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Comportamento

Para existir no balé, Luísa teve que pintar sapatilha e deixar meia-calça

Bailarina deu voz a mulheres negras que enfrentam desafios em uma dança que não foi pensada para elas

Por Natália Olliver | 20/11/2025 07:22
Para existir no balé, Luísa teve que pintar sapatilha e deixar meia-calça
 Luísa Barbieri conta que pinta sapatilhas por não ter nenhuma da cor dela (Foto: Eliel Dias)

Bailarina desde os 12 anos, Luísa Barbieri, hoje com 23 anos, queria mostrar para o mundo a voz de pessoas pretas no universo que ela tanto ama. Para existir no balé, a jovem precisou até pintar as sapatilhas da cor dela e abandonar a meia-calça. O relato não é único.  A jornalista entrevistou mais seis bailarinas pretas que tiveram a mesma necessidade. Os relatos fazem parte do trabalho de conclusão de curso, no qual ela literalmente mostrou como ainda é preciso colorir o balé clássico.

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Luisa Barbieri, bailarina desde os 12 anos, destacou em seu trabalho de conclusão de curso a falta de representatividade negra no balé clássico. Ela e outras seis bailarinas relataram a necessidade de pintar sapatilhas para combinar com seus tons de pele, já que a indústria não oferece opções adequadas. Além disso, Luisa enfrentou desafios por não se encaixar nos padrões corporais europeus, como quadris largos e pernas grossas, comuns em mulheres negras. A professora Graciela Quintana explicou que a sapatilha deve ser uma extensão harmoniosa da perna, o que é difícil para bailarinas não retintas. O documentário de Luisa revelou histórias de pressão estética, incluindo distúrbios alimentares, e a luta por aceitação em um ambiente elitista. Apesar dos avanços, a busca por inclusão e resistência ainda é necessária, como destacou Juliana Sartre, uma das entrevistadas que compartilhou experiências semelhantes.

O assunto é bem mais complexo que simplesmente ter que pintar o calçado porque não existe nenhum da cor certa, é sobre viver da dança e se entender como mulheres negras que ocupam espaços predominantemente brancos. Apesar de existirem sapatilhas marrons, elas são voltadas a pessoas retintas, o que, no caso da Luísa e de muitas outras, não se enquadra.

“Pela primeira vez não sou uma das quatro bailarinas negras na aula. Eu sempre pintei as sapatilhas, mesmo que fosse de rosa. Quando eu era mais nova, pintava as sapatilhas da cor da minha calça rosa, salmão. Depois de adulta, já entendia que eu tinha que me posicionar como uma bailarina negra.” Ela conta que, a partir daí, as amigas negras a ensinaram a pintar o calçado da cor exata dela.

Para existir no balé, Luísa teve que pintar sapatilha e deixar meia-calça
Para existir no balé, Luísa teve que pintar sapatilha e deixar meia-calça
Além dos desafios da profissão, bailarinas negras enfretam pressão dupla por causa do corpo (Foto: Eliel Dias)

Hoje a presença de pessoas negras nos balés é maior que em anos anteriores, mas apesar de muitos acharem óbvio, se entender como negro ainda é complexo, principalmente no Brasil. Pior ainda é quando o outro quer ditar como a pessoa deve se declarar.

“Eu cheguei até elas e falei que a vida inteira pintei a sapatilha na cor de uma menina branca, de rosa e que agora eu queria pintar da minha cor. Elas me ensinaram que tinta usar e qual era a mistura que faziam para chegar ao tom marrom bege da nossa pele. Para mim foi muito importante. Pintar as sapatilhas da minha cor é um ato de resistência mesmo. Mostrar que eu não vou ceder à indústria que só tem tudo rosa, pois não tem problema, eu vou lá e pinto as minhas sapatilhas da minha cor”.

A professora de balé de Luísa, Graciela Quintana, explica que a sapatilha precisa ser uma extensão da perna da bailarina junto com a meia-calça. Tudo precisa ser harmônico. Por isso, bailarinas negras não retintas têm dificuldade em usar a sapatilhas e meia-calça marrom vendida pela indústria, que não abrange todos os tons. Muitas deixam de usar as meias, inclusive.

O corpo também foi um dos desafios sentidos por Luísa ao querer um futuro profissional no meio. Para os padrões europeus do balé clássico, ela era “corpuda”, na tradução do balé significava que tinha quadris largos demais.

Para existir no balé, Luísa teve que pintar sapatilha e deixar meia-calça
Bailarina internacional, Ingrid Silva, é referência para meninas negras no balé (Foto: Vogue)

“Pensava em ser bailarina profissional e fiquei viciada no balé do Bolshoi, a melhor escola de balé clássico do mundo, que só tem duas unidades: uma na Rússia e outra no Brasil. Ficava acompanhando os processos seletivos, mas vi que não seria possível pelo meu corpo, principalmente. Sou uma mulher negra, tenho muita coxa, muita bunda. Isso não é interessante para o balé clássico. Fui desistindo”.

Ainda hoje, quando bailarinas negras encontram sapatilhas da cor exata delas, o preço é duas vezes mais caro.

“Todas as bailarinas pintam a sapatilha, então isso foi um ponto em comum entre todas as entrevistadas, mas o que me surpreendeu mesmo foram histórias diferentes. Ouvi muita história triste, outras que me emocionaram. Me entristeceu e me indignou muito, mas por outro lado fiquei muito contente em poder estar potencializando as vozes dessas mulheres para chamar a atenção sobre aquilo. Muitas nem tinham pensado sobre as perguntas”.

Para existir no balé, Luísa teve que pintar sapatilha e deixar meia-calça
Luísa pintava sapatilha e não usa meia-calça quando não há opções para o tom da pele dela (Foto:)

Durante as entrevistas para o documentário de Luísa, muitas meninas falaram sobre a pressão que as bailarinas sofrem sobre os corpos. Graciela relembra quando teve até que pintar o top de cor clara, a barriga e o rosto quando ia se apresentar. Isso foi há alguns anos.

“Até a barriga ela tinha que pintar para ficar mais clara. A bailarina Thaís também falou muito: ela teve anorexia e bulimia nessa busca por um corpo magro. Acho que as pessoas negras se cobram ainda mais por estarem no padrão".

Segundo ela, o balé clássico é elitista na questão de valor, por ser um curso muito caro. "Acho que isso já afasta, e existem dentro do balé clássico diversas expressões estéticas. Quando você é mulher, já é difícil se encaixar nesse padrão de beleza extremamente magro. Mas, quando se está falando de uma mulher negra, é ainda mais difícil”.

Para existir no balé, Luísa teve que pintar sapatilha e deixar meia-calça
Para existir no balé, Luísa teve que pintar sapatilha e deixar meia-calça
Documentário de Luísa mostrou relatos de bailarinas negras em Campo Grande (Foto: Arquivo pessoal e Eliel Dias)

De todas as bailarinas e professoras com quem Luísa conversou, uma pegou mais forte no coração: Juliana Sartre, pela semelhança no tom de pele e pela história no balé. As duas demoraram para se reconhecer como mulheres negras de pele clara e sofreram por não se encaixar em lugar nenhum.

“As mulheres do meu documentário usam o corpo como resistência mesmo, se apropriam disso e entendem que é um corpo negro dançante, um corpo negro que está ali ocupando um espaço. E sim, eu tenho uma pernona grossa, sim, vou fazer aulas sem meia-calça, já que não existe meia-calça da minha cor. Então eu acho que esse é o processo e o estilo que eu estou tentando colocar agora na minha dança”

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