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Comportamento

De pedreira a buracão, os dias de glória e coleção de tragédias no São Francisco

A Pedreira Nasser forneceu material para as obras mais antigas da cidade e já foi uma das mais famosas da região, mas hoje é tomada pelo abandono e pelo lixo.

Kimberly Teodoro | 31/01/2019 09:52
Vista de longe, a pedreira é um cantinho retomado pela natureza, invadido pelo lixo e marcada por tragédias (Foto: Henrique Kawaminami)
Vista de longe, a pedreira é um cantinho retomado pela natureza, invadido pelo lixo e marcada por tragédias (Foto: Henrique Kawaminami)

No coração da cidade, a "Pedreira" dos dias de glória agora é o "buracão" do São Francisco. Teve época que todas as pedras usadas nas construções de Campo Grande saiam de lá, inclusive, para a pavimentação das ruas. Por isso, a história da "Pedreira Nasser" hoje está espalhanda pelos bairros mais antigos.

Agora, o lixo e o abandono tomam conta do lugar, que fechou na década de 1970 e ficou marcado pelas tragédias para as quais foi palco desde então. A maioria das casas ao redor deu lugar aos consultórios médicos ou pequenos comércios. Isso torna difícil encontrar antigos moradores da região, e é preciso andar algumas quadras entre as ruas Amazonas, Pedro Celestino, Pernambuco e Travessa Elias Nasser, batendo nos poucos números da rua que ainda não ganharam uma placa de “vende-se” ou “aluga-se”.

Robinson Febrini, de 61 anos passou a metade da vida na Rua Pernambuco, ele conta não ter visto a pedreira em funcionamento, mas conhece a história através de um tio que foi engenheiro em uma das empresas que exploraram a região. “Daqui foi retirado material para construir a Santa Casa e a maioria das ruas do centro. Exploraram até onde tinha condições, depois fechou por escassez de material, acredito que na época alguém deve ter barrado o avanço da pedreira porque essas casas aqui estão todas sobre rochas. As ruas em volta teriam desaparecido caso eles continuassem”, relembra.

Rua Pedro Celestino, trecho em que a calçada é tomada por manilhas que impedem a circulação de pedestres (Foto: Kimberly Teodoro)
Rua Pedro Celestino, trecho em que a calçada é tomada por manilhas que impedem a circulação de pedestres (Foto: Kimberly Teodoro)
Visto de perto, o paredão da pedreira ainda tem as marcas dos anos de exploração (Foto: Kimberly Teodoro)
Visto de perto, o paredão da pedreira ainda tem as marcas dos anos de exploração (Foto: Kimberly Teodoro)
Pedaços da calçada estão desmoronando ao redor do "buracão do São Francisco" (Foto: Kimberly Teodoro)
Pedaços da calçada estão desmoronando ao redor do "buracão do São Francisco" (Foto: Kimberly Teodoro)

Anos depois do fim das atividades no local, ainda segundo Robinson uma construtora chamada Santa Clara comprou o terreno e fez o lançamento de duas torres que deveriam ser a chegada da modernidade em Campo Grande. Alguns apartamentos foram vendidos na planta, mas o empreendimento não avançou porque na década de 1980, durante uma das primeiras fortes desvalorizações do dinheiro brasileiro, a construtora declarou falência e quem tinha investido no terreno ficou sem o imóvel.

Foram anos de brigas na justiça e impostos acumulados, “Quem tinha comprado era dono, mas não tinha o bem. Aqui ficou fechado e a prefeitura continuou a taxar impostos em cima do terreno, o que foi só aumentando, até chegar em um ponto em que as dívidas passaram o valor do terreno e a prefeitura tomou. Foi aí que a pedreira foi a leilão e por algum motivo, depois disso, mais nada foi para frente aqui”, conta.

Em 30 anos morando no bairro, Robinson viu a movimentação no terreno aumentar e diminuir sem muitas explicações, hoje a esperança de ver uma construção capaz de valorizar o bairro ser implantada ali já não existe. As especulações para o motivo do abandono do terreno em uma das regiões que tinha tudo para ser a mais valorizada de Campo Grande são muitas, as mais cotadas são a fundação de pedra do terreno que encareceria o custo de qualquer obra e a mina d’água descoberta ainda nos tempos da pedreira e canalizada por baixo da terra até o córrego na Avenida Ernesto Geisel.

Reportagem do jornal Folha de São Paulo, de  27 de setembro de 1976, sobre um dos casos que também teve a Pedreira como cenário.
Reportagem do jornal Folha de São Paulo, de 27 de setembro de 1976, sobre um dos casos que também teve a Pedreira como cenário.

O lugar é tão cheio de mato quanto de lembranças trágicas.

"Só no tempo em que estou aqui, cheguei a ver 3 corpos na pedreira, dois deles de meninos que costumavam ficar pela região carregando sacolas de quem fazia compras na feira que tinha aqui perto. Eles passaram aqui em frente em um sábado a tarde, acompanhando uma senhora, eu notei que eles estavam demorando a subir a rua de volta. Na época, tinha uma cachorrinha e sempre dei voltas com ela na quadra, peguei a cachorrinha e fui andar, quando cheguei na esquina tinha um aglomerado de gente, dois dos meninos tinham morrido afogados, um deles um pulou de cima do tubo e ficou atolado no barro, o outro pulou atrás para tentar achar o irmão e morreu também. O outro foi um dia de domingo, acordei cedo e fui passear com a cachorrinha, estava passando ali e eu vi um negócio dentro da água que parecia um saco de cimento, estava longe e não vi direito. Aí o rapaz que morava na esquina me chamou e perguntou se eu tinha visto o cara morto, ele tinha chamado a polícia e em pouco tempo eles chegaram aquilo que eu pensei que era um saco de cimento, era as costas dele. Esses três eu vi o corpo, mas diz que logo que abandonaram a pedreira aconteciam ainda mais coisas”, lembra Robinson.

Cecília Miasato, de 68 anos, mora na região há 43 anos. Também viu o bairro se transformar com a chegada do asfalto, enquanto a cidade crescia em volta do buraco deixado pela pedreira, entre todas as histórias, a mais marcante foi busca pela máquina de escrever que virou prova de crime no assassinato do filho do ex-senador Lúdio Coelho. “Essa máquina ficou conhecida na época porque um dos sequestradores do Ludinho usou para escrever uma carta pedindo o resgate, não sei como chegaram até aqui, mas como era só barro até o fundo, eles reviraram tudo até encontrar a tal máquina”, afirma.

Além desse episódio, Cecília relembra dos acidentes na Rua São Paulo, que acabavam no barranco da pedreira. Ela conta que antes da colocação das manilhas que cercam o terreno, era comum ouvir da casa dela, cerca de 3 quadras do terreno, o barulho dos carros, literalmente indo pelo buraco.

Os moradores até gostam da presença das árvores, que ajudam a aliviar o calor de Campo Grande, mas as reclamações sobre o “buracão” do São Francisco são muitas, principalmente pela falta de limpeza do terreno que é um “ninho de escorpiões, baratas e ratos” que desvaloriza os imóveis em volta. Thiago Pereira, de 31 anos, mora com a família no Residencial Boaventura desde 2003, com filhos pequenos, a principal preocupação é com a segurança dos filhos, que já encontraram escorpiões em casa incontáveis vezes.

“Essa área poderia ser melhor aproveitada em uma parque, ou um food truck, algum lugar para de lazer para a população ou mesmo um shopping. Na situação em que esta é perigoso, não só pelas pessoas que jogam lixo, mas porque a noite aí é uma escuridão só. Eu mesmo já socorri duas moças de um pensionato aqui perto de situações em que estavam sendo seguidas, aqui em frente também tem assalto direto, bem na porta de casa. Sem falar na calçada, que além de desmoronando, está ocupada pelas manilhas fazendo com que as pessoas precisam esperar o ônibus na rua, o que é perigoso”, diz.

O terreno pertence a família Kadri há 10 anos, em nota ao Lado B, Mafuci Kadri diz ter um projeto grandioso para o lugar, ainda sem prazo para sair do papel, que a princípio deveria ser um hospital, que foi construído em outro local. Que tipo de empreendimento? "Isso eu não vou te falar", disse rindo.

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Imagem da área ocupada pela pedreira no São Francisco. (Foto: Gabriel Rodrigues)
Imagem da área ocupada pela pedreira no São Francisco. (Foto: Gabriel Rodrigues)
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