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Cidades

Pesquisadoras vêem transformação no interior com "Mais Médicos"

Para elas, atendimento dos profissionais melhorou a qualidade da atenção básica e fortaleceu vínculo com pacientes

Izabela Sanchez | 17/11/2018 08:57
Da esquerda para a direita: Mara, Dinaci e Jacinta, que pesquisaram o programa Mais Médicos (Foto: Izabela Sanchez)
Da esquerda para a direita: Mara, Dinaci e Jacinta, que pesquisaram o programa Mais Médicos (Foto: Izabela Sanchez)

O paciente chega ao consultório de uma unidade de saúde do interior. A visita já é a segunda na tentativa de descobrir o que estaria por trás dos sintomas do pacientes. Com sotaque carregado, o profissional de saúde pede que ele fique em pé e examina o paciente. Uma lesão na perna, após olhar mais detalhado, revela que ele sofre de raiva, consequência da mordida por um cão. O médico é um dos topou trabalhar no programa "Mais Médicos", iniciativa que, segundo uma pesquisa, trouxe mudanças significativas para o atendimento de saúde no interior de Mato Grosso do Sul e agora está nas manchetes, depois anúncio de Cuba de retirada dos profissionais do Brasil.

No Estado, dos cerca de 200 profissionais do programa, metade é de Cuba e deixa o país ainda este ano. Uma ausência que vai fazer diferença, no entendimento de três pesquisadoras de um projeto que analisou o programa “Mais Médicos” em seus diversos aspectos. O projeto, parceria entre a UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) e o instituto Fio Cruz, uniu profissionais de diversas especialidades.

Jacinta de Fátima, uma odontóloga, Dinaci Vieira, administradora, e Mara Lisiane, fisioterapeuta, dedicaram as atividades para entender como o programa, instalado no país em 2013, trouxe mudanças a Mato Grosso do Sul. Agora, relatam, fica a tristeza, após Cuba anunciar a saída do programa, reação a declarações do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL).

A pesquisa faz parte de uma iniciativa nacional, o “Observatório Micro Vetorial de Políticas Públicas de Saúde e Educação em Saúde”, coordenado pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

“São várias pesquisas no Brasil que mostram efeitos desde a aplicação de princípios do SUS, a satisfação dos usuários, a satisfação dos gestores, o aumento da oferta de serviço médico no país, que tinha um problema antigo. É muito difícil você alocar médicos em lugares vulneráveis, em lugares distantes. Esse problema existira há muito tempo, mas nunca foi enfrentado enquanto política”, comenta Mara.

As pesquisadoras Mara e Dinaci (Foto: Izabela Sanchez)
As pesquisadoras Mara e Dinaci (Foto: Izabela Sanchez)

Vínculo – Um dos municípios completamente transformados pelo programa é Costa Rica, a 305 km de Campo Grande, que tem 6 profissionais médicos de Cuba. Entre os destaques do município, pesquisado por Dinaci, é o fortalecimento do vínculo entre médico e paciente.

“A gente pode perceber a relação de vínculo que ele tinha com a equipe e também com o usuário, uma relação de cuidado muito diferente do que a gente está acostumado a ver. Costa Rica teve um impacto grandioso nos indicadores do cuidado. Os indicadores melhoraram absurdamente no pré-natal, no cuidado com idoso, aquele idoso acamado que precisa ficar em casa, as visitas domiciliares realmente acontecem de acordo com o que é preconizado pela saúde”, explica Dinaci.

São detalhes, esclarece, de um atendimento mais humanitário. “Aquela gestante que tem seu bebê lá no hospital, mas o médico da saúde da família vai visitar para saber como está a saúde, como foi o parto. Então essa relação de promoção e de prevenção, de fato, acontece em Costa Rica. É um dos municípios que vai perder de forma abrupta, o que foi construído desde 2014 até agora”, explica.

Na cidade, segundo a pesquisadora, a regulação de pacientes também melhorou. Casos que antes lotavam hospitais, começaram a ser resolvidos no âmbito da saúde da família. “Costa Rica tinha um pronto atendimento do hospital superlotado, com a vinda do programa isso deixou de acontecer. Diminuiu aquele paciente que procura o hospital por coisas sensíveis à atenção básica. Foi melhor direcionado. A gente presenciou todo esse processo lá, mas tem outros municípios do Estado”.

Dados da SES (Secretaria Estadual de Saúde) indicam 10 profissionais em Corumbá e 9 em Dourados. Quem mais vai sofrer, no entanto, é a saúde indígena, que vai perder 11 profissionais.

Corumbá, segundo Dinaci, tinha uma cobertura de 42% no programa saúde da família. Com a vinda do programa, esse número mais do que duplica e passa a ser de 89% de cobertura de saúde da família. “Isso é um diferencial muito grande. Corumbá agora tem 10 profissionais médicos, Dourados vai perder 9, Deodápolis vai perder 4, então são coisas que vai fazer a diferença pra população” afirma.

Médico do programa em hospital de Naviraí (Foto: Arquivo)
Médico do programa em hospital de Naviraí (Foto: Arquivo)

Atendimento mais detalhado – Para as pesquisadoras, além do vínculo, está nos detalhes do atendimento. “Os médicos do programa permanecem na unidade o tempo todo, as 8h por dia etc. O contato é maior, o acesso é mais facilitado. O tempo de consulta com os cubanos é diferente, o número de consultas aumentou. O acesso à saúde melhorou. Diminuiu internações por causas sensíveis à atenção básica, ou seja, causas que podem ser tratadas na saúde da família, que evita internações”, comenta.

Ela explica que uma das pesquisas, um projeto de mestrado, avaliou a satisfação dos usuários do programa saúde da família depois de serem atendidos por médicos cubanos em Campo Grande.

“O que aparece nessa pesquisa, de maneira muito evidente, é a questão relacional entre paciente e médico. A questão da escuta, do detalhamento do exame, do tempo de consulta e da relação simétrica: não existia hierarquia. Eles falam muito isso: ‘esse médico é diferente’, ‘essa médica é diferente’, são os termos que eles usam, então é uma questão relacional, de habilidade de conversa”, afirma.

Conforme a fisioterapeuta, o acesso à saúde melhorou. A rotatividade dos profissionais, comenta, também mudou e os pacientes passaram a estabelecer uma relação de confiança com os profissionais. “Melhorou a qualidade do atendimento, principalmente porque esses médicos do programa ficam na unidade. Diminuiu a rotatividade, isso apareceu na pesquisa também. ‘Cada dia que a gente vinha aqui era um médico diferente, agora esse aqui já está há dois anos’”, conta Mara.

Para Jacinta o ‘Mais médicos’, de fato, conseguiu colocar os princípios do SUS (Sistema Único de Saúde) em prática, ao ampliar o atendimento na saúde da família. “Na verdade, a estratégia de saúde da família tem uma perspectiva desmedicalizadora, de o profissional resolver esses assuntos com procedimentos, com atuação, e não apenas encaminhar ou dar um remédio. Ela impacta, diminui o custo da saúde do país, do município, diminui a necessidade de estar medicalizando demais o paciente”, conclui.

Impasse – Nesta quarta-feira (14), o governo de Cuba divulgou nota anunciado a interrupção da cooperação técnica com a Opas que permite o envio de médicos para o Brasil. O comunicado cita "referências diretas, depreciativas e ameaçadoras" feitas pelo presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) à presença dos médicos cubanos no Brasil.

O país caribenho envia profissionais para trabalhar nas regiões mais carentes do país desde 2013, quando a gestão de Dilma Rousseff (PT) criou o Mais Médicos. A nota do governo cubano não informa a data que médicos deixarão o Brasil.

O presidente eleito, que em agosto, durante a campanha, havia falado em “expulsar” os cubanos do Brasil, reagiu. “Condicionamos à continuidade do programa Mais Médicos a aplicação de teste de capacidade, salário integral aos profissionais cubanos, hoje maior parte destinados à ditadura, e a liberdade para trazerem suas famílias. Infelizmente, Cuba não aceitou”, publicou no Twitter.

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