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Economia

XP ignora judicialização e registra empresa para operar na rota da celulose

Banco não depositou garantias exigidas e K-Infra acusa ilegalidades na habilitação; governo segue com ritos

Por Viviane Monteiro, de Brasília | 10/12/2025 20:56
XP ignora judicialização e registra empresa para operar na rota da celulose
Trecho da BR-262, no leste do Estado, integrante da Rota da Celulose. (Foto: Arquivo/Saul Schramm)

A assinatura do contrato da concessão da Rota da Celulose, prevista agora para ocorrer até 27 de janeiro de 2026, segue ameaçada por uma disputa judicial que pode suspender o processo após a K-Infra ter ingressado com mandado de segurança, seguido de pedido liminar, no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul para anular a licitação.

RESUMO

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A XP Investimentos registrou em Campo Grande a SPE Caminhos da Celulose, mesmo sob disputa judicial envolvendo a K-Infra, que tenta anular a licitação da Rota da Celulose no Mato Grosso do Sul. A assinatura do contrato está prevista para janeiro de 2026, com investimentos estimados em R$ 6,9 bilhões.O projeto prevê a concessão de 870 quilômetros de rodovias estaduais e federais por 30 anos. A disputa judicial ocorre após a K-Infra, vencedora inicial do leilão, ter sido desclassificada. O consórcio liderado pela XP deve apresentar garantias de R$ 150 milhões antes da assinatura do contrato.

Mesmo sob disputa e confiante de que não haverá impedimento jurídico na assinatura do contrato com o governo local, o consórcio liderado pela XP Investimentos já registrou em Campo Grande a SPE (Sociedade de Propósito Específico) Caminhos da Celulose, criada para assumir o contrato. A criação do CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) é prevista no edital que exige uma empresa exclusiva para executar o projeto, separando-o da empresa-mãe e buscando mais transparência e segurança jurídica.

O grupo liderado pelo banco de investimentos foi convocado para assumir concessão da rota que contempla rodovias estaduais e federais na região leste de Mato Grosso do Sul, após o Consórcio K&G Rota da Celulose, formado pela K-Infra e a Galápagos Participações Ltda ter sido desclassificado do processo cerca de um mês após ter vencido, em primeiro lugar, o leilão realizado em maio, na sede da B3, em São Paulo.

Representante da K-Infra, o advogado João Guilherme Sarmento, sócio do Escritório Archanjo, Ramos e Sarmento, em Brasília, trabalha para eventual reversão do resultado, garantindo o retorno de sua cliente ao certame. Ele reforçou o pedido de liminar no mandado de segurança para impedir que o Consórcio Caminhos da Celulose assine o contrato com o governo estadual, na última quinta-feira (4).

“Se a liminar for concedida no mandado de segurança, esse contrato não será assinado porque o nosso cliente deve retornar ao certame - já que foi inabilitado de maneira ilegal”, disse Sarmento.

“Não temos muito controle em relação a isso, mas há perspectiva de reverter a situação, porque existem violações flagrantes. O edital foi violado pela Comissão Especial de Licitação. Não é possível que, em um momento, você adote um posicionamento e, posteriormente, volte diametralmente oposto ao que havia decidido.”

Mesmo sob a disputa judicial, o governo estadual mantém os ritos administrativos do processo e informou que o consórcio, no caso o liderado pela XP, tem até 27 de janeiro de 2026 para cumprir todas as condições prévias à assinatura do contrato, incluindo os depósitos de garantias usados como pré-requisitos para a formalização do documento. Por enquanto, esses depósitos não foram realizados.

Fontes ligadas à XP, que prefere não comentar sobre o desfecho do processo licitatório, afirmam que todas as exigências previstas no edital estão sendo cumpridas rigorosamente conforme as “previsões editalícias”, incluindo a assinatura do contrato prevista para janeiro. O entendimento é de que o contrato prevê 60 dias após a homologação, ocorrida em 26 de setembro, que são prorrogáveis por mais 60 dias para o cumprimento dessas obrigações.

Enquanto isso, o advogado da K-Infra argumenta que toda a documentação da empresa, sobretudo a comprovação de capacidade técnica e de capacidade econômico-financeira, foi analisada pela própria B3 que tem um sistema de avaliação de governança muito estruturado e especializado.

“A própria B3 fez toda a análise da documentação e emitiu um parecer positivo para que a K-Infra fosse habilitada a administrar o contrato. Esse mesmo relatório foi examinado pela comissão que concluiu que a documentação estava de acordo com as exigências do edital, especialmente no que diz respeito à comprovação de capacidade técnica e econômico-financeira.”

XP ignora judicialização e registra empresa para operar na rota da celulose
Trabalhadores da K-Infra durante manuntenção na Rodovia do Aço, no Rio de Janeiro. (Foto: Reprodução)

Caducidade - Após habilitar a K-Infra como autora da melhor proposta do leilão, o Consórcio Caminhos da Celulose interpôs recurso administrativo alegando descumprimento de obrigações da empresa em contratos com o governo federal mencionando a caducidade. A partir daí, a comissão passou a exigir complementações de documentos e informações não previstas no edital, o que derrubou a qualificação técnica da concessionária da Rodovia do Aço (BR-393, no Rio de Janeiro), cuja administração, manutenção e operação estavam sob sua responsabilidade até o encerramento do contrato pelo governo federal devido a descumprimentos.

O advogado questiona o fato de a decretação de caducidade ter ocorrido após a habilitação da K-Infra como vencedora.

“Essa caducidade não pode ser usada para prejudicar a habilitação da nossa cliente, e isso fundamentou nosso mandado de segurança. Primeiro porque ela ainda não é definitiva: não houve transferência do controle da concessão. A caducidade só se consolida com essa transferência, o que não ocorreu”, explicou.

A BR-393 está sob administração pública temporária até definição de novo modelo ou concessionária. A gestão foi retomada pelo DNIT.

XP mantém tranquilidade - Fontes da XP demonstram tranquilidade diante do pedido de liminar da K-Infra e avaliam que isso não deve interferir na assinatura do contrato de concessão. Para elas, a proposta do Consórcio Caminhos da Celulose atende integralmente às exigências do edital - “diferentemente” da apresentada pela concorrente.

Mesmo reconhecendo que a caducidade pode impedir participação em licitações futuras, o advogado da K-Infra afirma que tal penalidade “não pode prejudicar um certame em andamento no qual a empresa já havia sido reconhecida como vencedora. É o efeito ‘ex nunc’: vale dali para frente”, acrescenta.

No mandado de segurança, o advogado critica o fato de a comissão ter exigido documentos e informações que não estavam previstos no edital. Embora a legislação permita diligências, argumenta que essas devem ser apenas complementares ao que já foi apresentado, não sendo possível exigir novos documentos após a fase de habilitação.

Isso, segundo ele, viola o edital. “Não é mera interpretação: o edital exigia demonstrações financeiras e balanços. Nossa cliente apresentou tudo corretamente”, reforçou.

Seguem os ritos - Em meio à disputa, o governo estadual mantém os procedimentos da licitação. Conforme Eliane Detoni, secretária do EPE (Escritório de Parcerias Estratégicas), o consórcio tem até 27 de janeiro de 2026 para cumprir todas as condições prévias, incluindo os depósitos das garantias no valor de R$ 150 milhões. Após essa etapa, o governo convocará para assinatura do contrato ainda em janeiro. O aporte total fixado na Proposta Econômica é de R$ 195.619.568,80, sendo exigido o depósito de 50% do valor bruto ofertado.

XP ignora judicialização e registra empresa para operar na rota da celulose
O advogado João Guilherme Sarmento, sócio do Escritório Archanjo, Ramos e Sarmento. (Foto: Divulgação)

Garantias - O Consórcio Caminhos da Celulose é formado por um fundo: o XP Infra V FIP, que detém 51% do consórcio, criado há um ano com capital social de R$ 500 milhões, recursos livres e disponíveis. Ou seja, o fundo possui valor superior ao equity exigido no edital (R$ 300 milhões), dos quais R$ 150 milhões devem ser integralizados à nova empresa. As garantias da XP estão programadas para serem aportadas entre dezembro e janeiro.

Do total inicial exigido, o fundo responderá por R$ 150 milhões; o restante virá dos demais sócios.

O consórcio é formado por seis empresas além do fundo da XP: a CLD Construtora, Laços Detentores e Eletrônica Ltda (18,50%); Construtora Caiapó Ltda (7%); Ética Construtora Ltda (4,75%); Distribuidora Brasileira de Asfalto Ltda (4,75%); Conter Construções e Comércio S.A. (9,50%); e Conster Construções e Terraplanagem Ltda (4,50%).

Especialistas apontam elevado risco entre os sócios, algumas conhecida por participação em licitações públicas e alvo de investigações do Ministério Público.

Fontes da XP, que falaram sob reservas ao Campo Grande News afirmam, no entanto que o grupo foi escolhido “a dedo” e é composto por empresas sólidas, com décadas de atuação e elevado capital social.

A XP reconhece que o projeto total demanda quase R$ 7 bilhões ao longo da concessão — valores que podem ser reduzidos com otimização e ganhos de eficiência. Ressalta, porém, que possui solidez financeira para assegurar os aportes e lembra que qualquer projeto de infraestrutura costuma envolver algum nível de financiamento, seja por parte dos acionistas, seja por crédito no mercado.

O consórcio afirma já ter recebido seis propostas de “empréstimos-ponte”, em fase final de análise. Fontes da XP asseguram, contudo, que esses empréstimos não serão necessários para a assinatura do contrato. “O que é necessário são os aportes de equity, e esse dinheiro está totalmente equacionado: vem dos próprios acionistas, do nosso Fundo 5 e dos acionistas minoritários, todos com balanços sólidos.”

O contrato de concessão terá duração de 30 anos e abrange 870 quilômetros de rodovias estaduais (MS-040, MS-338, MS-395) e federais (BR-262 e BR-267), que devem receber investimentos para melhorar o escoamento da produção agroindustrial e de celulose. O investimento previsto é de R$ 6,9 bilhões, sendo R$ 3,2 bilhões destinados a custos operacionais. Entre as principais obras estão 146 km de duplicações, 457 km de acostamentos e 245 km de terceiras faixas, além da implantação de praças de pedágio em cidades como Três Lagoas, Campo Grande, Água Clara e Bataguassu.

Baixa liquidez no mercado - Com a liquidação extrajudicial do Banco Master pelo Banco Central, há quase um mês, devido à grave crise de liquidez e violações às normas do sistema financeiro, economistas avaliam que será necessário capitalizar o sistema financeiro em razão da perda de recursos do FGC (Fundo Garantidor de Crédito) para cobrir os depósitos do Master.

Nesse contexto, a imagem da XP poderia ter sido “arranhada” por ter sido uma das corretoras que mais distribuíram CDBs do banco, cerca de R$ 26 bilhões. A XP nega.

Referência em assessoria de investimentos no Brasil e com diversos acordos no setor de transportes, o conglomerado XP Asset possui solidez financeira e elevados padrões de governança. Avaliada em R$ 10 bilhões na Nasdaq, a XP registra lucro líquido acima de R$ 5 bilhões e administra mais de R$ 1 trilhão em ativos.

Ainda assim, a imagem da XP pode sofrer desgaste devido ao volume de CDBs do Master distribuídos, avalia o economista Roberto Troster, da Troster e Associados.

“Se foi feita uma recomendação ruim, isso afeta a credibilidade. Não sei se chega ao ponto de perder, mas afeta”, afirmou Troster, crítico da falta de auditoria sobre agências de rating. Para ele, o erro está em não conferir minuciosamente as informações dessas agências. “A primeira Lei do Bancário diz: um faz, outro confere.”

A Fitch Ratings, por exemplo, chegou a elevar uma das principais notas do Master para nível “A-”, um dos mais altos, fato destacado à época pelas principais empresas de assessoria de investimentos.

Para um deputado federal sul-mato-grossense que pediu anonimato, o maior problema do leilão é a judicialização, que deve atrasar a execução do edital. Ele entende que, independentemente do vencedor, haverá necessidade de buscar crédito: seja pela XP, seja pela K-Infra e Galápagos, principalmente no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Entretanto, tudo dependerá do cenário político.

No caso da K-Infra, o advogado afirma que os recursos para formação do capital da SPE já estão provisionados. “Não é que não possa haver financiamento, mas, no nosso caso, não haverá”, disse.

“Quanto à capacidade econômico-financeira, os documentos foram apresentados, analisados e considerados suficientes. A Galápagos, por exemplo, administra mais de R$ 100 bilhões em ativos e possui capital social superior a R$ 20 bilhões. Não há dúvida quanto à capacidade financeira das empresas do nosso consórcio”, finaliza.

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