Paralisação dos ônibus fortalece Consórcio Guaicurus em disputa com Prefeitura
Paralisação deixou trabalhadores sem ônibus em novo capítulo da queda de braço para aumentar tarifa técnica
Bastaram 48 horas de atraso no pagamento do “vale” salarial dos motoristas para o transporte público parar e deixar mais de 152 mil trabalhadores e estudantes sem ônibus em Campo Grande nesta quarta-feira (22). Segundo o próprio presidente do sindicato dos motoristas, Demétrio Freitas, a decisão na verdade foi tomada antes, com apenas um dia de atraso, depois de reunião realizada ontem entre a entidade e diretores do Consórcio Guaicurus.
RESUMO
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A paralisação do transporte público em Campo Grande nesta quarta-feira (22) deixou mais de 152 mil usuários sem ônibus. O motivo foi um atraso de 48 horas no pagamento do vale salarial dos motoristas, embora o presidente do sindicato, Demétrio Freitas, confirme que os pagamentos foram regulares durante todo o ano. A ação é vista como manobra do Consórcio Guaicurus para pressionar a Prefeitura a aceitar o reajuste da tarifa técnica de R$ 6,17 para R$ 7,79. A disputa está na Justiça, enquanto usuários seguem pagando R$ 4,95, com a diferença subsidiada pelo município. Uma CPI do Transporte apontou prejuízos de R$ 94 milhões entre 2016 e 2024.
Ele também confirma que durante todo o ano o pagamento foi feito em dia, mas nem isso serviu para um "voto de confiança" que impedisse o transtorno nesta quarta. "É a primeira vez que acontece esse atraso. Infelizmente já quase no final do ano tivemos esse desgosto", comentou.
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Apesar disso, Demétrio considera a decisão adequada. "Não foi radical não, até porque ontem a gente sentou com o consórcio e fomos informado que não tinha uma data prevista para pagamento, entendeu? Então como você fica sem nenhuma previsão, você tem que tomar uma atitude dessas".
Nem os motoristas sabiam do protesto. Hoje cedo, nos terminais, a informação foi de que o sindicato chegou por volta das 5h30 às garagens e anunciou que todos teriam de parar até às 7h, quando os ônibus voltaram a circular. E a ameaça é que se o valor de 40% dos salários, referente ao adiantamento, não sair, na segunda-feira haverá nova paralisação.
O gesto é visto como uma manobra articulada pelo sindicato em sintonia com o Consórcio Guaicurus, que tenta pressionar a Prefeitura a aceitar o reajuste da chamada tarifa técnica, valor que representa o custo integral do serviço pago pelo Município como subsídio.
“O consórcio utiliza o sindicato como manobra para chantagear o poder público”, diz o vereador Maicon Nogueira (PP), integrante da CPI instalada este ano na Câmara para investigar o Transporte Público na Capital. “Recebi relatos de que os motoristas chegaram no horário para trabalhar e a empresa não deixou eles saírem”, acusa. O Consórcio nega e sustenta que a decisão foi do sindicato.

O presidente da Câmara, Epaminondas Neto, o Papy, também concorda com o teor intempestivo do protesto. "O que aconteceu é inadmissível". Na avaliação dele, "um jogo de empurra foi o que ocorreu, e tem que haver responsabilidade com esse assunto, principalmente da parte de quem tem o dever de gerir o consórcio e também os recursos".
Para quem é trabalhador e depende do transporte, o dia rendeu prejuízo. A servidora pública Vanilda da Silva, de 50 anos, disse que precisou pagar o dobro no Uber para ir para o serviço. "Eu acho errado que eles não avisaram antes, né?", disse.
Até quem defende os motoristas achou um exagero. "É complicado né, porque tá ficando muita coisa a desejar. Não dá pra tirar o direito deles, mas eu acredito que não seja um motivo pra parar da forma que eles pararam", avalia o assistente de fotografia Ariel Cardoso, de 24 anos.
Tarifa da discórdia
Atualmente, a tarifa técnica para pelo município é de R$ 6,17, mas o Consórcio obteve decisão judicial que impõe elevação para R$ 7,79: alta de R$ 1,62. O município recorreu e a briga segue na Justiça. Enquanto isso, o usuário continua pagando R$ 4,95, diferença coberta com subsídio da Prefeitura.
Em manifestação recente à Justiça, o Município negou qualquer dívida com as empresas do transporte e rejeitou o reajuste proposto. Sustentou que já cumpriu o reajuste anual previsto no contrato, de 3,51%, aplicado no início de 2025, e que não há pendências financeiras com o Consórcio Guaicurus.
A Procuradoria Jurídica da Prefeitura afirmou ainda que o pedido das empresas extrapola o que foi determinado pela Justiça. O juiz Marcelo Andrade Campos Silva, que analisou o caso em agosto, determinou apenas o cumprimento de reajuste previsto, e não a fixação de nova tarifa. “Decisão que imponha ao ente municipal a fixação da tarifa específica no valor de R$ 7,79 extrapola o limite do que foi pedido”, diz trecho do parecer.

A Agereg (Agência de Regulação dos Serviços Públicos Delegados) também se manifestou contrária ao aumento. Em análise sobre os primeiros sete anos da concessão, verificou movimentação de R$ 1,2 bilhão e concluiu que não há deficit tarifário que justifique a majoração do valor.
Em setembro, a CPI do Transporte Coletivo da Câmara Municipal concluiu relatório que apontou envelhecimento da frota, falta de fiscalização e prejuízos acumulados de R$ 94 milhões entre 2016 e 2024. Os vereadores recomendaram indiciamento de dirigentes do consórcio e ex-gestores da Agetran e da Agereg por improbidade e omissão.
O documento também sugeriu que a Prefeitura reforce a estrutura técnica dos órgãos de controle e adote sabatina pública para nomeação de diretores. A intervenção ou até a ruptura do contrato foram listadas como alternativas, caso o descumprimento das obrigações continue.