O boi Laranjo e o paraguaio Carapé: a história da vida em uma invernada
Em termos rurais, uma “invernada” em uma fazenda é uma área de pastagem onde o gado é mantido durante os meses mais frios. Local de pouso ou engorda, para o gado especialmente durante o inverno. Um local que faz parte de nossa história sem merecer estudos ainda que irrisórios. Mas, nas invernadas havia vida a ser contada. A história é da invernada “Alavanca”, na região da Vacaria.
RESUMO
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Na invernada Alavanca, na região da Vacaria, a vida seguia tranquila. Carapé, um paraguaio esperto e loquaz, cuidava da boiada durante quatro meses do ano, acompanhado de Mandioca, sua companheira. A invernada, rica e produtiva, abrigava milhares de bois e uma tropa de cavalos. Entre os animais, destacava-se o boi Laranjo, mestiço de zebu com franqueiro, astuto e veloz. Desconfiado e de olhar penetrante, Laranjo sempre escapava do abate, sendo conhecido e temido por todos, inclusive Carapé. Em uma tentativa de apartar o gado, Laranjo, acuado por diversos peões, foi laçado e subjugado. A resposta à pergunta sobre o paradeiro do animal foi lacônica: "Morreu. E morreu de brabo".
Produzia até o que não se plantava.
Riqueza de tudo havia ali. Produzia até o que não se plantava. Tinha um ranchão de taipa e capim, barreado com esterco de gado e piso batido. Na coberta viam-se também tabuinhas, a telha sertaneja. Morava ali o Carapé, paraguaio com cara de indígena, alegre e mentiroso, iletrado, mas esperto e loquaz. Vivia com Mandioca, uma paulista feia e erada, mas que dava conta de cozinhar os feijões.
Trabalho de quatro meses.
A vida era tranquila na “Alavanca”. Carapé só tinha de acompanhar as boiadas durante quatro meses ao ano. Era o responsável para evitar entreveros com os peões das fazendas próximas. De olho vivo, bom campeiro, ginete e laçador, era o mestre para evitar estouro de boi ou qualquer dano à boiada daquela invernada que comportava três a quatro mil bois e uma tropa de cavalos. Carapé, como todos os demais, só tinha medo do boi Laranjo.
O boi Laranjo, o rei da boiada.
Quem comandava a bicharada era um boi erado, de algo como sete anos, alaranjado, com um par de chifres da mesma cor do pelo, acabando em pontas agudas levantadas. Sempre delgado, porque não lambia sal, tinha sempre conseguido fugir das boiadas que iam para o abatedouro. Mestiço de zebu com franqueiro, desprovido de cupim, sempre desconfiado, de cabeça erguida, olhos vermelhos, cascos finos e pronto para correr como um corisco. Só o Carapé lhe conhecia os hábitos. Parece que ambos se conheciam. Foi o único que conseguiu um dia, só um dia, do boi Laranjo se aproximar, muito embora cavasse terra e bufasse em sinal de descontento.
Morreu de brabo!
Um dia, quinze peões da fazenda foram apartar o gado para levá-lo embora. No meio da tarefa, ouviram um barulho surdo, como se fosse trovão, porém longo, continuado, ameaçador. Era um estouro da boiada da fazenda vizinha. Todos se assustaram e tiveram muito trabalho para que tudo voltasse ao normal. Conseguiram, finalmente, colocar o gado em fileira. Naquele estirão seguia o boi Laranjo, junto com os demais. Não lhe tiravam os olhos de cima, esperando a qualquer momento a sua espirrada do meio do gado. E ela veio. O boi Laranjo fugiu, como sempre fazia, atacando um menino a cavalo e jogando-o para cima. Sem dar satisfação, veloz, desafiou os cavaleiros. Seis deles saíram em perseguição. E era pouco. Outros vieram ajudar. Chegaram os outros e rodearam o fantástico boi Laranjo com seus lindos cornos com mais de metro de tamanho. Acuaram o bicho. Laçaram, derrubando em um baque estrondoso. Foi totalmente subjugado. Voltaram pesarosos e murchos. E quando foram interpelados: “Cadê o boi? - Morreu - disseram - e morreu de brabo”.
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