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Comportamento

Donas do próprio corpo, meninas saem sem blusa por um Carnaval menos machista

Paula Maciulevicius | 26/02/2017 08:06
Natália, sem blusa, pela liberdade de ter o corpo tocado por quem ela permitir, se ela permitir. (Foto: André Bittar)
Natália, sem blusa, pela liberdade de ter o corpo tocado por quem ela permitir, se ela permitir. (Foto: André Bittar)

Natália e Kemily tiraram a blusa neste Carnaval para deixar explícito um recado de todas as mulheres: sou dona do meu corpo e isso não te dá o direito de fazer nada. Não é porque elas estavam de peitos à mostra que qualquer um poderia chegar pegando. O bloco de Carnaval que ergueu a bandeira por uma folia sem assédio, Calcinha Molhada, foi palco para essa discussão: "meu corpo, minhas regras" e "não é não".  

Estudante de Biologia, Natalia Pavão tem 22 anos, e usava apenas glitter no bico do seio. "Carnaval está propenso a isso, vim sem blusa e coloquei glitter", se apresentou ao Lado B. No entanto, a mensagem que ela estava passando ia muito além. 

"Estou com calor e eu sou dona do meu próprio corpo", completa. A entrevista foi interrompida por muitos foliões que gritavam 'arrasou' e ainda pediam respeitosamente para fazer uma foto. Mas nem todos os comentários foram no tom de elogio. "Tem muito hétero que grita 'tira a roupa logo de uma vez'. Veio muito cara babaca, eu estou aqui há 40 minutos e desde a hora que cheguei, ouvi isso: 'olha, uma mina está tirando a roupa'", repete.

Kemily, pelo direito de ser drag. (Foto: Thailla Torres)
Kemily, pelo direito de ser drag. (Foto: Thailla Torres)

Natália avalia que mais que coragem, ela teve a segurança de se sentir confortável, mesmo diante dos assédios. "Meu recado é este: mulher pode fazer o que bem entender. Homem pode tirar camisa? Mulher também e todo mundo é livre".

Estudante de Educação Física, Kemily dos Santos Silva, tem 18 anos e há quatro meses é drag queen. A ideia de sair de peitos de fora foi para se posicionar como artista e mostrar que drags estão além das boates.

"Quero mostrar que não é bicho, a gente também é arte. E essa história de ser mulher e fazer arte é mostrar que meu corpo também pode ser exposto, de uma forma tranquila", defende. No mundo drag, Kemily diz que existe repressão e as mulheres não podem se auto-representar. "E todo mundo pode fazer drag, independente do gênero", completa.

Fisicamente, ela não contou nenhum assédio, mas verbal... Foram vários. "Muitas palavras, muitos olhares: 'nossa, deixa eu colocar a boca'. E é aquele negócio, passar e fingir que não ouviu, porque se você escutar e se deixar abater, nunca mais sai e as pessoas precisam ver que meu corpo é assim, que eu também tenho calor e posso andar assim por aí", sustenta. 

Quantos assédios Fernanda sofreu? Bizarro para ela é discutir isso em pleno 2017. (Foto: André Bittar)
Quantos assédios Fernanda sofreu? Bizarro para ela é discutir isso em pleno 2017. (Foto: André Bittar)

Quantos assédios você sofreu? - Foram pelo menos três assédios que a foliona Fernanda Santa Rosa Rodrigues contabilizou até o meio da noite. "Passar a mão na bunda e me segurarem", explica. "E o que eu achei? Ridículo. Eu não sou objeto, eles têm que me respeitar, eu sou ser humano e já passou da hora dos homens entenderem, eu acho bizarro a gente ter esse tipo de discussão nos dias de hoje", desabafa.

Se sentindo envergonhada pelos homens, a única coisa que Fernanda queria na folia era poder usar a roupa que lhe desse vontade sem se preocupar se alguém vai encostar nela ou não. "Quero andar livremente que nem eles andam, sabe?"

Estudante de Direito, Mateus Molina, de 27 anos, protagonizou um episódio e não conseguiu se desculpar por ele. No caminho para o bloco, ele contou que fez uma brincadeira com os amigos dentro do carro e uma jovem que passava na rua acreditou que fosse para ela.

"Eu comecei a falar: 'que bonito hein? Toma aqui uns 50 reais', daquela música famosa, mas como eu falo alto, ela ouviu e achou que era para ela e seria muito ofensivo", relata. Ao chegar no bloco, encontrou de novo a menina e não teve coragem de se desculpar.

"Eu fiquei numa situação complicada, porque se fosse para explicar, não teria como. Ela não acreditaria, porque ela convive o dia inteiro, da vida dela, com isso. Imagina então no Carnaval? Eu imagino que ela pensou assim: 'pô, não posso sair na rua de saia que os homens não se controlam?' E não foi isso", mas eu super entendo, porque é o que acontece", diz.

Achando que a menina não fosse acreditar na história, ele perdeu a oportunidade de se desculpar. "E sabe que quando eu vejo pessoas com quem me formei 10 anos atrás tendo opinião conservadora e falando que o problema é que agora tudo é 'mimimi', eu me pergunto: quem está errado? Quem está reclamando ou a gente que está reclamando de ser reclamado?" questiona o rapaz.

Do lado dos homens, Mateus entende o que as mulheres passam. (Foto: André Bittar)
Do lado dos homens, Mateus entende o que as mulheres passam. (Foto: André Bittar)

Carnaval sem assédio - Uma das criadoras do bloco Calcinha Molhada, Raína de Alencar, de 30 anos, explica que desde o começo, a maior preocupação delas foi essa: um bloco formado por mulheres tinha que propiciar um ambiente seguro para elas.

"A gente sabe que é muito difícil curtir Carnaval e não sofrer nenhum tipo de incômodo por parte dos homens, então a gente trouxe isso em todos os gritos, para as pessoas repensarem este momento", ressalta.

E no próprio evento, no Facebook, teve mulher que questionou como "Calcinha Molhada" poderia pedir um Carnaval sem assédio. "Uma própria mulher fez um julgamento muito machista, como se o nome que se parece com o prazer feminino, já fosse a mulher 'provocando'. E é um pensamento muito machista e vindo de mulher? É muito triste", avalia.

A orientação clara do bloco é: viu alguma coisa, passou por isso? Grita, chama alguém. "Faça escândalo, mas não deixa acontecer. A gente precisa se unir neste momento e se ajudar, porque nenhum homem vai fazer isso pela gente".

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