Prefeitura faz pente-fino após painéis virarem briga e poluição visual avançar
Porém, a Capital não tem nem o número de estruturas espalhadas pelas ruas
A Avenida Via Parque, sentido ao Parque Ecológico do Sóter e ladeada por condomínios, é um retrato do avanço da poluição visual em Campo Grande. Em poucos metros de um mesmo terreno, seis outdoors, uma faixa e o esqueleto de outra propaganda, com a lona já em frangalhos, invadem a paisagem. No sentido inverso, mais publicidades formam um quebra-cabeça, uma tentando evitar encobrir a outra, tamanha a proximidade.
RESUMO
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A Prefeitura de Campo Grande iniciou um pente-fino para avaliar a poluição visual causada por painéis publicitários na cidade. A proliferação de outdoors, painéis eletrônicos e propagandas irregulares tem gerado preocupação, especialmente em vias importantes como a Avenida Via Parque e Afonso Pena. A legislação atual, de 1992, estabelece distâncias mínimas entre as estruturas publicitárias, mas carece de regulamentação específica sobre luminosidade. O caso já gerou disputas judiciais, como o da Mídia Tech Publicidade contra a prefeitura, que teve decisão favorável à empresa no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
Na Avenida Afonso Pena, perto da Arquiteto Rubens Gil de Camillo, painel eletrônico ofusca a visão perto do cruzamento semaforizado, jogando muita luminosidade nos olhos dos condutores. Poucos metros antes, no topo de hotel, fica um telão de 170 metros quadrados.
Na Rua Joaquim Murtinho, perto da Rua Ceará, surgem duas propagandas de grande porte quase grudadas: um é painel eletrônico e o outro outdoor. Pela cidade, reinam anúncios nos postes e muros: com oferta de locação, serviços e até sorte no amor.
Apesar de as propagandas em outdoor e eletrônicas serem com autorização do poder público, a cidade ainda não dispõe nem ao mesmo do número de estruturas . Uma das explicações é de que os processos eram físicos e só recentemente houve a informatização.
Conforme o superintendente de Urbanismo, Miguel de Oliveira Rocha, setor da Semades (Secretaria de Meio Ambiente, Gestão Urbana e Desenvolvimento Econômico, Turístico e Sustentável), o pente-fino começou em 2024 e deve levar mais seis meses para conclusão.
“A gente ainda está nessa fase de estudos e o material ainda está sendo elaborado”.
Na Via Parque, por exemplo, um outdoor terá que ser removido porque invadiu área pública. “Um deles está, agora, na fase remoção. Nós solicitamos até um levantamento cartográfico. A empresa já foi notificada e vai ter que sair”, afirma o superintendente. Ele nao informou o nome da empresa notificada.
No caso da Joaquim Murtinho, Miguel explica que os dois painéis, um eletrônico e um tradicional, estão dentro da legislação. “Porque eles são considerados veículos diferentes. No caso um outdoor e um painel eletrônico. A legislação não prevê distanciamento entre eles”, diz Miguel. Ainda de acordo com ele, a situação só se tornaria irregular mediante mudança na legislação.
Apesar de lei sobre a poluição visual vedar veículo de divulgação “quando sua forma, dimensão, cor, luminosidade, obstrua ou prejudique a perfeita visibilidade de sinal de trânsito ou outra sinalização destinada a orientação do público”, o superintendente afirma, ao comentar sobre o painel da Afonso Pena, citado no começo da reportagem, que não há regulamentação sobre o limite de luminosidade e que equipamentos de painel de LED potentes são recentes, com cerca de dois anos.
“Dentro das legislações atuais, não têm esse critério dessa classificação, sobre qual o nível de luminosidade”.

Mudanças na lei - Na Capital, a legislação sobre poluição visual é de 1992, mas a Lei 2.909, que institui o Código de Polícia Administrativa de Campo Grande, sofreu várias alterações ao longo dos anos.
Em 2016, por exemplo, foi liberada a empena (estrutura usada para veiculação de publicidade) em prédios. Seis anos depois, em 2022, vieram as regras com distâncias mínimas.
As instalações sem módulos eletrônicos são permitidas a uma distância mínima de 80 metros na mesma visão. Já empenas com módulos eletrônicos são permitidas a uma distância mínima no raio de mil metros (um quilômetro) uma das outras.
Ainda em 2022, meses depois do regramento para essa publicidade, a lei sofreu nova alteração. Desta vez, a legislação incorporou essa exigência: as empenas com módulos eletrônicos ficam permitidas à distância mínima no raio de 500 metros de painéis eletrônicos modulares.
Painéis eletrônicos de pequeno porte, aqueles menores, nas laterais das ruas, devem seguir distância de 250 metros um do outro.
Briga de painel – A nova exigência fez a Mídia Tech Publicidade entrar na Justiça contra a Prefeitura de Campo Grande, que havia determinado a remoção da empena do topo do hotel porque o painel eletrônico, a menos de 500 metros, tinha chegado primeiro.
A 1ª Câmara Cível do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) considerou que a empresa havia cumprido os requisitos exigidos pela legislação vigente à época da instalação, em 2022, e que uma norma posterior, de setembro, mais restritiva, não poderia retroagir para prejudicar a atividade já iniciada com autorização do município.
O tribunal reconheceu que a empresa tem direito à continuidade do processo de regularização da empena, a partir da legislação sob a qual a estrutura foi autorizada e instalada. A certidão de trânsito em julgado foi emitida no último dia 18 de junho. “Eles ganharam o direito de ficar lá”, afirma Miguel.

O vale-tudo nos postes – Além das propagandas regulamentadas, Campo Grande vive um vale-tudo nos postes. Desta forma, fica no papel a lei que determina que é “vedado pichar ou afixar cartazes, faixas, placas e tabuletas em muros, fachadas, árvores ou qualquer tipo de mobiliário urbano [postes, viadutos]”.
Nestes casos, a prefeitura precisa identificar o responsável pela ilegalidade para notificar. Mas, em geral, não se consegue se chegar ao autor, porque endereços dão no mato. Outra possibilidade seria uma faxina pela cidade, mas essa força-tarefa não está nos planos.
“É gigantesco. Se a gente for olhar para a poluição visual, vai ver que Campo Grande tem inúmeros problemas. A gente procura atuar em algo mais planejado, em ações bens específicas. A propaganda em poste envolve também a questão tributária junto à Secretaria de Fazenda. Envolve mais de um ente da prefeitura para o mesmo problema. A gente notifica para que ele repare a poluição que fez”, destaca Miguel.
Fachadas no Centro – Em 2021, após dez anos da iniciativa, popularmente conhecida como “Cidade Limpa”, decreto da prefeitura revogou a medida para despoluir o visual da região central. Ficaram para trás as regras mais rígidas e também as multas.
“Na sequência, foi publicado novo regramento. Reduziu a área de abrangência, mas ele ainda está valendo. Foram ações no Centro para aparecer as fachadas dos imóveis, tinha muitas publicidades. A maioria era construção antiga e a ideia foi despoluir a parte publicitária para que o projeto arquitetônico aparecesse”, diz o superintendente de Urbanismo.
O impacto da poluição visual – “A qualidade de vida de uma cidade depende de vários fatores. Hoje, nós temos a tela do celular, o streaming, tudo na mão e os nossos olhos estão posicionados para a luz. A cidade, quando oferece ainda mais iluminação, cores artificiais, com certeza prejudicam a qualidade de vida, o sensoriamento, a visão. Tudo aquilo que está relacionado com o bem-estar”, afirma o arquiteto e urbanista Ângelo Arruda.
Ele lembra que Campo Grande tem uma legislação antiga. “A Lei do Código de Polícia Administrativa, mais conhecida como posturas municipais, é de 1992. Nesses 33 anos, as cidades, a comunicação, a mídia evoluíram. A lei precisa de um aperfeiçoamento”, destaca Arruda.
No cenário nacional, o arquiteto avalia que São Paulo, a maior cidade da América Latina, foi a que conseguiu um visual mais limpo, por meio do Cidade Limpa, que surgiu há 18 anos.
“Ele exige fiscalização, monitoramento, atualização das multas. Mas a regra geral de São Paulo é maravilhosa. De um lado, proíbe qualquer tipo de publicidade em área e espaços público. E a publicidade nos terrenos e espaços privados foram restringidas em quase 90% do tamanho”.
Segundo o professor da UFMS e doutor em arquitetura e urbanismo pela USP, Julio Botega, a poluição visual vai muito além da estética: ela está diretamente relacionada à desigualdade socioespacial, ao apagamento da cultura local e à perda da identidade urbana.
"Além dos aspectos cognitivos e comportamentais, há uma desvalorização do espaço público, substituindo elementos de identidade local, cultura e memória coletiva por interesses comerciais, prejudicando a conexão e o reconhecimento da identidade das pessoas com o lugar. Empresas com maior poder econômico dominam visualmente a cidade, enquanto pequenos comércios ou iniciativas culturais têm menos acesso à visibilidade. Isso reforça a lógica do consumo e a desigualdade no acesso à cidade", avalia o especialista.
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