Mary foi atropelada pela filha, mas dor maior foi ver o desespero dela
Psicanalista escreveu livro para contar o momento mais dramático da vida das duas; história aconteceu em 2020

A psicanalista Mary Berg, de 59 anos, não imaginava que aquele 11 de setembro de 2020 mudaria toda a vida dela e da filha. No auge da pandemia, ela saiu de Mato Grosso do Sul rumo a Botucatu, no interior de São Paulo, com a meta de ficarem isoladas no meio do mato e ver o filho mais velho. Mal sabia ela que seria atropelada, sem querer, pela filha e que a dor de ter perdido parte da face e quebrado os ossos do lado esquerdo seria pequena perto do desespero da jovem diannte da cena.
RESUMO
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A história ela conta no livro 'Prometo não te deixar sozinha', que será lançado nesta sexta-feira. Ao Lado B, Mary relembra que demorou 4 anos para escrever o material e que ele nasceu no divã da analista dela, durante as sessões. Com tanto para digerir, ela encontrou nas palavras uma forma de falar sobre o assunto e se curar do trauma.
A psicanalista volta no tempo que ela prefere não esquecer para contar como foi aquela manhã em que ela e a filha saíram para pedalar.
“Eu sou uma pessoa do esporte, fazia bike e rapel pela cidade, stand up no Tietê, que lá não é poluído. Eu já conhecia a estrada da Pedra do Índio, um lugar bonito em Pardinho que tem uma estrada muito linda. Peguei a bike e minha filha foi dirigindo meu carro. Quando eu tinha pedalado uns 15 km, nós paramos para tirar umas fotos. A minha filha tirou, entrou no veículo, eu subi na bicicleta e o acidente aconteceu. Ela passou o carro em cima de mim, quebrei o braço esquerdo, tive traumatismo craniano, perdi toda a parte esquerda do rosto”.
Em choque pelo que tinha acabado de acontecer, a filha, na época com 19 anos e recém-habilitada, começou a gritar: “Olha o que eu fiz com você!”, ela falava.
“Eu não entendia o que tinha acontecido, não sabia que estava sem rosto. Ela gritava tanto que só pensava nela. Pensei em esconder o braço quebrado para melhorar a situação. Ela me ajudou a levantar e me sentei no banco do carro; quando abaixei o vidro e vi o retrovisor, eu me olhei e vi o que tinha acontecido. Eu estava sem o nariz, sem olho, estava desfigurada. Aí começa a luta. A gente estava a 30 km da cidade”.
Até hoje Mary não sabe o que aconteceu; ela descreve o momento como um pesadelo no qual achou que iria acordar. “Minha maior dor hoje foi ter visto a minha filha com aquele desespero. Não foi fácil, mas a gente passou por isso juntas”.
Sobre a culpa, a psicanalista explica que a filha precisou passar por atendimento psicológico de urgência e que a própria analista de Mary atendeu a jovem. As duas ficaram três dias no telefone para acalmar os ânimos. Enquanto isso, a mãe passou por 10 horas de cirurgia para reconstruir a face. No total, até hoje, foram 9 procedimentos.
“O título do livro foi a promessa mais difícil que fiz na minha vida. Minha filha, na hora do acidente, falou que se eu desmaiasse ela não iria aguentar viver. Eu disse que não iria e que iria ficar ali até o final. Foi quando falei ‘prometo ficar com você até o final’, e eu cumpri. Não sei como, não foi fácil”.

Segundo a profissional, o acompanhamento psicológico tanto para ela quanto para a filha foi fundamental para que ela conseguisse viver, literalmente estar de pé. Entre os momentos emocionantes da recuperação, Mary relembra o dia em que voltou a enxergar. Com o impacto do acidente, ela achou que tinha perdido um dos olhos. Na verdade, ele ainda estava na face dela, mas a visão só voltou 1 ano e meio depois.
“Meu rosto era como uma folha de papel que abriu. Minha filha foi dirigindo e segurando meu rosto com uma das mãos. A vida não tem controle. Minha filha estava em choque e só pensava em tirar ela de lá. Eu me acalmei de um jeito que não sei o que aconteceu. É algo inexplicável. O livro conta toda essa trajetória, eu dentro do carro sem saber o que fazer, como conseguir ajuda”.
O intuito da viagem foi ver o filho mais velho, que é médico e estava na linha de frente no enfrentamento da covid. Inclusive, ele participou de todo o processo de recuperação da mãe. A filha, porém, esteve mais presente. Foi ela quem cuidou de Mary durante os 3 meses que a família se manteve no estado de São Paulo.
“Minha filha, no começo, ficou muito mal e com muita culpa. Somos feitos de culpa, feitos para nos culpar do que acontece, e a psicanálise vai no sentido de ajudar a gente a se desconstruir e se reconstruir. O maior desespero dela era eu não voltar a ser o que eu era. Ninguém sabia como eu ia ficar. Se ia voltar a ter consciência, um rosto, um olho e trabalhar”.
Foram 4 dias intensos no hospital até receber alta. Mas foram muitos meses até voltar às atividades. Até hoje, depois de 5 anos, ela não voltou a pedalar, mas adianta que esta nos planos.
“Hoje ela está melhor, converso muito com ela sobre culpa, fatalidade, que ela é maravilhosa. Eu me emociono ao falar dela. Ela é muito generosa, alegre, e passamos por isso juntas, falando dessa dor. A gente não esconde das pessoas e fala que foi uma fatalidade. Nunca culparam ela porque nunca deixei. Isso foi um acidente que trouxe muita dor, sofrimento físico pra mim e emocional para nós duas”.
A fatalidade aproximou ainda mais mãe e filha, que, segundo Mary, sempre foram unidas. Era a jovem quem lavava as roupas da mãe, dava banho e cuidava da medicação.
“A gente já era enlaçada. Eu nasci para ser mãe, sou apaixonada pelos meus filhos. Foi muito difícil para ela também. Minha filha é gigante. O acidente não é o principal porque todos os dias tem gente se acidentando, mas é muito além do acidente. O livro é sobre relação de mãe e filhos, psicanálise, minha escuta como uma e como a minha psicanalista me escutou e me ajudou. Eu precisava falar sobre o acidente. Nunca parei de falar porque falar cura, melhora o sofrimento e a angústia.”
O lançamento acontece nesta sexta-feira (5), às 19h no Recanto das Ervas, localizado na Rua 13 de junho, 1592. A entrada e gratuita.
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