Famílias também precisam de apoio na luta pela saúde mental
Grupo de apoio ajuda familiares a receber conforto e ajuda para lidar com a rotina de cuidados
Cuidar de alguém com transtornos psiquiátricos pode ser comparado a uma caminhada em um terreno instável, onde cada passo pode trazer uma nova surpresa. Quem vive essa realidade sabe que nem sempre é possível prever crises, compreender mudanças repentinas de humor ou lidar com os desafios, que acabam gerando uma responsabilidade a mais na rotina.
Foi inserida nesse contexto, que a professora Monique Shibuya, de 45 anos, descobriu que precisava de ajuda. Não apenas para a filha, diagnosticada com TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade) e deficiência intelectual – ela também precisava de apoio para si mesma.
Monique já havia enfrentado o suicídio do marido e, anos antes, acompanhou o internamento permanente de um primo com esquizofrenia. Ele começou a ouvir vozes que o mandavam matar e para proteger a família e a si mesmo, foi internado. Desde então, já são mais de 15 anos sem vê-lo. “Ele vive bem na clínica, trabalha no mercado do hospital, mas a gente não pode visitar porque isso desperta os gatilhos nele”, conta.
A história do marido, no entanto, teve um desfecho diferente. Durante anos, ele lutou contra a depressão e o vício em drogas. “Ele ficava seis meses sem usar, já chegou a ficar dois anos. Mas sempre vinha um gatilho, alguma lembrança, e ele recaía”, relembra. “Vendia tudo, e eu ia atrás tentando resolver.” Segundo ela, a oscilação emocional era intensa. “Estava tudo bem e, do nada, ele caía. Nessas quedas, entrava na depressão e queria tirar a própria vida”, relata.
Entre uma crise e outra, a descoberta do diagnóstico da filha foi um dos gatilhos mais difíceis. “Ele não aceitava que a filha fosse diferente. Foi um choque para ele”, conta Monique. Após 18 anos juntos, ela viu o marido perder a luta para a doença. Desde então, a professora lida com o luto, a solidão e a missão de criar os filhos sem o apoio que antes tinha.
A filha, hoje com 9 anos, sente a ausência do pai e verbaliza isso de maneira dolorosa. “Eles eram muito grudados”, conta a mãe, preocupada. Para ajudar no processo, a menina recebe acompanhamento psicológico e está aprendendo a identificar e expressar emoções. “A psicóloga disse que vai trabalhar com ela as emoções, ensiná-la a dizer ‘estou triste por isso’, ‘estou feliz por aquilo’, igual no filme Divertidamente”, pontua.
Para aprender a lidar com a situação, Monique buscou ajuda em um grupo de apoio, onde encontrou outras mães e familiares que enfrentam desafios parecidos. No mesmo espaço, a professora Marley também encontrou acolhimento.
Ela é mãe de uma jovem com borderline e entendeu que para ver a filha bem, também precisaria aprender a se cuidar. “Se você não estiver bem, não tem como ajudar ninguém”, reflete. E ela tem razão.
Em enquete do Campo Grande News, a maioria dos leitores, 78%, disse nunca ter participado de grupos de apoio à familiares de pessoas em tratamento de saúde mental, assim como o que uniu as duas professoras. Apenas 22% relatou ter conhecido e tirado uma boa experiência da participação, que aparece como suporte a quem lisa diariamente com a situação.
Segundo a psiquiatra Silvana Regina Konradt, compreender o diagnóstico, trocar experiências e ter com quem falar, facilita a trajetória que, na maioria das vezes, é por toda a vida.
De acordo com a especialista, a necessidade de tratamento contínuo é uma das maiores barreiras para as famílias. “Os pais têm dificuldade em aceitar que a doença exige acompanhamento constante e que os comportamentos variam”, explica. “O paciente pode ficar bem por um ano e, de repente, desestabilizar, precisando mudar toda a medicação”, explica.
Além disso, muitos transtornos, como esquizofrenia e bipolaridade, trazem comportamentos que podem parecer incompreensíveis. “Os pacientes podem ouvir vozes, acreditar que estão sendo perseguidos ou até ter surtos agressivos. Para a família, é muito difícil lidar com essas oscilações”, acrescenta.
A psiquiatra reforça que um dos maiores desafios para os familiares é conseguir separar a doença da pessoa. “Quando um paciente tem um comportamento agressivo ou impulsivo, não é ele, é a doença falando mais alto. Mas isso é difícil de aceitar”, afirma.
Para Monique, fazer essa separação ainda não é fácil. “A gente sofre muito porque não consegue ver apenas a doença, a gente vê a pessoa que ama ali”, desabafa.
Por isso, ter um grupo de apoio faz toda a diferença. “Se a família está bem, o paciente também está”, afirma Ariane Osshiro, mestranda em psicologia e fundadora do grupo “Vozes que Acolhem”, que presta atendimento gratuito para familiares de pessoas com transtornos psiquiátricos. Ela criou a iniciativa justamente por não ter tido esse suporte quando precisou. “Não queria que ninguém passasse pelo que eu passei”, conta.
Ariane reforça que a troca de experiências é essencial. “As pessoas acham que estão sozinhas na dor, mas quando compartilham, percebem que há outras passando pelo mesmo. Isso dá força para seguir em frente”, pontua.
O grupo de apoio não é apenas um espaço para desabafar, mas também um local de aprendizado. “Quando as famílias aprendem a identificar os primeiros sinais de crise, podemos evitar internações dessas pessoas ”, explica Silvana. “Se a pessoa começa a ouvir vozes ou apresenta mudanças de comportamento, é possível intervir antes de um quadro mais grave”, acrescenta.
A jornada de quem cuida de alguém com transtornos psiquiátricos é cheia de desafios, mas também de amor e resiliência. Monique, Marley e tantas outras pessoas encontram apoio umas nas outras para seguir adiante. No fim, elas aprendem que cuidar do outro começa, primeiro, por cuidar de si mesmas.