Comerciantes fazem renda "nascer" na garagem de casa para driblar aluguel
No acumulado do ano, o aluguel em Campo Grande aumentou 7,49%

A placa de “promoção”, presa no portão de uma casa na Mata do Jacinto, mostra que ali há um comércio. É a residência de Dilma Quinhone, de 60 anos, que, há quatro anos, decidiu transformar a varanda e a sala em uma loja de calçados. A mudança foi uma questão de sobrevivência.
RESUMO
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Em Campo Grande, moradores transformam suas residências em pontos comerciais para driblar os altos custos de aluguel. A tendência ganhou força após a pandemia, com garagens, varandas e salas sendo adaptadas para abrigar lojas, oficinas e estabelecimentos alimentícios. Entre os casos está o de Dilma Quinhone, 60 anos, que converteu parte de sua casa em loja de calçados, e Nilce, 58 anos, que opera uma marmitaria e hamburgueria delivery em sua residência. Os empreendedores relatam economia significativa, já que o valor médio do aluguel comercial na cidade chega a R$ 2.500, conforme dados do Índice Fipezap.
Para quem chega, logo na entrada há calçados femininos com desconto para a troca da coleção. Para entrar na casa, é necessário bater na porta antes, já que a vida íntima da família também se desenrola ali.
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“Eu trabalhava em uma loja de calçados, eu saí no finalzinho da pandemia e abrimos aqui. Ainda está devagar e, para eu alugar um espaço ou comprar um outro, eu preciso ter mais clientes”, disse.
Entre um atendimento e outro, ela se divide com os afazeres da casa. À noite, a garagem dá lugar ao carro.
Atualmente, a lojinha funciona em ritmo constante, sustentada principalmente pelas vendas online. “Eu trabalho bastante com rede social, a maioria das minhas vendas são online, 70%. Acho bem bacana trabalhar em casa, tem economia. É daqui que sai minha renda”, disse, satisfeita por ver o quintal virar fonte de sustento.
Essa mesma realidade se multiplica por Campo Grande. Com o aumento dos custos de aluguel e a busca por autonomia, transformar o lar em local de trabalho virou rotina. A garagem, que antes abrigava somente o carro, hoje é oficina, loja, cozinha ou vitrine.
No mesmo bairro, a garagem da casa de Karen Martins, de 36 anos, foi tomada por brinquedos e utensílios domésticos. A loja começou há dois anos, quando o sogro se cansou da contabilidade e decidiu mudar de área.
“Na verdade, foi meu sogro que criou essa loja. Ele ficou um ano e passou para o meu esposo e para mim”, contou.
O crescimento do negócio fez os produtos invadirem os cômodos. Além da garagem, o quartinho da bagunça e até o mezanino viraram espaço para estoque.
“Moramos no fundo e administramos a loja aqui. Nós trabalhamos de segunda a segunda, mas, ao mesmo tempo, para quem já trabalhou de CLT, é uma liberdade. Mesmo estando em casa, trabalhando o dia inteiro, das 8h às 20h, para mim é maravilhoso”, pontuou.
Quando o portão fecha à noite, começa o ritual de todos os dias: os produtos são empurrados para dentro da loja, para que caibam os dois carros da família.
“As coisas que ficam aqui fora, vem para dentro da loja e aqui para a lateral da garagem. De manhã, tiramos e começamos a montar. Também tem a questão de não pagar aluguel de um salão novo, que é no mínimo dois mil reais aqui na região norte.”
No Bairro Coophafé, a história de Nilce, de 58 anos, é de recomeço na garagem de casa. Há seis meses, ela saiu de Corumbá e abriu uma marmitaria.
Depois de 20 anos trabalhando no mesmo ramo, ela e o marido decidiram se mudar para Campo Grande, já que os filhos se casaram e seguiram seus caminhos. A ideia de trabalhar em casa veio da necessidade de economizar.
“Viemos procurar o local, não dava pra ficar muito tempo escolhendo. Aí já fechamos contrato, no outro dia fomos embora e arrumamos as coisas. É cansativo pagar dois alugueis, só um salão com banheiro está 2.500, aqui na casa eu pago 2.700”, explicou.

Às 10h, a casa de Nilce se transforma em marmitaria. À noite, o espaço vira hamburgueria delivery. Já a cozinha deixou de ser comum e conta com um fogão industrial para dar conta da demanda.
Na garagem, o marido fica sentado para receber o pagamento de quem vai fazer a retirada. Mas também há duas mesas disponíveis para quem quer parar rapidinho e comer.
“É bom trabalhar em casa, de noite já dá para preparar a janta. Tem bastante cliente no Ifood, no WhatsApp também, em poucos meses fiemos bastante cliente”, disse, sorridente.
No Bairro Monte Líbano, a casa da costureira Josefa Souza, de 65 anos, é um exemplo de aconchego. A antiga garagem virou um ateliê cheio de plantas e uma rede na entrada.
Há 20 anos, ela mora de aluguel no mesmo endereço e, hoje, faz questão de trabalhar no próprio lar.
“Eu pagava aluguel do ateliê em outro lugar. Aqui guardava um monte de coisa, e o dono me ofereceu para abrir aqui. Ficou melhor, porque fico em casa, e a renda sai do quintal de casa mesmo, e é uma coisa que eu amo fazer. Trabalhando em casa, aproveito para cuidar das plantas, dos bichinhos”, disse.
O negócio rende, em média, R$ 3,3 mil por mês. “Antes eu pagava dois aluguéis, agora só o da casa. Quando eu saí de lá, eu pagava 600 reais. Aqui para mim é muito bom, eu tenho uma clientela boa e fiel”, completou.
A fachada simples e acolhedora é um convite para o bate-papo. “Tem cliente que vem só pra conversar, tomar café, trazer bolo.”
Mais econômico — Na visão do economista Eugênio Pavão, a tendência tem a ver com a redução de custos de aluguel e de transporte.
“O empreendedorismo é a opção para as pessoas gerarem renda. Com a redução da opção por emprego CLT, como forma de reduzir custos com aluguéis, microempreendedores estão optando por instalar as empresas no próprio domicílio, reduzindo custos com transportes”, ressaltou.
O economista também compara com a situação do Centro. “Enquanto no Centro da cidade os aluguéis estão muito altos, vários imóveis comerciais permanecem ociosos. Desta forma, a opção de 'empresa em casa' ganha adeptos, pois a localização do negócio físico não é tão significativa com o aumento dos profissionais de transportes, que entregam encomendas em qualquer local da cidade”, completou.
No entanto, a dica é separar as contas. “É uma solução criativa, porém, as finanças da empresa devem ser consideradas separadamente das da residência, como a conta de luz, água, para não trazer problemas financeiros para a família”, finalizou.
Conforme o Índice FipeZap, no acumulado do ano o aluguel em Campo Grande aumentou 7,49%, e, em 12 meses, 2,91%. Em setembro, o preço médio do metro quadrado ficou em R$ 35,67, com redução de 1,51%.
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