. Para ele, há risco de “mexicanização” da região, com uso excessivo de violência e infiltração na política como instrumento de domínio. “A diferença é que no México a fronteira é com os EUA. Aqui, é com o Paraguai — uma região frágil, de baixa densidade demográfica e grandes problemas sociais.”

No Paraguai, o crime organizado já se infiltrou na política, dificultando o combate às drogas. Segundo o coronel, em Mato Grosso do Sul, assim como em outras regiões do país, também houve tentativas — frustradas — de candidaturas vinculadas ao crime. “O grande trunfo do crime organizado é o poder econômico, que pode se disfarçar de legalidade. Quando isso acontece, ele se lança na política e nos serviços públicos. A corrupção é apenas a face visível do poder econômico do crime. Pior que a corrupção é a infiltração.”

Para especialistas, PCC pode "mexicanizar" fronteira abandonada à própria sorte
Armando Javier Rotela, do "Clã Rotela", durante julgamento em março de 2020 (Foto: ABC Color)

Sicários - Outro fator preocupante, segundo o militar, é o fortalecimento dos aparatos de segurança dos chefes do tráfico atuando no Paraguai, com a contratação de paramilitares e matadores de aluguel, os sicários. Eles inicialmente prestam segurança, mas acabam tomando o lugar dos chefes, movidos pela ambição e pelos lucros, gerando guerras entre facções. A lembrança de junho de 2016 ainda é viva: o brasileiro Jorge Rafaat Toumani foi morto em Pedro Juan Caballero em uma operação de guerra, com armamento antiaéreo e metralhadoras Ponto 50, mesmo dentro de uma caminhonete blindada.

Na região, PCC e Comando Vermelho articulam-se e também rivalizam com clãs paraguaios. Entre os mais influentes estão as famílias de Antônio Joaquim Mota, Nelson Gustavo Amarilla Elizeche (“Nortenho do PCC”) e Armando Javier Rotela, este, em confronto direto com o PCC.

“No Paraguai, quem domina as cadeias é o clã Rotela, que não deixa o PCC entrar. Já a família Mota foi aliada de Fernandinho Beira-Mar e tem um grupo de sicários bem treinado.”

Para especialistas, PCC pode "mexicanizar" fronteira abandonada à própria sorte
Antonio Joaquim da Mota, 64, o “Tonho”, apontado como chefe de Clã Mota e preso pela PF (Foto: Divulgação)

É negócio - Segundo o coronel Wagner, o lado brasileiro da fronteira é bem policiado. A região vive uma relativa ordem e já não registra taxas de homicídio próximas de 100 por 100 mil habitantes, como no passado em Coronel Sapucaia. Mas a sensação de insegurança permanece, e, no fundo, tudo depende da convivência com as organizações instaladas no lado paraguaio.

“O que acontece na fronteira é negócio”, resume. Para ele, a solução passa mais por política pública do que por repressão policial. “Enquanto não tornarmos o território inviável para o crime, o Brasil seguirá sendo usado por essas organizações.” Wagner simpatiza com a política de encarceramento em massa do presidente de El Salvador, Nayib Bukele, embora reconheça a supressão de direitos.

Ele lembra que o Mato Grosso do Sul, além de fazer fronteira com dois grandes produtores de drogas, Paraguai (maconha) e Bolívia (coca), tem um setor agrícola forte e corredores logísticos ideais para o tráfico. “O crime usa a mesma rota do agronegócio para mandar cocaína para os portos de Santos e Paranaguá. Santos precisa deixar de ser o principal distribuidor de cocaína para o mundo”, provoca.

A Bolívia, também na região de fronteira com Mato Grosso do Sul, se consolidou como o principal refúgio de lideranças da facção criminosa, com pelo menos 4 chefes da "Sintonia Final", alta cúpula do PCC, morando por lá: André Oliveira Macedo, o “André do Rap”; Sílvio Luiz Ferreira, o “Cebola”; Pedro Luiz da Silva, o “Chacal”.

O resultado: 60% da população carcerária do Estado, o dobro da média nacional, está presa por tráfico, muitos sem qualquer vínculo com a região. Em 2024, só as forças estaduais apreenderam 585 toneladas de maconha e 17,6 toneladas de cocaína. Além disso, cerca de 540 veículos são apreendidos por ano. “Os pátios estão abarrotados de carros usados pelo tráfico.”

Para especialistas, PCC pode "mexicanizar" fronteira abandonada à própria sorte
Na Bolívia, os chefes procurados são André Oliveira Macedo, o André do Rap; Silvio Luiz Ferreira, o Cebola; Sérgio Luiz de Freitas, o Mijão; Pedro Luiz da Silva, o Chacal. (Foto: Reprodução)

Enxugando gelo - O tráfico sustenta uma cadeia criminosa que envolve roubo de veículos, armas ilegais, contrabando de mercadorias e até agrotóxicos. “Os agrotóxicos às vezes competem com a cocaína. Como usam a mesma logística, entram no radar dos criminosos quando são mais rentáveis.”

Apesar das grandes apreensões e prisões como a de Tuta, o coronel admite: trata-se de “enxugar gelo”. “A estrutura do crime tem alta capacidade de reposição. Só um conjunto de medidas que torne o território inviável para o tráfico pode mudar esse cenário.”

O ministro Gilmar Mendes resume: quando o Estado permite que grupos armados controlem partes do território, o que se está testemunhando é a erosão dos pilares da democracia. “Essa incapacidade de enfrentamento facilita a penetração das facções nas estruturas do Estado, traindo os princípios do constitucionalismo. O Estado brasileiro, em sua majestosa arquitetura constitucional, vê-se confrontado por forças que desafiam sua autoridade e a própria ideia de soberania territorial.”


Corrupção policial - Walfrido Warde, coordenador do Instituto IREE — organizador do seminário junto ao Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) —, defende a criação de uma estrutura antimáfia. É consenso entre os especialistas: a depuração das instituições precisa ser prioridade. “Falo dos poderes Legislativo, Executivo, Judiciário, Ministério Público, polícias e demais agentes da linha de frente”, afirma Gakiya, que também propõe uma agência nacional antimáfia.

Segundo ele, a facilidade para abrir e fechar empresas no Brasil beneficia as quadrilhas, levando à “pejotização do crime organizado”. Daniel Cerqueira, pesquisador do IPEA, lembra que o país perde R$ 349 bilhões por ano com crimes patrimoniais — sendo R$ 16 bilhões só com o tráfico de cocaína. Ele afirma que esse dinheiro não chegaria às facções sem conivência estatal. “Não existe crime organizado sem corrupção de agentes públicos”. Se a droga entra com facilidade no país, diz, “certamente há envolvimento de membros das Forças Armadas.”

Outro mito derrubado é a exclusividade dos estados no combate ao crime organizado — uma política ineficaz. Gilmar Mendes defendeu a PEC da Segurança, em trâmite no Congresso, como revolução necessária.

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