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Economia

Renúncia fiscal de MS cresce 114% de 2023 a 2026 e beneficia 1,5 mil empresas

Estudo da FGV-Ibre aponta que política agressiva de incentivos fiscais reduz espaço para investimentos sociais

Por Viviane Monteiro, de Brasília | 23/10/2025 17:56
 Renúncia fiscal de MS cresce 114% de 2023 a 2026 e beneficia 1,5 mil empresas
Canteiro de obras da fábrica da Arauco, no município de Inocência, que ganhou incentivos estaduais. (Foto: Marcos Maluf/Arquivo)

Na contramão do novo modelo tributário nacional, que prevê ampla redução das renúncias fiscais a partir de 2032, o governo de Mato Grosso do Sul deve praticamente dobrar os incentivos concedidos a mais de 1,5 mil empresas até o próximo ano, em comparação com os valores de três anos atrás. Os chamados gastos tributários, que somaram R$ 5,58 bilhões em 2023, devem alcançar R$ 11,95 bilhões em 2026, alta de 114,2% no período.

RESUMO

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O governo de Mato Grosso do Sul projeta um aumento de 114% nas renúncias fiscais entre 2023 e 2026, beneficiando mais de 1,5 mil empresas. Os incentivos, que somaram R$ 5,58 bilhões em 2023, devem alcançar R$ 11,95 bilhões em 2026, segundo estudo da FGV/Ibre. A indústria de transformação lidera os benefícios, com destaque para empresas de celulose, frigoríficos e agroindústria. O modelo é considerado "extremamente agressivo" por especialistas, que alertam para a redução na arrecadação e limitação de investimentos em áreas essenciais como saúde e educação. Mato Grosso do Sul é o terceiro estado com maior percentual de incentivos sobre a receita no país.

Os dados, obtidos com exclusividade pelo Campo Grande News, integram o recorte das contas públicas do Estado no estudo Gastos Tributários Estaduais, elaborado pelo Centro de Política Fiscal e Orçamento Público da FGV/Ibre (Fundação Getúlio Vargas). O levantamento, iniciado em 2024, analisa a evolução das renúncias de receita nos últimos 20 anos e permite comparar o ritmo de crescimento dos incentivos em diferentes estados.

Segundo o estudo, o modelo de renúncia fiscal adotado em Mato Grosso do Sul, considerado “extremamente agressivo” beneficiando grandes grupos econômicos sob o argumento de geração de emprego e desenvolvimento, reduz a arrecadação e limita o potencial de investimento em áreas essenciais, como saúde e educação.

“Quando o ente renuncia receita dessa ordem, está deixando de gastar potencialmente com saúde e educação”, explica Giosvaldo Teixeira Jr., assistente da pesquisa do FGV/Ibre, coordenada por Manoel Pires, diretor do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público da instituição.

 Renúncia fiscal de MS cresce 114% de 2023 a 2026 e beneficia 1,5 mil empresas

Lista de beneficiadas

A relação de empresas beneficiadas pela renúncia fiscal estadual, obtida com exclusividade pelo Campo Grande News, reúne 1.535 companhias, em sua maioria ligadas à indústria de transformação e aos setores de agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura. Os dados, referentes a 2024, foram extraídos do Portal da Transparência do governo estadual.

Na prática, qualquer tipo de benefício tributário, seja isenção, redução de alíquota ou crédito presumido, implica queda de arrecadação, motivo pelo qual a Constituição Federal (art. 37) e a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) determinam transparência nesses mecanismos.

Entre os principais grupos contemplados estão as gigantes da celulose, como Arauco, Eldorado e Suzano, e os frigoríficos JBS, Marfrig e Boibras Indústria e Comércio de Carnes e Subprodutos Ltda.

Embora os valores individuais sejam protegidos por sigilo fiscal, previsto no artigo 198 do Código Tributário Nacional, o estudo aponta que os benefícios atingem tanto as produtoras quanto empresas integradas à cadeia dos principais setores econômicos sul-mato-grossenses.

Setores mais atendidos

Na indústria de transformação, os gastos tributários estimados em R$ 3,171 bilhões em 2025 devem mais do que dobrar em 2026, chegando a R$ 6,827 bilhões, um aumento de 115,28%. O valor médio de renúncia por empresa nesse setor será de R$ 4,447 milhões, elevando sua participação no total de 26,5% em 2025 para cerca de 60% no próximo ano.

“Quase 30% das renúncias deste ano são da indústria de transformação, com destaque para a agroindústria, frigoríficos, fábricas de ração, abatedouros, indústrias de celulose e biodiesel. Esse percentual deve subir para perto de 57% em 2026, um crescimento significativo”, reforça o economista.

O Vale da Celulose, que abriga gigantes do setor beneficiadas com as renúncias bilionárias, vem se consolidando como polo de atração de investimentos bilionários, impulsionado pela proximidade de fazendas e insumos, fator estratégico para a redução de custos logísticos.

Em segundo lugar no ranking de renúncias está o segmento de agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura, que mantém forte participação nos benefícios fiscais. Apesar da previsão de queda de 11,95%, passando de R$ 3,528 bilhões em 2025 para R$ 3,107 bilhões em 2026, o agronegócio segue entre os mais favorecidos, com média de R$ 1,959 milhão por empresa.

A LDO de 2026, já aprovada pela Assembleia Legislativa, projeta R$ 10 bilhões em incentivos ao setor ao longo de 2026, 2027 e 2028.

 Renúncia fiscal de MS cresce 114% de 2023 a 2026 e beneficia 1,5 mil empresas

Pouca margem para saúde, educação e infraestrutura

A política agressiva de concessão de benefícios fiscais chama atenção dos autores do estudo. Os gastos tributários previstos para 2026 representam 50,1% da receita total do Estado, estimada em R$ 23,862 bilhões (excluindo o regime previdenciário). Mato Grosso do Sul é o terceiro estado do país com maior percentual de incentivos sobre a receita, atrás apenas de Amazonas e Santa Catarina.

Esses percentuais expressivos, segundo Teixeira Jr., podem refletir uma tentativa do governo de proteger empresas locais diante da concorrência tributária com estados vizinhos, como Goiás e Mato Grosso.

“Essa pode ser uma resposta natural de proteção às indústrias, mesmo que o retorno não seja imediato”, avalia.

Na prática, essa política reduz a margem orçamentária para saúde, educação e infraestrutura. Em 2024, o governo assinou acordos de R$ 2,3 bilhões com o BNDES e de US$ 250 milhões (cerca de R$ 1,3 bilhão) com o Banco Mundial (BIRD) — a maior parte destinada a obras de infraestrutura rodoviária.

A pressão também vem dos gastos com pessoal, que consumiram 46,9% da receita corrente líquida no segundo quadrimestre de 2025, conforme o Tesouro Nacional. O índice se aproxima do limite de 49% previsto pela Lei de Responsabilidade Fiscal, acendendo alerta sobre a saúde fiscal do Estado.

Transparência limitada e governança frágil

Os pesquisadores da FGV-Ibre apontam baixa transparência nas contas públicas estaduais. Entre 2015 e 2022, apenas o ano de 2018 teve divulgação completa de dados, quando os incentivos somaram R$ 3,015 bilhões. Desde então, as informações passaram a ser publicadas anualmente, revelando aumentos expressivos — especialmente entre 2025 e 2026, quando as renúncias devem saltar 40%, de R$ 8,405 bilhões para quase R$ 12 bilhões.

“Esse crescimento expressivo não é verificado em outros Estados”, observa Teixeira Jr. “Seria importante questionar a Sefaz-MS se o aumento reflete novas concessões ou mudanças na metodologia.”

Ele cita o caso do Espírito Santo, que triplicou os benefícios após alterar o método de cálculo. “O mesmo pode estar ocorrendo em Mato Grosso do Sul, mas o histórico mostra aumentos muito grandes”, pondera.

A reportagem tentou contato com a Secretaria de Fazenda, mas não houve retorno até o fechamento desta edição.

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Efeitos e desafios

O economista diz que é difícil mensurar os impactos dos incentivos no PIB, que cresce acima da média nacional, mas é visível que se trata de guerra fiscal entre os Estados.

“Em geral, os benefícios fiscais têm um resultado líquido por Estado para atrair empresas de outras regiões, mas isso pode gerar distorções econômicas e favorecer setores específicos em detrimento de outros”, analisa.

A pressão sobre a arrecadação também é significativa. “Quando se deixa de arrecadar, deixa-se de investir em saúde e educação, áreas com vinculação direta à receita. Em casos de necessidade extrema, é preferível conceder benefícios orçamentários ou creditícios, e não fiscais”, complementa, citando a literatura econômica.

Apesar dos riscos fiscais, o estudo vê espaço para melhorar a governança e a transparência. Mato Grosso, por exemplo, é citado como referência na divulgação de dados sobre renúncias.

O levantamento recomenda a publicação dos valores efetivos de renúncia, identificação das empresas e regiões beneficiadas, além da inclusão de incentivos relativos a outros tributos, como IPVA e ITCD.

Para os autores, o Estado poderia aproveitar o andamento da reforma tributária para revisar os gastos tributários. “Esse é o momento de avaliar o retorno dos benefícios e se faz sentido mantê-los”, sugere Teixeira Jr.

Ele lembra que alguns Estados já se movem para reduzir incentivos, como Mato Grosso, São Paulo e Rio de Janeiro, este último sob regime de recuperação fiscal. “Muitos preferem aguardar o novo modelo nacional, mas o debate precisa avançar”, conclui.