A menina leitora que não tem nem Whatsapp virou imortal das palavras
Autora do livro Um Defeito de Cor, Ana Maria Gonçalves é a primeira mulher negra eleita para a ABL
Quando criança, Ana Maria Gonçalves foi apresentada ao mundo dos livros pela mãe. A curiosidade plantada na infância não apenas formou a mineira como leitora, mas moldou a escritora que hoje faz história ao ser a primeira mulher negra a ser eleita para a ABL (Academia Brasileira de Letras). A menina que descobriu o poder das palavras em casa agora se torna uma imortal delas.
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“A escritora que eu sou existe por causa da criança leitora que eu fui. Tive a sorte de ser estimulada a ler. Eu venho de uma família muito simples e me lembro de minha mãe varar a noite costurando para poder comprar livros para mim e para meu irmão, porque o vendedor de livros passava uma vez por mês na cidade”, conta a escritora.
Para Ana Maria, a chegada à ABL não é apenas uma conquista pessoal, mas também um marco simbólico para a literatura brasileira, o avanço da presença de pessoas negras em um espaço tradicionalmente branco e masculino.
“Para a criança leitora que eu fui e ainda sou, é algo muito grande, porque ela nem imaginava. Até muito pouco tempo atrás, acho que não era um lugar para a gente. A não eleição de Conceição Evaristo nos levou a pensar nesse sentido. Ou seja, é um local hostil, onde há muitos homens brancos que conversam entre si”, avalia.
Agora, já parte da Academia, ela afirma que a missão é ampliar o espaço. “Acho que a minha entrada é uma tentativa da ABL de se parecer mais com a sociedade que ela representa. Digo que fui a primeira mulher negra, mas a única, jamais. Depois da minha posse, em novembro, farei campanha para que outras escritoras negras estejam lá dentro”, analisa.
Ela cita, inclusive, a eleição dos 25 melhores livros do século feita pelo jornal Folha de S.Paulo. “Dos 25 primeiros, 13 foram escritos por pessoas não brancas. Não é nem mais uma questão de representatividade, mas de qualidade das obras”, destaca.
Com uma carreira marcada pelo impacto pelo livro Um defeito de cor, obra que se tornou referência da literatura contemporânea, inspirou debates e teses acadêmicas, Ana Maria reforça que a imaginação é o que move o mundo.
“É um livro sobre memória, sobre dor e resistência, mas também sobre possibilidades. Acho que o que mais toca as pessoas é essa mistura de realidade e imaginação, porque a imaginação é o que move o mundo”, afirmou.
A dimensão da obra extrapolou a literatura e virou samba-enredo da Portela no Carnaval de 2023. “Foi emocionante ver personagens e histórias que nasceram da minha pesquisa e da minha escrita ganharem vida na avenida. É como se a palavra tivesse encontrado outros corpos para dançar”, afirma.
Curiosamente, a escritora que mobiliza multidões com as palavras vive em ritmo quase analógico.
“Eu não tenho redes sociais e nem WhatsApp. Protejo o meu tempo com com garras, para eu ter tempo de fazer as minhas coisas, me ouvir, ter tempo de estar comigo. Esse tempo que eu estaria nas redes, estou lendo, escrevendo, brincando com as minhas sobrinhas, passeando, eu estou sentado olhando o mar, ouvindo conversa alheia no transporte público”, relata.
Na palestra em Campo Grande, durante a Bienal Pantanal, ela defendeu esse modo de vida como uma forma de resistência. “Estamos vivendo uma época de excesso de estímulos, de pressa, de tudo acontecendo ao mesmo tempo. Mas a literatura pede o contrário, pede tempo, pede silêncio, pede entrega. E eu tento viver de um jeito que me permita isso”, explica.
Bienal Pantanal - O evento, que começou no sábado (4) e segue até 12 de outubro, ocupa os espaços do Centro de Convenções Rubens Gil de Camillo com uma programação gratuita que reúne escritores, pesquisadores, artistas e leitores de todas as idades.
Ao longo de nove dias, serão expostas obras de mais de 50 autores, incluindo convidados de países vizinhos como Paraguai, Argentina e Colômbia, além de nomes de diferentes estados brasileiros.
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