Fuga da fome empurra famílias para barracos e leva a boom de 38 favelas
No Mandela, medo é perder o pouco que se tem para a chuva; enquanto educação é alento
Se em 2012 Campo Grande era propagandeada como a “Capital sem favelas”, dez anos depois elas já são 38 espalhadas pela área urbana. Dados do Censo 2010 indicavam três locais: Alta Tensão (Moreninhas), Cidade de Deus (Dom Antônio Barbosa) e Vila Nossa Senhora Aparecida (Vila Nasser). Na época, eram 463 domicílios nessas condições e 1.482 pessoas.
Quase dez anos depois, em 2019, em mapeamento específico sobre os chamados aglomerados subnormais, foram identificados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) 38 localidades, com 4.516 domicílios em condições precárias e cerca de 8.050 pessoas.
O boom se explica pela necessidade financeira. Num ciclo onde um salário mínimo (atuais R$ 1.212) não consegue fazer frente aos custos rotineiro de qualquer família, como aluguel, água, energia elétrica e alimentos. O salário mínimo é um pouco abaixo do rendimento mensal domiciliar por pessoa em Mato Grosso do Sul: R$ 1.471.
Nessa linha do tempo da última década, surge o Mandela em 2016, fruto de invasão de área pública no Bairro Izabel Garden, em Campo Grande. Em seis anos, que serão completados no próximo sábado (dia 8), passou por vários nomes: Morro do Mandela, Favela do Mandela e Comunidade do Mandela. A principal mudança é esperada para 2023, quando as 183 famílias serão transferidas para obra de prolongamento da Avenida Ernesto Geisel, a Norte Sul.
Enquanto a moradia digna não vem, os esforços da líder comunitária Greiciele Ferreira, 28 anos, são para que o Mandela tenha cursos profissionalizantes, aula de reforço para as crianças e siga recebendo donativos. Ela mora na favela há cinco anos. Chegou grávida, com dois filhos e quadro de depressão. Nos esforços em busca de melhorias, descobriu que poderia ser a potente voz dos moradores. A direção é formada por seis mulheres.
“A gente era clandestino, usurpadores que invadiram e não tinham direito. Mas ninguém está aqui porque quer. Tem gente do Paraná, de Sidrolândia. As pessoas não viriam para uma comunidade perder móveis, ver filho o tempo todo ruim, no tempo de chuva ter que colocar um sacolinha no pé para ir ao serviço. No dia de temporal, você se esconder embaixo de uma coberta com os seus filhos. As pessoas estão aqui por necessidade. Hoje em dia um aluguel é R$ 600, uma luz piorou. Sou mãe solo com três filhos. Será que um salário mínimo paga? Não paga, eu ia passar fome”, diz Greiciele.
Na geografia de barracos quase grudados e corredores apertados para circulação, o principal problema vem do céu. Quando as nuvens anunciam tempestade, o medo é que a chuva leve embora barraco e os poucos móveis. Outra preocupação constante é com as ligações irregulares de energia elétrica, improvisos que podem resultar em choque ou incêndio.
Já o alento vem da educação, aquela que muda pessoas para que pessoas mudem o mundo. Na sala de aula do centro comunitário, Ana Maria Santana, professora aposentada da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), conduz crianças de 6 a 10 anos pelo universo da alfabetização e da leitura.
O trabalho voluntário da professora começou em 2020, quando a pandemia tirou os alunos das salas de aulas, mas os mais pobres foram os mais afetados por não dispor de celulares.
Perto do Mandela, o mato e descarte irregular de lixo avançam onde foi a “Portelinha”, no prolongamento da Avenida Prefeito Heráclito Diniz de Figueiredo, às margens do Córrego Segredo.
A favela foi uma das maiores da cidade. Localizada no bairro Morada Verde, veio ao chão em novembro de 2014, enquanto 200 famílias foram transferidas para dois residenciais. Menos de um ano depois, em outubro de 2015, favela começou a renascer com gente que fugia do aluguel, o que exigiu mais uma remoção pelo poder público.
A reportagem questionou a prefeitura sobre total de favelas e investimentos em moradias, mas não obteve resposta até a publicação da matéria.
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