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Economia

Ao lado de gigantes, pequenos são faíscas que fazem PIB trilionário crescer

Faturando R$ 3 trilhões por ano, empreendedores geram 78% dos empregos e alavancam PIB de R$ 9,9 trilhões

Caroline Maldonado e Marcos Maluf | 04/06/2023 17:40
Rodrigo Pache: "Em um mar de desistências minha prova de fogo foi construir meu próprio caminho". (Foto: Marcos Maluf)
Rodrigo Pache: "Em um mar de desistências minha prova de fogo foi construir meu próprio caminho". (Foto: Marcos Maluf)

Acordar cedo, trabalhar e não desistir de abrir seu próprio caminho em um “mar de desistências”. Com esse objetivo, que parece, mas de simples não tem nada, pessoas com muito pouco criam seus pequenos negócios, que contribuem para o desenvolvimento econômico e social de todo o Brasil. Nesse mar, multinacionais gigantes na produção e exportação navegam ao lado de pequenos empreendedores e reconhecem sua importância.

“Foi difícil”. Essa é a resposta comum dos pequenos empreendedores. Em Campo Grande, Capital de Mato Grosso do Sul, Rodrigo Pache tinha apenas 13 anos quando começou a trabalhar com o pai, um torneiro mecânico. Hoje, aos 38, produzindo peças e retificando, ele atende uma multinacional exportadora de subprodutos de soja, com sede no bairro Santa Mônica.

Para se ter uma ideia, cada máquina faz parte de uma linha de produção. Quando uma delas fica parada, o prejuízo se alastra por vários departamentos, podendo, em alguns casos, parar até mesmo a indústria toda.

"O trabalho da minha empresa é de extrema responsabilidade. Se nós não fizermos bem feito, centenas de pessoas podem ficar paradas durante dias e isso reflete muito na contagem final da economia do estado e por que não dizer do País?", explica Pache.

Rodrigo Pache tinha apenas 13 anos quando começou a trabalhar com o pai, um torneiro mecânico, que o inspirou para o empreendedorismo. (Foto: Marcos Maluf)
Rodrigo Pache tinha apenas 13 anos quando começou a trabalhar com o pai, um torneiro mecânico, que o inspirou para o empreendedorismo. (Foto: Marcos Maluf)

Depois de fazer um curso por apostilas enviadas por Correios pelo Instituto Universal Brasileiro, ele ficou impressionado com o quanto vale a pena estudar. Aos 16 anos, Pache fez um curso técnico do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial). Ele aprendeu sobre técnica e segurança no trabalho, mas a administração do negócio continuava sendo o maior desafio.

Pache chegou a sofrer um acidente, no qual quebrou uma costela e uma clavícula por falta de noções sobre segurança no trabalho. Ele foi puxado pelo torno mecânico, uma máquina que serve para girar peças em alta velocidade. Sem o torno, as peças não ganham a forma necessária para fazer as máquinas industriais rodarem. Do atrito, partem inúmeras faíscas e também a realização de ser, como o pai, um empreendedor de sucesso.

Para a multinacional é mais viável pedir a retificação ou uma peça nova à Tornearia Pache do que a reposição na fábrica da máquina. A maioria dos equipamentos da indústria são importados, por isso demoraria dias para chegar uma peça e o prejuízo da produção seria muito maior. É aí que grandes empresas exportadoras se conectam com os pequenos. Elas precisam deles para produzir mais em menos tempo.

“Em um mar de desistências, minha prova de fogo foi construir meu próprio caminho”, resume Pache sobre a luta para manter a empresa, sem muitos conhecimentos na área administrativa.

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Os microempreendedores individuais, microempresas e as de pequeno porte são responsáveis por 30% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro, que é o conjunto de produtos, serviços e riquezas produzidas no País. Faturando até R$ 3 trilhões por ano, eles geram 78% dos empregos. Em 2022, o PIB chegou a R$ 9,9 trilhões no Brasil, graças a esse cenário.

Muitos deles começaram com apenas uma caixa de ferramentas e vontade de crescer em um mercado competitivo, no qual ser empregado não era o bastante para realizar seus sonhos. Ficar reclamando da falta de oportunidade então, nem pensar.

É gente com esse pensamento, que transforma a sua realidade, um dia de cada vez, e hoje faz parte dos 99% das empresas brasileiras: os pequenos negócios, conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Na indústria, eles prestam serviços imprescindíveis para as máquinas das multinacionais funcionarem em perfeito estado e, assim, darem conta de cumprir contratos milionários, dia após dia. Suas vidas, de suas famílias e suas dezenas de funcionários beneficiam, direta ou indiretamente, mais de 40% da população brasileira, conforme o Sebrae (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas).

Arlei Pires: "Comecei somente com uma caixa de ferramentas. Foi difícil, mas eu encontrei a luz dentro de cada painel elétrico". (Foto: Marcos Maluf)
Arlei Pires: "Comecei somente com uma caixa de ferramentas. Foi difícil, mas eu encontrei a luz dentro de cada painel elétrico". (Foto: Marcos Maluf)

Luz para continuar

A parte contábil e de relações com as grandes empresas também são algumas das maiores dificuldades para quem se aventura no empreendedorismo. Assim como Pache, o engenheiro elétrico Arlei Pires, de 31 anos, presta serviço à multinacionais. Ele atua com montagem e manutenção de painéis elétricos, atendendo até fora de Mato Grosso do Sul, com sede no bairro Nova Campo Grande.

“Comecei somente com uma caixa de ferramentas. Foi difícil, mas eu encontrei a luz dentro de cada painel elétrico”, diz Arlei.

Brincando, ele "calcula", que desde a faculdade em 2015 se foram oito anos, mas ele “envelheceu mais de dez”. Com 16 anos de idade, ele foi menor aprendiz em uma empresa e logo viu que a elétrica era seu forte e, portanto, iria apostar nisso. Fez a graduação e somente depois percebeu que construir uma carreira a partir de um emprego seria muito demorado para dar conta dos sonhos que tinha para a vida.

Ele explica, o que a maioria dos egressos das faculdades de engenharia sabe. “A universidade promete te preparar para se encaixar no mercado de imediato, mas na realidade é bem diferente, isso demora. Vi que poderia alcançar mais, sendo empreendedor”, lembra.

Arlei comenta que fazia o que podia para aprender coisas novas no âmbito do empreendedorismo, mas, da mesma forma que relata Pache, a falta de tempo se torna o grande inimigo de quem tem o conhecimento técnico sobre o serviço que oferece, mas sofre na parte de “aprender a empreender”.

“O conhecimento de contabilidade fiscal, como ter uma empresa e como manter a mão de obra são desafios. Fui buscando na internet, na raça. Sempre soube que havia o Sebrae, por exemplo, que apoia as empresas, mas a demanda não permitia eu parar o trabalho para ir fazer um curso”, revela Arlei.

Engenheiro elétrico e microempreendedor, Arlei Pires aconselha iniciantes a busacar apoio para apreender e fazer conexões com empresas maiores. (Foto: Marclos Maluf)
Engenheiro elétrico e microempreendedor, Arlei Pires aconselha iniciantes a busacar apoio para apreender e fazer conexões com empresas maiores. (Foto: Marclos Maluf)

Ele aconselha quem está começando hoje. “Tem muita informação atualmente. Se puder, se prepare antes, comece sabendo aonde quer chegar e faça cursos. Ter definido, na mente, o objetivo seria muito importante, porque depois que a gente vai para o dia a dia, o tempo se torna curto, pois a demanda é constante”, recomenda Arlei.

Conexão pequeno e grande 

Em 2022, entre contratações e demissões, os pequenos negócios foram responsáveis por 79,4% do saldo de empregos em Mato Grosso do Sul, de acordo com levantamento realizado pelo Sebrae, com base em dados divulgados pelo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados). O PIB chegou a R$ 122,6 milhões em MS, no último ano.

Em 2023, juntos, multinacionais, empreendedores individuais, micro e pequenos devem ser responsáveis por um PIB de R$ 166 bilhões, conforme estimativa da Semadesc (Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação). Em 2020, último levantamento, o Produto Interno Bruto foi de R$ 122,6 bilhões.

Como o crescimento não para, em 2027, estima-se PIB de R$ 215,5 bilhões em MS. Essa é a força dos empreendedores, do menor ao maior, nos setores de construção, serviços, agropecuária, indústria de transformação, comércio e extrativa mineral.

Espaço interno da microempresa do engenheiro elétrico Arlei Pires, no bairro Nova Campo Grande, na Capital de Mato Grosso do Sul. (Foto: Marcos Maluf)
Espaço interno da microempresa do engenheiro elétrico Arlei Pires, no bairro Nova Campo Grande, na Capital de Mato Grosso do Sul. (Foto: Marcos Maluf)

Programas de fortalecimento dos pequenos negócios desenvolvidos e executados pelo Sebrae impulsionam os resultados de cada setor em todo o País. O analista técnico do Sebrae, Hugo Bittar, explica que sabe bem sobre essa dificuldade em obter conhecimento administrativo, de gestão e de conexão com as grandes empresas, relatada por Arlei.

Atuando na gestão do eixo de conexões corporativas do Programa Cidade Empreendedora, Hugo entende a dor de quem sabe que o negócio tem potencial, mas precisa de uma força. Nem todos vão conseguir chegar lá, muitos vão “morrer na praia” se não tiverem apoio especializado.

“O nosso trabalho é aproximar o Sebrae da grande empresa, captura das informações, do que ela precisa para comprar localmente, quais são os requisitos que o fornecedores têm que atender e quais são os tipos de produtos e serviços que ela precisa comprar. A partir daí, o Sebrae começa a trabalhar com os fornecedores locais de micro e pequeno porte para que consigam atender esses requisitos e vender para essa grande empresa”, detalha Hugo.

Analista técnico do Sebrae, Hugo Bittar, explica como atua para fazer conexões duradouras entre pequenos e grandes empresários. (Foto: Marcos Maluf)
Analista técnico do Sebrae, Hugo Bittar, explica como atua para fazer conexões duradouras entre pequenos e grandes empresários. (Foto: Marcos Maluf)

O analista explica que é preciso fazer com que as empresas grandes e gigantes contratem serviços, além de empregados, quando se instalam em qualquer estado. É isso que proporciona maiores remunerações e ajuda no desenvolvimento econômico e social das cidades.

Em geral, sem esse trabalho do Sebrae de fazer as conexões, as multinacionais levam às pequenas cidades em que se instalam empregados e fornecedores de outras localidades, o que não enriquece a economia local.

Um exemplo emblemático deste cenário é o que acontece em Ribas do Rio Pardo, município a 97 quilômetros de Campo Grande, Capital de Mato Grosso do Sul.

Boi é referência na chegada do município de Ribas do Rio Pardo (MS), mas é o eucalipto que traz "boom" de oportunidades para empreendedores e transforma a cidade. (Foto: Marcos Maluf)
Boi é referência na chegada do município de Ribas do Rio Pardo (MS), mas é o eucalipto que traz "boom" de oportunidades para empreendedores e transforma a cidade. (Foto: Marcos Maluf)

A maior obra privada atualmente no Brasil é de uma unidade da fábrica de celulose Suzano, com investimento estimado em R$ 19 bilhões. A prefeitura estima ter que investir R$ 150 milhões em obras urbanas só para acompanhar o crescimento que a gigante da celulose vem trazendo consigo.

Em Inocência, a empresa Arauco planeja uma mudança radical com a prefeitura da cidade, que fica a 339 quilômetros de Campo Grande. A cidade de 7 mil habitantes se prepara para receber 12 mil trabalhadores na obra, que ainda vai começar e instalar ali uma unidade capaz de produzir 2,5 milhões de toneladas de celulose ao ano. O investimento total será de cerca de R$ 15 bilhões a partir de 2025 para o que a empresa já chama de “Vale da Celulose”.


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Crescendo juntos 

São nessas cifras que os pequenos estão de olho para não perder o “boom” de oportunidades. O programa Cidade Empreendedora vai na frente, abrindo caminho, praticamente, segundo Hugo.

Natural de Catanduva (SP), Elaine Ribeiro morou em Três Lagoas, cidade sul-mato-grossense, que faz divisa com o estado de São Paulo. Ao perceber a oportunidade de negócio, se mudou para Ribas do Rio Pardo. Com o apoio do Sebrae, ela conseguiu consolidar a Usinagem Ribeiro, que presta serviços de torno, solda e caldeiraria.

Após 11 anos se dedicando aos serviços de casa, a satisfação é enorme em ver o negócio, que tem dois sócios, Adailton e Lúcio, dando certo em um local com tantas projeções positivas.

“Logo quando abrimos, o Sebrae nos procurou e eu sempre soube do apoio da instituição aos empresários. Então, recebi consultorias nas áreas de gestão, participei de capacitações e me inscrevi no programa Semear, outra iniciativa do Sebrae em parceria com o Governo do Estado, que trouxe para o município uma rodada de negócios com as grandes empresas e eu pude participar. Além disso, também fiz Empretec”, lembra Elaine.

Adailton, Elaine e Lúcio, proprietários da Usinagem Ribeiro, em Ribas do Rio Pardo, município que se transforma economica e socialmente com obra da Suzano Celulose. (Foto: Divulgação/Sebrae MS)
Adailton, Elaine e Lúcio, proprietários da Usinagem Ribeiro, em Ribas do Rio Pardo, município que se transforma economica e socialmente com obra da Suzano Celulose. (Foto: Divulgação/Sebrae MS)

Principal programa de formação de empreendedores do mundo, o Empretec é um seminário intensivo da ONU (Organização das Nações Unidas), promovido em 40 países e exclusivo do Sebrae no Brasil.

Cidade Empreendedora

Para promover o desenvolvimento local por meio do fortalecimento dos pequenos negócios, o Programa Cidade Empreendedora é executado pelo Sebrae em parceria com as prefeituras dos municípios, que fazem adesão.

Em Ribas do Rio Pardo, o programa começou as atividades em 2021. Várias capacitações foram promovidas para ajudar o comércio local a melhorar e dar conta das oportunidades de negócio que estão chegando.

Os técnicos também buscam a desburocratização de processos e formação de lideranças e gestores públicos que promovam o empreendedorismo. Clique aqui para acessar o portal do programa para gestores de municípios. Clique aqui para acessar o site do programa em Mato Grosso do Sul.

Confira, no vídeo abaixo, os melhores momentos da entrevista com o analista técnico do Sebrae, Hugo Bittar, sobre as conexões entre pequenas e grandes empresas e o impacto econômico e social nas cidades:


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