O pão nosso de cada dia e seus conflitos
Estamos no período natalino, a festa mais popular da cristandade. Durante muito tempo, cristão comia pão e peixe. Não a toa eram seus símbolos maiores. O pão virou hóstia, que, com o passar do tempo, passou a ser feita em fábricas com farinha de milho, sem sabor de milho. Em outras palavras: já não são pão, mas símbolos de pão. Em quase todos os lugares essa mudança ocorreu sem protestos. Todavia, nem sempre foi assim, o pão era o elemento central. Os teólogos não só teorizavam sobre seu significado, como também sobre a receita do Corpo de Cristo, isto é, como fazer a hóstia.
Pão ocidental e oriental.
No século XI, surgiram conflitos entre as duas vertentes do cristianismo. No Oriente, em Constantinopla, optaram por um pão bem fermentado e mastigável, algo bem parecido com o pão que comemos. Em Roma, todavia, preferiram um pão seco, o precursor da hóstia atual. Nessa época, a Igreja não brilhava pela conciliação. Por incrível que pareça, o conflito padeiro se agravou. E começaram provocações dos dois lados. Muitas agressões foram feitas. E o caldo do pão será entornado por um cardeal de nome Humberto, o especialista em panificação do Vaticano, um homem tido como fanático.
Pão judeu contra pão da Ressurreição.
A tradição do Vaticano era fazer um pão baseado no “matzá” dos judeus. Era um pão sem fermentar que os judeus continuam comendo na época da Páscoa, para comemorar o êxodo do Egito. É provável que esse fora o pão que Jesus comeu com seus discípulos na Santa Ceia. Todavia, os cristãos de Constantinopla não pretendiam recriar a última ceia. Estavam mais interessados na elevação do pão como símbolo da Ressurreição. Na verdade, queriam distanciar da tradição hebraica e acusavam o Vaticano de judaizante. Essa controvérsia do pão e a “cláusula filioque” - a do filho - desencadearam o Grande Cisma, a separação definitiva das igrejas católica e ortodoxa.
Fazendo um pão romano.
O pão de trigo, por séculos, era reservado para os ricos, mas com o tempo toda a população passou a aspirar comê-lo, abandonando a cevada. Uma das fontes de informação mais importantes sobre o pão está em Pompéia, congelada no tempo debaixo das cinzas do Vesúvio, que entrou em erupção no ano 79 antes de Cristo. As escavações mostram que o forno era uma obra mestra inigualável. Tinha teto como de uma igreja, abovedado, caixa para recolher cinzas, regulador da chama e um depósito de água para acrescentar umidade durante a cocção e dar ao pão uma casca dourada. O pão era redondo e marcado com dupla cruz, para facilitar parti-lo em oito pedaços iguais. Há, ainda, na Itália, milhares de padarias que tem fornos idênticos aos do passado e não é difícil encontrar esse tipo de pão da época áurea de Roma.
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