O mundo entre o sagrado óleo de oliva e a bárbara manteiga
Nas proximidades de Jerusalém, ao pé do monte das Oliveiras, se encontra o horto de Getsêmani. Se o resto de Jerusalém foi assolado por incontáveis guerras religiosas, essa oliveira situada em frente do monte do Templo tem um aspecto muito parecido ao de dois mil anos atrás. São árvores centenárias, de enormes troncos retorcidos e ramos quase pelados. Havia lido sobre essas árvores e, quando estive em Jerusalém, visitei o monte. As oliveiras pertencem à ordem dos franciscanos. Há uma casinha na metade do horto. Essas oliveiras estão em muitas passagens da Bíblia. A mais importante é a do passeio de Jesus por Getsêmani na última noite de sua vida. Nessa casinha, o padre costuma distribuir pedacinhos de pão untado com o óleo de oliva ali produzidos. Poucos sabem dessa oferenda. Mas havia, naquele dia, um pequena multidão, de pelo menos dez países diferentes, à procura desse óleo, para muitos, considerado sagrado. Entre os muitos, está o Papa. Ele não consome óleo de oliva europeu, recebe frequentemente uma carga do óleo do monte das Oliveiras. As árvores que produzem esse óleo tem mais de 900 anos. E são clones, tem DNA idêntico das árvores de quando Jesus por lá passou.
Independente de religião, o óleo de oliva é sagrado para o Mediterrâneo.
Os pesquisadores italianos afirmam que essas árvores são as oliveiras mais antigas que existem no planeta. Para quem deseja crer, elas são a prova da vida eterna. Mas não há necessidade de ser cristão para amar o óleo de oliva. Todos que vivem no Mediterrâneo usam quase exclusivamente esse delicioso óleo em todas suas refeições, pouco importa se são cristãos, muçulmanos ou ateus. É possível agrupar culturas e povos de acordo com a gordura que utilizam. Uma carne na Itália, por exemplo, é frita com óleo de oliva. A mesma carne, na Alemanha, vai à frigideira com manteiga. O historiador Estrabón escreveu que existiam povos bárbaros que usavam a manteiga. Seu colega Plinio, dizia que a manteiga era alimento dos bárbaros. E tinham razão. Os vikings e alguns celtas adoravam a manteiga e tinham nojo do óleo de oliva. Os italianos, na Antiguidade, afirmavam que a manteiga causava lepra.
A religião da manteiga contra a do óleo de oliva.
A princípios do século XIV, a Igreja viveu com angústia o traslado do papado para Avignon, na França. O século terminou com um conflito aberto entre o Papa de Roma e o de Avignon, que se acusavam mutuamente de impostores. Após esse enfrentamento fratricida, no século XV, a igreja voltou a se reunir em Roma. Estava em bancarrota. Moral e econômica. Para encher as arcas de dinheiro, aumentaram a venda de indulgências. Você poderia assassinar um irmão, mas bastaria comprar uma indulgência para se ver livre do pecado. Outra saída foi a venda impositiva, para toda a Europa, do óleo de oliva. A manteiga foi proibida. As bulas, as normas, papais eram impopulares para os povos do norte europeu. E ainda tinham de pagar o dizimo, um imposto que consideravam insuportável. A igreja opinava sobre tudo, até com quem você podia ir para a cama.
O padre que dividiu a igreja criticando o óleo de oliva.
E foi assim que surgiu um padre que, por onde pregava, sempre dizia: “o óleo [de oliva] de Roma não serve para lustrar nossos sapatos”. Esse amante alemão da manteiga era um sacerdote de Wittenberg chamado Martinho Lutero. Sua critica abarcava muitas questões morais e teológicas, mas o povo pouco entendia dessas questões, compreendia mesmo era seus ataques contra o óleo de oliva e contra as indulgências. A proibição da manteiga, dizia ele, não tinha base na Bíblia, era apenas uma forma ruim de conseguir mais dinheiro para Roma. Para Lutero, Deus não se importava com o que o povo untava o pão. É possível desenhar uma fronteira entre países protestantes e católicos. É a mesma fronteira entre os que usam óleo de oliva e manteiga.
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