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O que é geoeconomia? E o que o Brasil tem a ver com ela?

Por Paulo Feldmann (*) | 08/12/2025 08:30

A geoeconomia é o estudo das alternativas econômicas que estão à disposição dos países para atingirem seus respectivos objetivos geopolíticos. Nos últimos anos sua importância cresceu tanto que agora chega a ofuscar a própria geopolítica.

Até o final do século 20, acreditava-se que a economia e, principalmente, o livre comércio e os fluxos de capital seguiam regras que funcionavam muito bem. Sendo assim, as decisões geopolíticas dos governos não precisariam dar muita importância aos fundamentos econômicos, pois a economia não sofreria influência nem afetaria os temas da geopolítica.

Foi no início dos anos 1990 que apareceram nos Estados Unidos dois livros que mudaram a visão predominante ao mostrarem que medidas econômicas também são ferramentas de poder: Turbocapitalismo: Perdedores e ganhadores na economia globalizada, de Edward Luttwak, e Cabeça a cabeça, de Lester Thurow. Ambos mostravam que não mais era possível separar a geopolítica da economia em função principalmente do crescimento da importância da China e do Japão, países que se fortaleceram muito do ponto de vista geopolítico com base no uso de suas respectivas economias e na eficiente utilização da globalização.

Com a pandemia de covid-19, a partir de 2020 ficou evidente que aspectos como cadeias de valor e escassez de recursos e economias passaram a ser usados como arsenal geopolítico. Muitos países, alegando razões de segurança nacional, começaram a boicotar a venda ou exportação de materiais e produtos estratégicos como vacinas, semicondutores, computadores etc.

Outro fato importante, e que significou uma guinada na forma como os Estados Unidos enxergam a economia e a globalização, aconteceu já no primeiro governo de Donald Trump (2017 a 2020), que resolveu ir contra a lógica da globalização e do livre comércio ao criar mecanismos de proteção às empresas americanas que operavam dentro do território norte-americano, e conclamando aquelas que tinham aberto instalações na China a voltarem a produzir nos EUA. Seu sucessor, Joe Biden, manteve essa linha e até a acentuou, ao criar uma política industrial muito abrangente – o que não acontecia nos Estados Unidos desde os anos 1950.

No atual governo de Trump, as coisas se amplificaram. Com as megatarifas, a teoria do livre comércio foi deixada de lado, inclusive com o ostensivo esvaziamento da importância da OMC (Organização Mundial do Comércio). Hoje, os Estados Unidos praticam tudo o que combatiam há décadas, como implantação de subsídios, incentivos fiscais e exigências de conteúdo local.

E o Brasil? Como nosso país pode ser protagonista nessa nova era da geoeconomia?

Somos um grande player na área de alimentos, talvez o segundo maior do mundo. E nossa força ficou clara no momento em que Trump teve que rever as megatarifas e até eliminá-las para inúmeros produtos, como café, carne e outros.

Temos porte para atuar também em outras áreas. Uma delas é a de energia. Apenas países pequenos possuem uma matriz energética tão fortemente baseada em energia limpa como o Brasil. Hoje os países europeus já falam que só comprarão produtos feitos com uso de eletricidade gerada por fontes limpas, como sol, vento e água. Nós temos então toda condição de hospedar essas empresas que estão em busca desses fatores.

Um bom início seria hospedarmos os mega data centers. Com o crescimento do uso da inteligência artificial, essas instalações já respondem por 2% da energia elétrica consumida nos Estados Unidos e provavelmente na China. Nesses países, a energia elétrica é gerada com fontes fósseis ou carvão, ambas altamente poluidoras e emissoras de CO2. Não seria o caso de o Brasil atrair esses data centers para cá?

O fato é que, se o desejo de salvar o planeta for verdadeiro, o Brasil se apresenta como nação fundamental. Isso nos fortalece do ponto de vista geopolítico e é um bom exemplo do que trata a geoeconomia.

(*) Por Paulo Feldmann, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP.