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Capital

Dependentes químicos eram explorados para dar lucro à instituição interditada

Jornada era exaustiva: começava às 4h30 e terminava por volta das 21h30, segundo investigação

Por Cassia Modena e Gabi Cenciarelli | 19/11/2025 13:51
Dependentes químicos eram explorados para dar lucro à instituição interditada
Cozinha onde acolhidos preparavam cerca de 150 marmitas por dia (Foto: Divulgação/Defensoria Pública de MS)

Interditada na manhã desta terça-feira (18) pela Vigilância Sanitária Municipal de Campo Grande, a comunidade terapêutica Associação Nova Criatura terá que responder por explorar o trabalho de dependentes químicos e pessoas com doenças mentais para lucrar. Além disso, outras duas situações envolvendo mão de obra foram identificadas no local.

RESUMO

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A comunidade terapêutica Associação Nova Criatura, em Campo Grande, foi interditada pela Vigilância Sanitária por explorar o trabalho de acolhidos. Segundo o Ministério Público do Trabalho, pessoas assistidas cumpriam jornadas exaustivas na cozinha, preparando mais de 150 marmitas diárias, sem vínculo empregatício ou remuneração. A instituição, que recebia recursos federais e mantinha convênio com a Prefeitura, também apresentava irregularidades na contratação de funcionários como MEI, além de problemas no armazenamento de medicamentos controlados. A defesa nega as acusações, afirmando que os acolhidos realizavam apenas atividades básicas.

Segundo o procurador do MPT/MS (Ministério Público do Trabalho de Mato Grosso do Sul), Paulo Douglas de Moraes, uma parte das pessoas acolhidas cumpria jornadas exaustivas para cozinhar no local, que começavam às 4h30 e eram encerradas por volta das 21h ou 21h30. Havia um revezamento. Quando não trabalhavam na cozinha, elas ficavam responsáveis por limpar unidades da comunidade terapêutica.

"É importante reparar que eles abasteciam todas as unidades da instituição, tanto para alimentação dos acolhidos quanto dos funcionários. Eram mais de 150 marmitas feitas por dia e são cinco alimentações diárias. É uma quantidade expressiva de alimentos, o que acaba demandando muito tempo de trabalho", destaca.

Dependentes químicos eram explorados para dar lucro à instituição interditada
De camiseta laranjada, acolhido descasca batatas (Foto: Divulgação/Defensoria Pública de MS)

Conveniada com a Prefeitura de Campo Grande e recebendo recursos federais, a associação deveria utilizar o dinheiro repassado para custear a compra das refeições e não produzi-las explorando o trabalho dos próprios assistidos, explica o procurador.

Foi verificada "uma clara relação jurídica de subordinação", mas sem vínculo de trabalho e salário para o acolhido, o que caracteriza fraude trabalhista, acrescenta um auditor do trabalho que a reportagem ouviu nesta quarta-feira (19). Ele lembra que trabalhar com finalidade terapêutica é permitido, mas que a situação não era essa. "Nessa operação, a comunidade auferia lucro sobre a atividade e a comida produzida para o próprio estabelecimento", reforçou.

Sem carteira assinada - Paulo Douglas de Moraes afirma que a segunda irregularidade encontrada foi a formalização de um grupo de trabalhadores da própria instituição sendo contratados como MEI (microempreendedor individual) e não pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

"Estão todos formalizados, porém de modo irregular como microempreendedor individual, em clara fraude à relação de emprego", disse.

Em apuração - O procurador cita uma terceira situação que está sendo verificada. Ela tem relação com mão de obra prisional.

"Nós constatamos que os cuidadores são ali utilizados como mão de obra prisional. Ainda precisamos checar se os percentuais estariam dentro do que preconiza a Lei de Execuções Penais. A base de cálculo deveria ser o número de trabalhadores regulares e não há nenhum regular", detalha.

A assessoria de imprensa da Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário) foi questionada sobre o convênio com a Nova Criatura e confirmou que ele está vigente e regular, prevendo ocupação remunerada de detentos dos sistemas semiaberto e aberto, monitorados com tornozeleira e livramento condicional.

Os detentos recebem um salário mínimo, transporte e uniforme para prestar serviços no local. Diante da interdição, a agência poderá encaminhá-lós para outro conveniado.

Medicamentos e reabilitação - De acordo com a defensora pública estadual Thaísa Raquel Defante, que acompanhou a fiscalização que levou à interdição, também foram encontrados medicamentos controlados armazenados sem receita médica, sem identificação e sem controle profissional obrigatório. O local também não apresentava planos individuais de atendimento aos acolhidos, documentos que definem metas, necessidades e como será o acompanhamento terapêutico de cada pessoa.

Dependentes químicos eram explorados para dar lucro à instituição interditada
Aviso de interdição pela Vigilância Sanitária é fixado em portão (Foto: Divulgação/Defensoria Pública de MS)

Não havia, ainda, estrutura para reabilitação. O espaço não oferecia atividades com método para refazer vínculos e reinserir os acolhidos ao social.

Trabalho social - A Associação Nova Criatura recebia dependentes químicos, pessoas com transtornos mentais e pessoas em situação de rua. Ela foi fundada em 2002 pelo pastor Marcos Ricci e tem sede no Bairro Joquei Club.

"É lamentável e importante registrar que o Ministério Público do Trabalho reconhece a relevância desse trabalho para a sociedade. Ele é muito importante para ajudar a inserir as pessoas que buscam auxílio, para que saiam das drogas e se insiram na sociedade. No entanto, isso não pode ser feito da maneira como essa instituição vem operacionalizando. Não pode ser feito por meio de fraude para se apropriar dessa mão de obra e, com isso, auferir resultados econômicos que não são legítimos", destaca Paulo Douglas.

O procurador finaliza dizendo que o MPT tomará providências para que os trabalhadores sejam regularizados enquanto empregados e para propor responsabilização da instituição com pagamento de dano moral coletivo.

Defesa - Jackson Emanuel, que se identificou como advogado da Associação Nova Criatura, negou que exista exploração do trabalho de acolhidos no local e afirmou que eles apenas realizam atividades como lavar louça.

Ele esclareceu que o motivo da interdição foi a ausência de apenas três receituários de remédios que só não estavam em posse dos assistidos naquele momento, mas já foram recuperados.

Sobre o convênio com a Agepen, informou que o trabalho de ressocialização é desenvolvido conforme o previsto e não está irregular.

"Estamos com a defesa pronta com toda a documentação da instituição, totalmente regular", finalizou Jackson.

Prefeitura - A assessoria de imprensa da Prefeitura de Campo Grande foi questionada sobre quais providências irá tomar diante a interdição da instituiçã.

"A SAS (Secretaria Municipal de Assistência Social) informa que, até o momento, não recebeu qualquer comunicação oficial sobre a fiscalização mencionada. Assim que a Prefeitura receber informações oficiais dos órgãos responsáveis pela fiscalização, os fatos serão analisados e, caso haja comprovação de qualquer irregularidade, serão adotadas as medidas administrativas cabíveis, conforme previsto no contrato e na legislação vigente", respondeu em nota.

Todas as comunidades terapêuticas conveniadas passam por "monitoramento contínuo, com visitas técnicas regulares, avaliação de documentos, acompanhamento de rotina e pesquisas de satisfação realizadas de forma sigilosa com os acolhidos, sem qualquer identificação obrigatória", acrescentou a pasta.

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