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Capital

Setor fala em colapso e retrocesso caso autoescolas sejam opcionais para CNH

Categoria se defende citando risco de desemprego e aumento de acidentes com a mudança proposta pelo governo

Por Bruna Marques e Raíssa Rojas | 30/07/2025 10:33
Setor fala em colapso e retrocesso caso autoescolas sejam opcionais para CNH
Veículos de autoescola circulam pelas ruas de Campo Grande durante aulas práticas de direção (Foto: Osmar Veiga)

A proposta do governo federal, que estuda acabar com a obrigatoriedade das aulas em autoescolas para quem deseja tirar a CNH (Carteira Nacional de Habilitação), tem provocado forte reação em Mato Grosso do Sul. Representantes do setor classificam a medida como precipitada, arriscada e com potencial de causar desemprego em massa, fechamento de empresas e aumento da insegurança no trânsito.

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Governo estuda fim da obrigatoriedade de aulas em autoescolas para tirar CNH, gerando polêmica em MS. Representantes do setor temem desemprego, fechamento de empresas e aumento de acidentes. O custo da CNH varia entre R$ 2.500 e R$ 2.800 no estado, com quase R$ 1.000 destinados a taxas do Detran-MS. Setor defende revisão da carga horária como alternativa para reduzir custos sem comprometer a formação. A proposta, que visa baratear a CNH e ampliar o acesso, divide opiniões entre motoristas. Alguns apontam a economia, enquanto outros temem o impacto na segurança viária. O governo argumenta que o modelo já é adotado em países como Reino Unido e Estados Unidos. Autoescolas se mobilizam para manter seu papel na formação de condutores e evitar riscos à segurança. A proposta ainda está em análise e pode ser formalizada em 2025.

Para Jair Ribeiro Villela, presidente da ACFC-MS (Associação dos Centros de Formação de Condutores de Mato Grosso do Sul), a proposta representa um retrocesso. “É uma proposta que, além de chatear, desmotiva. Vai tirar todo o controle. Hoje temos 45 horas de aula, com instrutor e veículo com duplo comando. Do jeito que estão propondo não vai mais precisar disso, o que afeta diretamente a segurança no trânsito, tanto na nossa cidade quanto no Brasil”, afirma.

Atuando no setor há 23 anos e dono de autoescola em Campo Grande, Jair destaca que a Capital possui 57 unidades e, em todo o Estado, são 235 autoescolas que empregam aproximadamente 6 mil pessoas. “Só na minha empresa são 20 funcionários. A gente teme um colapso e um desemprego em massa.”

Setor fala em colapso e retrocesso caso autoescolas sejam opcionais para CNH
Para o condutor Hugo Dib Bichara, o custo da CNH sempre foi um problema (Foto: Osmar Veiga)

Segundo ele, o custo médio da CNH no Estado varia entre R$ 2.500 e R$ 2.800, sendo cerca de R$ 965 destinados às taxas do Detran-MS, como exames médicos e psicológicos. “O que mais vemos aqui na autoescola são pais trazendo filhos para tirar a CNH com segurança e comprometimento. Não somos vilões, como muitos pensam.”

Jair acrescenta que uma solução viável seria revisar a carga horária obrigatória. “Se o governo liberasse um número menor de aulas, já ajudaria bastante a reduzir custos sem comprometer a formação.”

O setor já articula reação nacional. No dia 2 de agosto, Jair participará de agenda em Brasília para apresentar dados ao Congresso. “Já mostramos que os CFCs são organizados. Deputados da bancada sabem que isso é um retrocesso e pode resultar em mais acidentes e vidas perdidas”.

O presidente do Sindcfc-MS (Sindicato dos Centros de Formação de Condutores de MS), Henrique José Fernandes, também alerta para os riscos da mudança. “Imagina hoje, com tudo que as autoescolas ensinam, já temos um trânsito complicado. Agora pense em um condutor sem conhecimento e sem habilidade? A chance de acidentes aumenta muito. O veículo com duplo comando é essencial em situações de emergência. Como será quando isso não existir?”, questiona.

Setor fala em colapso e retrocesso caso autoescolas sejam opcionais para CNH
Mesmo em vias com pouco movimento, alunos precisam lidar com desafios reais no trânsito durante as aulas (Foto: Osmar Veiga)

Henrique revela que a categoria tentava, há dois anos, dialogar com o governo para modernizar o processo de habilitação, mas sem avanços. “Agora vem essa proposta, sem ouvir quem está na ponta. Estamos lançando no dia 3 de setembro a JET (Jornada pela Educação no Trânsito), com especialistas em todo o país debatendo soluções reais.”

Segundo ele, o valor da CNH não pode ser tratado de forma superficial. “Aqui em MS, quase R$ 1.000 são só de taxas e exames. As aulas teóricas e práticas custam, em média, de R$ 1.600 a R$ 2.000. Ainda temos custos com biometria, filmagem, combustível, manutenção dos veículos. Tudo isso impacta no preço final.”

Para o empresário Jairo Luis Ricci, que atua há 25 anos no ramo, o debate não é novo. “Essa proposta já foi cogitada no governo anterior. Pode até causar fechamento de empresas, mas também vejo que muitos alunos que hoje estão fora do sistema podem procurar nossos serviços. Ainda assim, os Detrans não têm estrutura para atender essa demanda sem as autoescolas.”

Ele reforça que o custo da CNH é elevado por diversos fatores além das aulas. “Quase R$ 900 são só das guias do Detran. Depois vêm os serviços de biometria, empresas que aplicam provas e os próprios veículos adaptados, que custam caro. Há muito envolvido. A redução de valores só viria com cortes reais nas taxas e flexibilização da carga horária.”

Setor fala em colapso e retrocesso caso autoescolas sejam opcionais para CNH
Condutora em formação durante aula prática (Foto: Osmar Veiga)

Já Dionnes Jorge de Santana, dono da Autoescola Kapital há 17 anos, vê a proposta como um risco à segurança. “As pessoas estão pensando só no custo, mas estão esquecendo que o trânsito é uma das principais causas de morte no Brasil. Um veículo pode ser uma arma nas mãos de alguém despreparado. Não dá para aceitar qualquer um ensinando outro a dirigir.”

Dionnes sugere que o caminho para reduzir custos seria baixar o valor das taxas e revisar o número mínimo de aulas obrigatórias. “Muita gente já chega na autoescola sabendo dirigir. Essas pessoas não precisariam fazer 20 aulas. A gente pode capacitar com menos, tirar vícios, orientar. Se isso for permitido, o custo da habilitação pode cair para cerca de R$ 1.000.”

Opiniões divididas – Entre motoristas experientes e quem ainda está em processo de habilitação, a proposta divide opiniões em Campo Grande. Enquanto alguns destacam a economia que a medida pode representar para quem busca a CNH, outros temem o impacto na formação dos condutores e no mercado de trabalho do setor.

Robson Capllet, de 67 anos, tem a categoria C desde os 18. Ele tirou a primeira habilitação pela Base Aérea. “Para os usuários é uma boa, elimina um problema. Mas, do outro lado da moeda, vai ter muita gente desempregada. A autoescola vai acabar não tendo o que vender”, avalia.

Apesar disso, defende que o aprendizado seja mantido. “Tem que ter aula. Sem formação não tem jeito. Com formação já é complicado dirigir em Campo Grande. Acho que deveriam é diminuir as taxas, o serviço tinha que ser mais barato.”

Setor fala em colapso e retrocesso caso autoescolas sejam opcionais para CNH
Robson Capllet defende que o aprendizado precisa ser mantido (Foto: Osmar Veiga)

Já Jaqueline Dornelles, de 31 anos, está com a carteira provisória. Ela estima que gastou cerca de R$ 1,5 mil para conseguir a CNH. “Às vezes a gente reprova em alguma etapa e tem que refazer, vai encarecendo tudo.”

Na opinião de Hugo Dib Bichara, 29 anos, que tem habilitação categoria B e EAR (Exerce Atividade Remunerada) há 11 anos, o custo da CNH sempre foi um problema. “Gastei uns R$ 1.200 e já achava caro naquela época. Aprendi antes da autoescola, mas como era obrigatório, fiz o mínimo de aulas. Já sabia estacionar e dirigir.” Ele acredita que a proposta pode ser positiva se mantiver algum acompanhamento: “Pode até ter que ter autoescola, mas essa regra de limite de aula é absurda".

A técnica de enfermagem Ieda Maria Velasco Pedrosa, de 59 anos, não dirige, mas acompanha de perto a experiência do neto. “Tentei tirar carteira há 15 anos, descobri que não era pra mim. Meu neto está pagando mais de R$ 3 mil na categoria AB. A autoescola parcelou, mas ainda tem as taxas".

Dividida sobre a proposta, ela resume: “Sempre foi caro. Ao mesmo tempo em que é importante ter formação, muita gente deixa de tirar por não ter condições.”

Bruna Celleri, 19 anos, também está tirando a primeira habilitação. Paga mais de R$ 2 mil com entrada e parcelas e ainda está na fase teórica. “Já sabia dirigir, mas agora vou estar legalizada. Fico imparcial. Quem tem autoescola vai sair perdendo, e quem for tentar sozinho pode ficar perdido. Pode facilitar, mas também pode diminuir a qualidade, porque sem professor fica mais difícil.”

Reações institucionais – Em nota, a AND (Associação Nacional dos Detrans) se posicionou em defesa da educação no trânsito. “Defendemos que a formação de condutores deve priorizar a segurança viária e contribuir para a redução dos índices de sinistros e mortes. Educação no trânsito salva vidas e deve ser prioridade em qualquer política pública de mobilidade”, declarou o presidente da entidade, Givaldo Vieira.

Já o Detran-MS respondeu que “não comenta estudos ou projetos ainda não aprovados ou em tramitação”.

A proposta já foi apresentada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e poderá ser formalizada ainda em 2025. Se aprovada, representará uma das maiores mudanças no processo de habilitação no Brasil. Enquanto isso, o setor se mobiliza para tentar manter seu papel na formação de condutores e evitar o que considera um risco à segurança viária no país.

Setor fala em colapso e retrocesso caso autoescolas sejam opcionais para CNH
Ieda Maria Velasco Pedrosa não dirige porque há 15 anos descobriu que não tinha vocação (Foto: Osmar Veiga)

Proposta em análise – O projeto foi anunciado pelo ministro dos Transportes, Renan Filho, e prevê tornar facultativa a frequência em autoescolas. A mudança, segundo ele, visa reduzir o custo para obter a CNH, que, em alguns estados, chega a R$ 4 mil, e ampliar o acesso de pessoas de baixa renda e mulheres, que, em muitas cidades, dirigem sem habilitação.

A proposta prevê que o candidato possa estudar de forma autônoma, com auxílio de familiares ou instrutores independentes credenciados. As provas teórica e prática seguirão obrigatórias. Inicialmente, a flexibilização valeria para as categorias A (moto) e B (carro), mas pode ser expandida.

O governo argumenta que o modelo já é adotado em países como Reino Unido e Estados Unidos, onde as aulas em autoescolas não são compulsórias para maiores de idade. Renan Filho afirma que autoescolas continuarão existindo, mas apenas as que oferecerem “bom serviço” sobreviverão.

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