O direito de exigir contas após a busca e apreensão de maquinários agrícolas
Imagine a cena: um produtor rural enfrenta dificuldades financeiras severas, resultado de uma sequência de safras prejudicadas por fatores climáticos. Sem conseguir honrar as parcelas do financiamento de seus maquinários — colheitadeiras, tratores, plataformas e plantadeiras —, ele vê o contrato, firmado com alienação fiduciária, transformar-se em um problema ainda maior. Rapidamente, o banco consolida a propriedade dos bens em seu nome e ingressa com pedido judicial de busca e apreensão. Depois, vende os equipamentos sem informar o valor obtido ou quais despesas foram deduzidas. E, como se nada tivesse acontecido, continua cobrando a dívida integral. O produtor fica sem saber se realmente ainda deve, quanto deve ou, em alguns casos, se teria até crédito a receber.
RESUMO
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Produtores rurais enfrentam dificuldades com financiamentos de maquinários agrícolas, em especial com a alienação fiduciária. A garantia, que transfere a propriedade do bem ao credor em caso de inadimplência, gera situações complexas quando o credor vende o equipamento após a busca e apreensão sem prestar contas ao devedor. A prática, que também afeta outros setores, prejudica o devedor que desconhece o valor real da dívida após a venda do bem. A lei garante ao devedor o direito de exigir a prestação de contas detalhada sobre a venda do bem alienado. O credor deve apresentar o valor da dívida, despesas, preço da venda e o saldo final, comprovando as informações. Caso o credor não apresente a prestação de contas, o devedor pode acionar a justiça. A ação de exigir contas obriga o credor a fornecer os dados. Mesmo com a venda do bem, a cobrança da dívida remanescente deve ser feita por ação monitória, não por execução.
Essa não é uma situação rara ou excepcional. Ao contrário: acontece com frequência, prejudicando produtores, empresários urbanos e até pessoas físicas, que acabam enfrentando graves consequências financeiras.
Antes de falar das soluções, é importante esclarecer o funcionamento da alienação fiduciária. Trata-se de uma modalidade de garantia em que a propriedade (ou “domínio resolúvel”, na linguagem legal) e a posse indireta do bem ficam em nome do credor. Se o devedor não paga qualquer parcela, ocorre o vencimento antecipado da dívida e ele é notificado. Caso não purgue a mora, a propriedade consolida-se em favor do credor, que pode requerer judicialmente a busca e apreensão.
É por isso que costumo alertar: a alienação fiduciária é uma das garantias mais severas. Basta o envio de uma simples notificação ao endereço informado no contrato — sem necessidade de comprovar quem a recebeu. Pior: o STJ consolidou entendimento de que até a notificação por e-mail indicado no contrato é válida, desde que haja confirmação de recebimento.
Nos bens móveis, como automóveis e maquinários agrícolas, aplica-se o Decreto-Lei nº 911/1969. Esse diploma prevê, em seu artigo 2º, que, uma vez vendido o bem, o credor deve aplicar o valor na quitação da dívida e despesas, devolvendo ao devedor eventual saldo — mediante prestação de contas.
Em outras palavras: é dever do credor apresentar planilha clara, com o valor da dívida, as despesas envolvidas, o preço da venda e o saldo final, anexando documentos comprobatórios. Contudo, na prática, não são raros os abusos, seja pela omissão da prestação de contas, seja pela apresentação de informações obscuras e sem provas.
O caminho do devedor, nesses casos, é iniciar com uma notificação extrajudicial solicitando a prestação de contas. Se não houver resposta, deve ingressar com a chamada Ação de Exigir Contas, prevista no artigo 550 do CPC. O juiz poderá determinar que o credor apresente as informações no prazo de 15 dias. Se não o fizer, caberá ao devedor apresentar sua própria versão, que não poderá ser impugnada pelo credor.
Outro ponto relevante ocorre quando o crédito é cedido a terceiros, como securitizadoras: a obrigação de prestar contas transfere-se integralmente ao novo credor.
Por fim, mesmo após a venda, se ainda houver saldo devedor, o credor só poderá cobrar o valor remanescente por meio de ação monitória — e não execução —, conforme estabelece a Súmula 384 do STJ.
Em resumo: conhecer esse direito é essencial para evitar abusos de bancos, cooperativas, revendas e indústrias. Informação é poder, e, nesse caso, pode significar a diferença entre continuar afundado em dívidas ou recuperar algum equilíbrio financeiro.
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Para mais informações ou orientações sobre o tema, entre em contato com o autor.
Autor:
Henrique Lima é advogado com atuação focada no atendimento a produtores rurais, empreendedores, empresas e grupos familiares com problemas jurídicos, especialmente em temas envolvendo direito agrário, contratual, dívidas bancárias, família, sucessões, tributário, direito e responsabilidade civil. É mestre em direito pela Universidade de Girona – Espanha e com cinco pós-graduações (lato sensu). É sócio-fundador do escritório Lima & Pegolo Advogados Associados que possui unidades em Curitiba-PR, São Paulo-SP e Campo Grande-MS, mas atende clientes em vários Estados brasileiros.