Cartorário veio do PR e ficou na casa de alvo da PF para escritura sob suspeita
Fazenda em Maracaju é “fio da meada” em investigação sobre venda de sentença no TJ
As transações cartorárias sobre a fazenda Paulicéia, em Maracaju, protagonista da ação que “puxa” a suspeita de vendas de sentença no TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), situação investigada pela PF (Polícia Federal) na Operação Ultima Ratio, guardam particularidades.
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A investigação da Polícia Federal sobre a Fazenda Paulicéia, em Maracaju, levanta suspeitas de irregularidades no processo de compra e venda da propriedade, incluindo a falsificação de assinaturas e a atuação de funcionários do cartório de São Pedro do Paraná. A PF encontrou indícios de que o funcionário do cartório viajou até Campo Grande para colher assinaturas fora da sua jurisdição, hospedando-se na casa de Percival Henrique de Souza Fernandes, alvo de mandado de busca e apreensão na Operação Ultima Ratio. A investigação também aponta para a atuação do conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, Osmar Domingues Jeronymo, e seu sobrinho, Danilo Moya Jeronymo, em um possível esquema de influência em decisões judiciais relacionadas à propriedade.
Além da suspeita de fraude na assinatura da proprietária, a PF identificou que as escrituras foram lavradas de forma irregular. O funcionário do cartório de São Pedro do Paraná viajou quase 400 km até Campo Grande e ficou hospedado na casa de Percival Henrique de Souza Fernandes, alvo de mandando de busca e apreensão na última quinta-feira (24). Porém, a prática é vedada e o funcionário só poderia se deslocar para oficializar documentos na comarca de Loanda (PR).
Contudo, ouvido pela PF, o funcionário contou que viajou até Mato Grosso do Sul e que durante a estadia foi acompanhado por Percival. “Quem ficou me acompanhando na cidade, quem me hospedou na cidade num dia que eu lembro, porque teve dias que bati e voltei, de São Pedro a Campo Grande eu fiz no mesmo dia de carro, mas teve um dia que eu precisei me hospedar na cidade para o outro dia fazer a colheita de assinaturas”, relatou.
Segundo o relatório da investigação, encaminhado ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), que autorizou a operação, o funcionário do cartório no Paraná onde foram lavradas as três escrituras (uma de hipoteca e duas de compra e venda), alegou que veio a Campo Grande e Maracaju para colher as assinaturas na lavratura das três escrituras, ficando hospedado na casa de Percival. Os documentos são dos anos de 2013, 2014 e 2015.
O responsável pelo cartório no Paraná afirmou que não participou da coleta de assinaturas, que não era permitido colher as assinaturas fora da comarca de Loanda e que perdeu a concessão do cartório em virtude de a Corregedoria ter constatado irregularidades em documentos.
“Legalmente, é correto isso? É aceito isso legalmente? Que o representante do cartório vá ao local que a pessoa está pra colher as assinaturas?”, questionou o delegado Marcos Damato, da Delecor (Delegacia de Repressão a Corrupção e Crimes Financeiros ). A resposta do então responsável pelo cartório foi: “Não, doutor”. O delegado insiste: “Então, como era Campo Grande, não podia?”. A resposta foi mantida: “Não poderia, doutor”.
Assinatura sob suspeita - A saga da fazenda em Maracaju começa no ano de 2013, quando empresária emprestou dinheiro de Percival, proprietário da PH Agropastoril Ltda, e de Diego Moya Jeronymo, que é empresário e sobrinho de Osmar Domingues Jeronymo (conselheiro do Tribunal de Contas do Estado e afastado do cargo pela operação). Ela transferiu glebas das fazendas, mas quando foi pagar, no ano de 2016, ambos se negaram a restituir a terra, destacando que compraram as partes da fazenda regularmente. Em dezembro daquele ano, a empresária entrou com processo contra Percival e Diego na Justiça de Maracaju.
No processo, ela anexou a documentação com suspeita de fraudes na escritura. Em junho de 2022, peritos da Polícia Federal foram ao cartório em São Pedro do Paraná.
Confrontando a assinatura dos documentos no cartório com o padrão coletado, os peritos encontraram divergências formais, que indicam que a assinatura questionada (dos livros do cartório) é falsa.
“Erro jurídico” - Sobre a fazenda em Maracaju, a PF reforça que diálogos por WhatsApp, extraídos do telefone apreendido de Danilo Moya Jeronymo (servidor comissionado do TJ e sobrinho do conselheiro do TCE), apontam para atuação dele, do tio e de advogado para obtenção da decisão em que a empresa DMJ e Diego, irmão de Danilo, são excluídos do processo em Maracaju por ordem do Tribunal de Justiça.
A defesa da empresária alegou que o STJ firmou entendimento de que a alegação de ilegitimidade de parte somente admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência. Mas o caso concreto não revelava qualquer urgência que justificasse a declaração em segunda instância.
“A nosso ver, tal decisão é a demonstração de que não houve um 'erro jurídico' e sim um descumprimento confesso do ordenamento jurídico pelos referidos desembargadores do TJMS (...), pois confirmam a necessidade de urgência para declararem a ilegitimidade de parte em agravo de instrumento, mas não informam qual é a urgência no caso concreto. Na realidade, o que tais desembargadores praticaram foi exatamente o inverso do entendimento do STJ, pois, ao declararem a ilegitimidade de Diego e da DMJ, excluíra-nos dos efeitos da futura sentença”, aponta a PF.
A investigação destaca que o recurso apresentado pela defesa da empresária ao Tribunal de Justiça não foi admitido pelo desembargador Sideni Soncini Pimentel. A reportagem não conseguiu contato com os citados.
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