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Diversão

Na beira do rio, festa é ‘milagre’ com chifres de fogo e santa paraguaia

Festival de Toro Candil precisa ser resgatado todos os anos para não se desfazer mais uma vez

Por Aletheya Alves | 08/12/2024 07:13
Toro Candil com os mascaritas na orla do Rio Paraguai. (Foto: Henrique Kawaminami)
Toro Candil com os mascaritas na orla do Rio Paraguai. (Foto: Henrique Kawaminami)

Na orla do Rio Paraguai, em Porto Murtinho, o povo começa a se reunir depois das 19h. A espera é pelo boi, ou melhor, toro com chifres flamejantes que enfrenta um bando de mascarados, os mascaritas. Depois de queimar alguns, derrubar outros e assustar o público, a fera dá lugar às promeseras (devotas de Nossa Senhora de Caacupé). Anos atrás, tudo isso era comum e fazia parte dos compromissos das famílias, mas hoje é necessária uma longa movimentação para garantir que a narrativa do Toro Candil, das promeseras e dos mascaritas não se perca.

Reverência feita durante a festividade. (Foto: Henrique Kawaminami)
Reverência feita durante a festividade. (Foto: Henrique Kawaminami)
Esmeralda com Nossa Senhora de Caacupé. (Foto: Henrique Kawaminami)
Esmeralda com Nossa Senhora de Caacupé. (Foto: Henrique Kawaminami)
Meninas fantasiadas de mascaritas. (Foto: Henrique Kawaminami)
Meninas fantasiadas de mascaritas. (Foto: Henrique Kawaminami)

Para dar conta de deixar o toro movimentado, três toreros se revezam na fantasia que vem sendo preparada há meses. Feito principalmente com cipós e madeiras, Candil não tem nada de leve e quem o incorpora não pode ficar parado. Isso porque o primeiro momento da festa é composto por ele tentar chifrar os mascaritas.

Depois, com cada um deles esgotados, é a vez das promeseras dançarem. Isso também faz parte da história, já que tudo começou com uma senhora paraguaia que atravessou o rio e, pedindo pela saúde do filho, prometeu à Nossa Senhora de Caacupé que passaria sua vida toda a homenageando.

Graças a ela, existe a festa que reúne um punhado de heranças paraguaias. Hoje, o que existe é a união entre a cultura dos dois lados do rio, mas com um esforço tremendo, como explica a fundadora do festival, Mara Sivlestre. Mas, antes de explicar sobre isso, vamos continuar com a dinâmica da festa.

Chamas sendo 'alimentadas' por mascarita. (Foto: Henrique Kawaminami)
Chamas sendo 'alimentadas' por mascarita. (Foto: Henrique Kawaminami)
Damazia em frente ao Toro Candil. (Foto: Henrique Kawaminami)
Damazia em frente ao Toro Candil. (Foto: Henrique Kawaminami)

Para o fogo se manter aceso, a técnica não pode ficar de lado: durante quase uma semana, tanto os chifres do toro quanto a pelota tatá são encharcados de querosene. As bolas ficam imersas durante todo esse tempo, já os chifres precisam ser molhados todos os dias.

Como estamos falando de chamas duradouras, é necessário ter certos cuidados durante esse preparo. No momento de molhar os chifres, a querosene não pode ir para o restante do toro, uma vez que o torero estará “dentro” da fantasia.

Com o rosto mascarado três horas antes do evento, Adair Barreto Meza, de 22 anos, é um dos três toreros da cidade. Durante a festa, são eles quem dão vida ao Candil e se revezam para conseguir se manter debaixo da fantasia.

Neto de uma promesera, dona Inocência Meza, Adair tem disposição sobrando para contar sobre sua função no festival. Isso porque começou a se envolver quando tinha 12 anos de idade.

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Na minha casa sempre teve muita imagem católica e uma semana antes do dia de Nossa Senhora de Caacupé, minha avó já começava a decorar com bandeirinhas e monta o azul as cores branco, azul e vermelho. Me acordava cedo para rezar junto com ela e assim ia”, explica Adair.

Depois de ver outras crianças brincando na festa de rua, Adair começou a pedir para também participar e, com muita insistência, viu o desejo virar realidade. Desde então, não parou mais de integrar os rituais.

Já tendo sido mascarita, o neto “evoluiu” nas funções e se tornou um dos toreros. “Eu lembro de pensar que um dia ia estar à frente e hoje eu ajudo dona Mara, estou sempre aqui com ela. E mesmo depois da minha avó ter falecido, eu prometi que ia continuar fazendo a festa até quando eu conseguisse”.

Confira a galeria de imagens:

  • (Foto: Henrique Kawaminami)
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Tradição resgatada

“No Festival Toro Candil, a música ou qualquer outra coisa não é o mais importante. O ator cultural, artístico e social são as promeseras, o toro candil e pelota tatá. É isso o que importa, no final”, resume a produtora cultural e criadora do Festival de Rua Toro Candil, Mara Silvestre.

Toro Candil antes de ser finalizado durante a preparação da festa. (Foto: Henrique Kawaminami)
Toro Candil antes de ser finalizado durante a preparação da festa. (Foto: Henrique Kawaminami)
Capelinhas são comercializadas durante a festa. (Foto: Henrique Kawaminami)
Capelinhas são comercializadas durante a festa. (Foto: Henrique Kawaminami)
Pelota tatá precisa ser "banhada" com querosene durante quase uma semana. (Foto: Henrique Kawaminami)
Pelota tatá precisa ser "banhada" com querosene durante quase uma semana. (Foto: Henrique Kawaminami)

Enquanto coordena parte dos voluntários que fazem a festa acontecer, Mara também não para. As explicações e histórias vão sendo contadas entre sorrisos e suspiros de quem precisa resistir e correr atrás de tudo para não ver a tradição se desmanchar mais uma vez.

Isso porque, apesar de tudo ter começado, segundo o que é contado, com uma paraguaia que atravessou o rio e pediu intercessão à Nossa Senhora de Caacupé, a história foi se desfazendo. Mara explica que é filha de paraguaios e seus irmãos viveram o Toro Candil em uma outra fase, aquela que é lembrada pelas promeseras (devotas da santa paraguaia) como a verdadeira versão.

Como toda a festa era feita pelo povo em comunidade, os recursos eram mínimos. Cipós se tornavam a estrutura do toro, seu revestimento era feito com juta (uma fibra têxtil vegetal) e algum combustível garantia que os chifres pegassem fogo. Para a pelota tatá, a lógica era a mesma: jura, arame e combustível.

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A gente viu isso diminuindo. As promeseras continuavam em suas casas, mas meio escondidas, os mascaritas foram sumindo e, na época em que idealizei o festival, a gente tinha só um torero em Porto Murtinho”, explica a produtora Mara Silvestre.

Apoiada pela mãe e pelas irmãs, Mara decidiu que traria de volta a festa para a rua em 2015 e submeteu o projeto ao governo federal. Sem conseguir o recurso, o jeito foi buscar apoio privado para não ser impedida e, assim, a tradição começou a ser remontada.

Desde então, quatro edições foram realizadas (incluindo a de 2024). Tanto aqueles que viveram o Toro Candil em outras épocas quanto os filhos e netos que só ouviam as histórias vêm se envolvendo. E esse é o objetivo principal.

Jane Clara Arguello Martins Dias, neste ano, foi responsável pela personalização dos toros. (Foto: Henrique Kawaminami)
Jane Clara Arguello Martins Dias, neste ano, foi responsável pela personalização dos toros. (Foto: Henrique Kawaminami)

Irmã de Mara e empresária, Mirian dos Santos já foi prefeita de Porto Murtinho e carrega no peito o amor pela tradição brasileira-paraguaia.

A beleza do festival é que ele seja feito pelas pessoas. Quando uma mulher paraguaia veio para o lado brasileiro e fez a promessa, a tradição começou. Além de Nossa Senhora de Caacupé, veio em conjunto o Toro Candil e a pelota tatá. Tudo isso, sendo feito em família e repassado de geração em geração”, diz Mirian.

Com essa base coletiva em mente, oficinas também integram o festival de Porto Murtinho para que o modo de fazer cada detalhe da decoração e os personagens não sejam esquecidos.

Outra estratégia colocada em prática neste ano foi a produção de bonecas das promeseras e capelinhas de Nossa Senhora de Caacupé. O intuito é que esses itens se vinculem à festa e se tornem um produto cultural comercializado.

Segundo Mara, qualquer pessoa pode integrar as equipes que produzem o festival. E, vendo os voluntários, a força de vontade é principal, já que a maioria realmente não sabe das técnicas.

John, um dos voluntários, durante a produção de decoração para a festa. (Foto: Henrique Kawaminami)
John, um dos voluntários, durante a produção de decoração para a festa. (Foto: Henrique Kawaminami)

Outro ponto importante é que as promeseras, origem da narrativa, foram reconhecidas pelo poder público municipal. Através da Lei Paulo Gustavo, receberam uma premiação como forma de incentivo.

"Neste ano recebemos emenda parlamentar do Zeca do PT, que nos ajudou para gerar os produtos da feira criativa. É muito importante", explica Mara.

Participação do poder público

Conforme explicado pelo secretário de Cultura, Turismo e Desenvolvimento Local, Paulo Francisco Carvalho, toda a movimentação é um ponto muito forte da identidade murtinhense.

Ver o festival acontecendo faz com que, diante de toda essa revolução tecnológica que nós temos, sentimos tudo isso muito vivo nas nossas tradições. Considerando o momento atual em que vivemos, já que vislumbramos o desenvolvimento com a Rota Bioceânica, não queremos perder a nossa essência”, pontua o secretário Paulo Francisco Carvalho.

Nas palavras do secretário, a festividade como um todo, incluindo as pessoas que guardam os conhecimentos, são uma preocupação do município e da atual administração. “A prefeitura e o nosso prefeito, Nelson Cintra, está atenta para que a gente siga e faça com que a tradição seja passada de geração em geração. É algo forte, importante”.

Durante a festa, o prefeito reforçou o destaque que o festival e a organização precisam receber. Além disso, comentou sobre como o município está em uma fase de saída do esquecimento.

“Nós temos 112 anos e vivíamos como uma cidade esquecida no sudeste. Nossa Senhora de Caacupé e o Toro Candil são uma história que vem de mais de 200 anos aqui na fronteira. Então, para o turismo de Porto Murtinho também é muito importante, ainda mais com nossa cidade sendo o portal da Rota Bioceânica”, completa o prefeito.

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