Mortes se repetem apesar do tabu e preconceito com suicídio e depressão
A morte do advogado Rafael Zarza Ribas, 29 anos, que caiu do 27º andar do hotel Bahamas no domingo, e da estudante de Matemática da Uniderp-Anhanguera, Cristiane Valdenice Carvalho, 28, que sofreu uma queda do terceiro andar de um bloco da instituição, na noite desta segunda-feira (13) gerou uma série de comentários e movimentou as redes sociais, incluindo grupos de WhatsApp, trazendo à tona um assunto que ainda é tabu na sociedade: a depressão.
No caso do advogado, os próprios familiares revelaram que ele passava por tratamento há seis meses devido ao fim de um relacionamento amoroso. Já quanto a estudante, o fato de nenhum amigo ou familiar ter feito qualquer menção sobre o estado emocional de Cristiane, não impediu os depoimentos e comentários no mundo virtual sobre uma possível depressão.
No facebook do Campo Grande News, os seguidores se mostraram chocados e não pouparam comentários sobre a importância de tratar e discutir a doença, que avança de forma silenciosa a cada ano, segundo especialistas.
Para se ter uma ideia do quanto é urgente a necessidade de rever a forma de lidar com a doença, basta observar os dados do Mapa da violência realizado no Brasil ano passado, apontando que o número de suicídios aumentou 10,1% em Mato Grosso do Sul de 157, em 2012, para 173 casos em 2013. O Estado apresenta o quarto maior índice de casos por habitante. Na maioria das situações, a morte é reflexo de depressão, doença que ajuda a lotar postos da Capital e representa 70% dos atendimentos ambulatoriais das unidades de saúde mental.
O Estado só fica atrás de Minas Gerais (9,1 para cada grupo de 100 mil), de Santa Catarina (8,4) e do Rio Grande do Sul (8,2). Com 7.087 suicídios em 2013, a taxa nacional é de 3,5 mortes para cada 100 mil habitantes. Dados da OMS (Organização Mundial de Saúde) atestam que, em média, são registrados 27 suicídios no país, o que reforça a necessidade imediata de políticas públicas mais efetivas no sentido de identificar e tratar as vítimas da depressão.
Há 15 anos desenvolvendo projetos de pesquisa no Hospital Universitário da Capital e trabalhando com vítimas da doença considerada o mal do século, o professor Edilson Reis lamenta o fato de a doença ser discutida apenas quando surge uma sequência de casos. Ele critica a forma como a sociedade e apropria imprensa aborda a questão. “Criou-se um mito de que ninguém pode falar sobre isso. É um erro porque a falta de informação só piora o quadro do depressivo”, afirma.
Ele diz que independente da família da vítima aceitar o fato, é preciso suscitar o tema como forma de alerta. “Nós temos campanhas anuais voltadas para todo tipo de doença porque não ações voltadas para a depressão?”, questiona. Acostumado a viajar pelo país divulgado seus trabalhos, o professor, que é referência no assunto no Estado, destaca que observa um crescimento dos casos que caem na obscuridade devido a falta de informação.
“Quando a pessoa está fragilizada, ela tem que entender que está doente e precisa buscar ajuda. Não é uma fraqueza moral, é uma doença”, ressalta. O professor diz que em 97% dos casos de suicídio a vítima possuía algum distúrbio emocional. Desse total, a maioria é depressão, seguida de síndrome do pânico. “Não podemos ter vergonha de falar sobre o problema”, alerta.
No HU ele lidera um trabalho de prevenção da doença, além de ir em escolas, empresas e entidades ministrar palestras e responder dúvidas. Este ano ele organiza o nono seminário sobre depressão e afirma que o véu do preconceito que encobre a doença não foi retirado totalmente da sociedade, fato que acaba contribuindo com a negação do mal. Com isso, a vítima, que já está fragilizada, não sente segurança em conversar com a família, amigos e tão pouco procurar ajuda médica.
“Quando a pessoa se atira de uma janela é um pedido de socorro. Ela queria mostrar que não suportava mais viver aquela dor e não soube lidar com ela”, explica.
Foi para evitar uma atitude extrema que a dona-de-casa Angelina Alves da Costa se encheu de coragem e buscou ajuda logo que percebeu a chegada da Síndrome do Pânico, doença que fez parte de sua rotina durante 25 anos e teve origem no estresse que Angelina sentia quando morava em São Paulo. Ao mudar para Campo Grande, ela buscou ajuda e acabou se encontrando na homeopatia.
Mas até chegar ao ponto de manter a doença sob controle, foi uma longa caminhada. “Não saía de casa sozinha para nada, tinha medo de tudo. Nem visitar minha filha eu ia”, lembra. Para a dona-de-casa, encarar o mal é difícil, mas é o primeiro passo para solucionar o problema. E ela faz um alerta sobre a necessidade de manter vigilância para evitar recaídas ou o desenvolvimento de outra doença, como aconteceu há um ano meio, quando ela começou a sentir os primeiros sinais da depressão. “Cheguei a sentir dores físicas”, conta.
Após uma nova empreitada, ela vem superando a cada dia o problema. “O dia que me olhei no espelho e não me reconheci, decidi investir na minha saúde e cuidar mais de mim”, ensina. A psicóloga Abigail Saling enfatiza que as pessoas, de um modo geral, não entendem a dificuldade do doente em buscar ajuda, e não percebe o quanto é difícil simplesmente reconhecer que é vítima da doença. “Como é uma doença que gera piadas e brincadeiras, as pessoas sentem vergonha de se expor e acabam achando que o tratamento psicológico não vai resolver”, diz.
A psicóloga diz que outra situação, igualmente grave, também ocorre com os depressivos quando eles buscam apoio apenas nas medicações e não reconhecem a importância de uma terapia. “São tratamentos que precisam ser casados, senão você não trata a doença em sua totalidade”, ressalta.
Sintomas e mundo virtual - Tanto Edilson Reis quanto a psicóloga Abigail Saling destacam que é possível identificar alguns indícios de que a pessoa está depressiva. A necessidade de se isolar, de abandonar atividades que fazia rotineiramente e apatia são alguns deles.
Quando a pessoa era comunicativa e passa a demonstrar uma tristeza e para de conversar com a família e amigos, fica mais fácil identificar, segundo Reis. Mesmo os leigos, segundo ele, conseguem notar as diferenças no comportamento da pessoa, principalmente se ela faz parte do seu convívio diário.
Para Abigail a identificação pode se tornar mais complicada caso a pessoa continue trabalhando ou desenvolvendo suas tarefas normalmente, no entanto, sempre há algum sinal, mesmo que sutil. “Ela até pode trabalhar, mas vai apresentar algum problema, como falta de produtividade”, explica.
De acordo com os especialistas, a intensa atividade que existe no mundo virtual hoje em dia pode ajudar a diagnosticar esses sintomas. “Todo mundo posta no facebook como está se sentindo e muitas delas deixam pistas de que não estão bem”, diz a psicóloga. Porém, segundo Abigail, o mundo virtual tem um outro lado que pode contribuir com a depressão. “Temos amigos virtuais, mas nem sempre o presencial, disposto a ouvir a dor do outro”, afirma.
Fé - Paralelo ao tratamento médico e terapias, os profissionais apoiam a adoção de uma atividade religiosa, mas o professor Dilson Reis, que também é capelão no HU, afirma que é fundamental não abandonar o tratamento e não encarar a doença apenas como um mal espiritual. “Antes de mais nada a depressão é uma doença do físico, que necessita tratamento como qualquer outra”, atesta.
E é justamente este cuidado que o padre Dirson Gonçalves, da paróquia Perpétuo Socorro tem durante as novenas que realiza todas as quartas-feiras. Ele explica que a cada ciclo de nove semanas aborda um tema e, por “inspiração”, como ele prefere dizer, escolheu este mês para falar sobre depressão. “Perguntei quem já teve ou conhecia alguém que sofre da doença e todos levantaram a mão”, conta.
O padre concorda com os profissionais da saúde de que o assunto é tabu, por isso a dificuldade em lidar com a questão na própria casa. “Procuramos fazer nosso trabalho dando apoio espiritual, mas ainda falta informação e as pessoas sentem vergonha porque escutam dizer que é frescura”, diz.
A fé também ajudou a dona-de-casa Angelina Costa. Ela frequenta o Gaepe (Grupo de Apoio Espiritual às Pessoas Enlutadas), que presta auxilio com base na doutrina espírita, porém é um grupo aberto e não faz distinção de religiões. Mesmo sabendo que o trabalho do grupo é voltado às pessoas que sofreram perdas familiares, é lá que ela vem conseguindo superar a depressão após a filha ter ido morar em outra cidade. “Sei que perdi apenas a proximidade com minha filha, mas lá não tem preconceito. Conversamos sobre tantos assuntos e isso tem me ajudado”, destaca.
O Gaepe, que também orienta seus frequentadores a buscarem ajuda médica, fará uma corrente de oração, no final da tarde desta terça-feira, pelas vítimas de suicídios registrados na Capital nos últimos dias. "Entre o apoio espiritual e a ajuda médica, o importante é escolher os dois. Um depende dooutro, caminhando lado a lado", finaliza uma das coordenadoras do grupo, Luciene Ferreira.