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Em Pauta

Macbeth conta Lula

Mário Sérgio Lorenzetto | 08/04/2018 08:30
Macbeth conta Lula

Em um só dia, Lula se entrincheirou no Sindicato dos Metalúrgicos, a ex-presidente coreana Park Geun-hye recebeu uma condenação de 24 anos de prisão, o ex-presidente sul-africano Jacob Zuma sentou-se no banco dos réus.
A coincidência é suficientemente chamativa por si só. Mas é possível incluir outros dados. O ex-presidente francês Nicolas Sarkozy está sendo submetido a uma investigação ; o primeiro-ministro de Israel em exercício Benjamín Netanyahu, anda literalmente cercado de acusações e o presidente Donald Trump vê aproximar-se, cada vez mais, a fiscalização sobre a trama russa.
Neste momento, poucas lições são mais expressivas que a de Montesquieu sobre a separação de poderes. Por isso mesmo, tampouco convém subestimar a lição shakesperiana de Macbeth. A chave desse drama, possivelmente, não esteja tanto na conquista do poder por meios violentos - que sempre são miseráveis - e sim na sinuosa e perigosa coexistência em um mesmo corpo - humano ou institucional - de bondade e maldade, justiça e abuso. O risco de uma evolução negativa.
A chave da primeira intervenção das célebres três bruxas "Fair is foul, and foul is fair" (geralmente traduzido como "o belo é feio e o feio é belo), advertem, premonitórias. No um, está o outro, potencialmente ou em ação. E Macbeth continua com o tema: "So foul and fair a day i have not seen" (um dia tão feio e belo como nunca tinha visto). Notem que o vocábulo "fair" guarda uma conotação com o conceito de justiça.
O maior problema da separação dos poderes está, exatamente, nessa convivência do belo com o feio. Não faltam fiscais de toda ordem servis aos interesses do executivo e também não faltam ações judiciais com motivação eleitoral partidária.
Em tempos de certa fragilidade das democracias e compreensível ira dos cidadãos - não pensem que só os brasileiros sintam-se encolerizados - pelos recorrentes abusos dos dirigentes, é especialmente importante a consolidação de sistemas judiciais justos e eficazes. Qualquer balbúrdia jogará ao lado do pelotão dos autocratas.
A superioridade moral das democracias frente aos regimes totalitários era evidente desde a queda do muro que separa os alemães. Tornou-se tão forte que, no momento, passa por um breve enfraquecimento. Agora a comparação com os regimes híbridos totalitários - China e Cingapura - é muito mais sutil. Muito mais difícil de ser entendida - e sentida. É mais importante do que nunca que nosso "belo" não seja ultrapassado pelo nosso "feio". Caso contrário, nosso sistema e o outro terão diferenças cada vez menos perceptíveis. Não podemos nos curvar aos atrativos de alguns sistemas autoritários em termos de eficácia e capacidade de execução de projetos, cada vez mais atrativos.

Macbeth conta Lula

O avanço dos evangélicos e o "não te metas com meu filho".

Ainda que os católicos, seguidores de Roma, continuem sendo majoritários, o avanço dos evangélicos no último quarto do século, começou a ter um forte impacto político. A Guatemala elegeu o único presidente evangélico até o momento. Na Costa Rica, o país da América Latina com democracia continuada mais longeva, acaba de ver o rumo de suas eleições alteradas pelo triunfo de um candidato evangélico no primeiro turno. Ninguém esperava. No Brasil pós-Lula, o candidato preferido de parte expressiva de padres e bispos, emergem dois evangélicos. Marina e Bolsonaro, esquerda e direita do evangelismo militante, podem chegar isolados ao segundo turno. Na Colômbia, nas recentes eleições legislativas, dois grupamentos partidários, nitidamente evangélicos, tomaram a frente.
De acordo com o barômetro sobre a América Latina, feito pela Universidade de Vanderbilt, há só cinco países latino americanos cuja população se considera católica em porcentagem superior a 70%: Paraguai (83%), Equador (74%), Colômbia (73%), México (72%) e o Peru (71%). Em oito países o total de católicos é inferior a 55% de sua população. De acordo com a Vanderbilt, o Brasil teria, no momento, 51% de sua população constituída por católicos. Em termos gerais, 20% da população da América Latina é evangélica.
Torna-se interessante comparar a atitude e o comportamento religioso das sociedades com o de seus políticos. Em várias pesquisas, fica cada vez mais claro que a novidade atual não é só o avanço dos evangélicos, mas sim sua capacidade de incorporar pautas que, um dia, pertenceram à direita católica. As principais são a não aceitação do matrimônio gay, o combate renhido contra o aborto, enfim, tudo que esteja sob o lema "ideologia de gênero" não será aceito pelos evangélicos. O principal lema utilizado pelos evangélicos da América Latina - que ainda não chegou ao Brasil - é: "não te metas com meu filho".

Macbeth conta Lula

O bebê que está sendo gestado é o de Rosemary.

Em 2011, o escritor uruguaio prevenia os jovens: "Este mundo de merda está gravido de outro". Quem presenciou a vitória de Trump, o Brexit, os atentados na França promovido por terroristas nascidos em suas periferias, a truculência de Putin além da Rússia, a escalada de violência de Israel contra os palestinos, a transformação da Venezuela em uma ditadura, um bando imperando no poder no Brasil, suspeita que o que crescia nesse ventre era o bebê de Rosemary.
Só resgatando as mediações de conflitos poderemos recuperar a capacidade de imaginar um futuro que não seja um mundo de merda.

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