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Arquitetura

Memória histórica ameaça desabar e até agora ninguém se mexeu

Iphan realiza 1ª fiscalização integrada em imóveis históricos de Campo Grande e mostra a real situação

Por Thailla Torres e Aletheya Alves | 06/05/2025 09:58
Memória histórica ameaça desabar e até agora ninguém se mexeu
Visto de cima, o abandono da Rotunda salta aos olhos. (Foto: Osmar Veiga)

Nesta segunda-feira (05), enquanto a cidade voltava do almoço, a equipe da Superintendência do Iphan em Mato Grosso do Sul se movia em outra frequência. Às 13h40, na Rua General Mello, começaram os passos de uma vistoria que, embora protocolar, arrastava junto o peso da memória e o risco de desabamento.

Foi a primeira vez que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional fez uma fiscalização integrada no estado (quando diferentes órgãos públicos se unem para vistoriar um local). Um ofício havia sido enviado semanas antes, explicando o motivo: parte dos imóveis históricos da cidade corre risco real de incêndio, roubo ou simplesmente de cair. Literalmente.

Memória histórica ameaça desabar e até agora ninguém se mexeu
Equipe do Iphan em Mato Grosso do Sul acompanhada de outros órgãos durante visita na tarde de segunda-feira (5 de maio). (Foto: Osmar Veiga)

Foram cinco pontos visitados: o Instituto Histórico e Geográfico, a Estação Ferroviária/Plataforma Cultural, a Rotunda com seus galpões e uma casa na Rua dos Ferroviários. A última, por sinal, não é bem um prédio histórico tombado, mas carrega importância afetiva e urbana por estar enraizada no coração ferroviário da cidade.

A vistoria foi feita pelo Iphan e acompanhada por representantes do Corpo de Bombeiros, da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Sectur), da Planurb e do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU-MS). Dois convidados fundamentais, no entanto, não apareceram: a Defesa Civil Estadual e o Governo do Estado.

Memória histórica ameaça desabar e até agora ninguém se mexeu
Infiltrações corroem as paredes do Instituto Histórico e Geográfico. (Foto: Osmar Veiga)
Memória histórica ameaça desabar e até agora ninguém se mexeu
Na Estação Ferroviária as vigas de madeira, que já sustentaram gerações de viajantes, estão desprotegidas e apodrecendo. (Foto: Osmar Veiga)


O silêncio das estruturas

A caminhada começa no Instituto Histórico e Geográfico. À primeira vista, o prédio de aparência firme engana os olhos. Por dentro, infiltrações corroem as paredes e uma mangueira, que cresceu sem pedir licença, já mexe com o telhado como quem cutuca uma ferida antiga. O que cresce para fora também ameaça por dentro.

Na Estação Ferroviária, hoje usada como espaço cultural, a situação é ainda mais urgente. A lateral da antiga área de embarque está desprotegida, e as vigas de madeira, que já sustentaram gerações de viajantes, agora balançam perigosamente. O medo aqui tem nome: queda sobre o público.

“Esses imóveis, tirando a casa da Jakelyne, estão todos em uso público”, explica João Santos. “O Iphan tem recebido muitas denúncias de quem frequenta esses espaços. Gente preocupada com o que pode acontecer. E, honestamente, com razão.”

Na Rotunda, um dos últimos exemplares do tipo no país, o telhado pede socorro em silêncio. O risco maior é ali. Madeiras antigas, quase centenárias, mostram sinais de fadiga. A vistoria conclui: é preciso, ao menos, considerar o fechamento parcial da área até que se saiba o quanto ela ainda aguenta. Mas o Iphan, é bom frisar, não pode fazer isso. Ele alerta. Alguém precisa ouvir.

Memória histórica ameaça desabar e até agora ninguém se mexeu
Na Rotunda, um dos últimos exemplares do tipo no país, o telhado pede socorro. (Foto: Osmar Veiga)
Memória histórica ameaça desabar e até agora ninguém se mexeu
Equipe vistoriando primeiro imóvel de alvenaria da Rua dos Ferroviários. (Foto: Osmar Veiga)
Memória histórica ameaça desabar e até agora ninguém se mexeu
Rachaduras em imóvel na Vila dos Ferroviários é o maior destaque na casa, e preocupa! (Foto: Osmar Veiga)

A primeira casa da vila

Num trecho da Rua dos Ferroviários, uma casa de número par tem algo sagrado. É o primeiro imóvel de alvenaria construído na vila. Hoje, abriga uma família e suas preocupações. As rachaduras nas paredes aumentam, e não há certeza se aquilo vai se manter de pé por muito mais tempo.

“Apesar de não ser um espaço público, essa casa tem valor histórico e emocional”, diz João. “E a moradora tem medo”. O Iphan já atuou no imóvel em 2012 e 2013, quando a situação era ainda mais grave. Mas, passados mais de dez anos, as queixas continuam.

Ali, como em quase todos os outros pontos, o que mais se precisa é de um laudo técnico da Defesa Civil. Mas ela não veio. E essa ausência grita.

É importante dizer: o Iphan não tem o poder de reformar, interditar ou restaurar esses espaços. Seu papel é de zelar, fiscalizar e acionar os órgãos competentes. As soluções, quando vêm, precisam partir da Prefeitura, do Governo do Estado ou dos proprietários. Isso inclui avaliar riscos, cortar árvores, reformar telhados, interditar áreas e planejar restauros.

A Sectur, presente na vistoria, prometeu fazer essa ponte interna com a prefeitura. Vai analisar os ofícios e verificar o que pode ser feito. É um começo.

Ao final da ação, cada órgão que participou, ou deveria ter participado, vai receber um relatório com as observações técnicas. Um chamado formal para que algo seja feito antes que se fale em tragédia.

Depois de Campo Grande, Corumbá será o próximo ponto dessa nova política de fiscalização integrada. A data ainda será marcada. Mas o objetivo já está traçado: evitar que o patrimônio desabe. Literalmente. E, com ele, desabe também a memória que tantas vezes resistiu à ferrugem, à chuva e ao abandono.

A caminhada do Iphan por Campo Grande nesta segunda-feira foi um passo para entender o que pode ser salvo antes que vire ruína. E, por enquanto, tudo ainda pode ser salvo.

Memória histórica ameaça desabar e até agora ninguém se mexeu
Mais detalhes das vigas desprotegidas na Estação Ferroviária. (Foto: Osmar Veiga)
Memória histórica ameaça desabar e até agora ninguém se mexeu
O Iphan não tem o poder de reformar, interditar ou restaurar esses espaços. Seu papel é de zelar, fiscalizar e acionar os órgãos competentes. (Foto: Osmar Veiga)

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