ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram Campo Grande News no TikTok Campo Grande News no Youtube
JULHO, SEGUNDA  28    CAMPO GRANDE 17º

Meio Ambiente

Poluição contamina rios do Pantanal e já reflete na saúde da população

Sem saneamento, ribeirinhos recorrem à água contaminada e relatam diarreia e infecções

Por Inara Silva | 28/07/2025 08:56
Poluição contamina rios do Pantanal e já reflete na saúde da população
Testadora coleta água do rio para fazer análise (Foto: SOS Pantanal)

A qualidade da água na BAP (Bacia do Alto Paraguai) tem se deteriorado de forma preocupante e afetado diretamente comunidades ribeirinhas da região do Pantanal. Relatório do projeto “Águas que Falam” revela a presença de poluentes como nitrato e fosfato em níveis elevados, além de baixa oxigenação e alta turbidez nos rios.

RESUMO

Nossa ferramenta de IA resume a notícia para você!

A qualidade da água na Bacia do Alto Paraguai (BAP), região do Pantanal, apresenta alterações preocupantes que já afetam a saúde das comunidades ribeirinhas. Segundo relatório do Projeto "Águas que Falam", foram detectados problemas de turbidez, baixa concentração de oxigênio e níveis elevados de nitrato e fosfato, tornando a água imprópria para consumo. Os moradores relatam odor, espumas e sedimentos nos rios, além de problemas de saúde como diarreias, doenças de pele e gastrointestinais. O projeto monitora 14 comunidades vulneráveis em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, onde a falta de saneamento básico agrava a situação. Uma central de potabilização foi instalada na Aldeia Mãe Terra, beneficiando 400 pessoas, enquanto outras localidades ainda aguardam soluções.

Os efeitos já são sentidos no cotidiano e os moradores relatam cheiro forte, espuma, sedimentos e o surgimento de doenças como diarreia, problemas de pele, pedras nos rins e distúrbios gastrointestinais.

Segundo a bióloga Daniella França, coordenadora de Programas de Conservação da SOS Pantanal, a correlação entre a contaminação da água e a saúde da população se baseia em evidências empíricas. “Até os testadores desenvolveram problemas de pele durante as coletas”, afirma.

Análises 

Em parceria com os ribeirinhos, os pesquisadores atuam em 14 comunidades, sendo sete em Mato Grosso e sete em Mato Grosso do Sul. O trabalho é desenvolvido em duas frentes: o monitoramento da qualidade da água e a educação ambiental. Na ausência dos pesquisadores, os próprios ribeirinhos fazem a coleta mensal e enviam o material para a análise.

“Todas são comunidades em vulnerabilidade socioambiental”, alerta França, que também é coordenadora de Educação para a Conservação do projeto Chalana da Esperança. Segundo ela, a Chalana foi o primeiro contato com muitas dessas localidades, o que facilitou a aproximação e a adesão de voluntários para efetivar o “Águas que Falam”.

Poluição contamina rios do Pantanal e já reflete na saúde da população
Arte: Thainara Fontoura

Desequilíbrio

Conforme a coordenadora do Programa, o excesso de nitrato está relacionado ao uso de fertilizantes nas lavouras, detergentes e dejetos humanos. Já o fosfato se refere aos dejetos humanos e fertilizantes. A região pesquisada não dispõe de qualquer saneamento básico, com tratamento de água e esgoto.

Sem a infraestrutura, muitos ribeirinhos acabam usando a água do rio para beber, como é o caso do Povoado Salobra, em Miranda, onde vivem 200 pessoas e o curso d’água tem odor e espuma. Alguns recorrem a poços artesianos ou compram água mineral. Os que não têm alternativa consomem diretamente do rio.

Ainda em Miranda, a Terra Indígena Cachoeirinha (Aldeia Mãe Terra) é outro ponto de atenção. As 68 famílias utilizam água de caminhão pipa e poço artesiano. Eles costumam ferver a água para o consumo, pois o rio da localidade apresenta sedimentos e coloração amarela. Por consequência, as principais queixas de saúde são diarreia, doenças de pele, doenças gastrointestinais, anemia e pedra na vesícula.

Na comunidade quilombola Águas de Miranda, em Corumbá, os moradores relatam odor, sedimentos e espuma na água, fato que prejudica a principal atividade econômica, baseada na pesca e no turismo. Quanto à saúde, eles relatam diarreia, pedras no rim e vesícula.

No Passo do Lontra, que vive basicamente do turismo, o esgotamento sanitário é composto de fossa séptica, fossa rudimentar e esgoto a céu aberto. As famílias reclamam que o rio tem odor, sedimentos, sal e cor alterada. Os moradores apresentam sintomas como diarreia, lesões na pele e distúrbios estomacais.

Poluição contamina rios do Pantanal e já reflete na saúde da população
Pesquisadores reúnem-se com a comunidade pantaneira (Foto: SOS Pantanal)

Monitoramento da água 

De acordo com o documento, embora a maioria dos parâmetros avaliados esteja dentro dos padrões considerados aceitáveis para a saúde ambiental, há desvios significativos relacionados ao oxigênio, nitrato e fosfato presentes na água.

A concentração de oxigênio dissolvido, por exemplo, que é vital para a vida aquática, apresentou redução acentuada no período chuvoso, a partir de outubro de 2024,  caindo abaixo do padrão mínimo estabelecido pela Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), 5 mg/L. Essa queda pode ser resultado da turbidez causada pelo escoamento superficial e da intensificação dos processos de decomposição, comuns na estação chuvosa, afetados também pelo desmatamento e assoreamento dos rios.

Outro ponto são os níveis elevados de nitrato, frequentemente acima do limite de 10 mg/L do Conama, com concentrações que ultrapassam 40 mg/L em alguns meses. O índice sugere forte influência de fontes de poluição, como o uso intensivo de fertilizantes nitrogenados e o escoamento de resíduos orgânicos.

As concentrações de fosfato ultrapassam o nível seguro, pois mantém-se acima do limite de 0,15 mg/L, com registros variando entre 1 e 7 mg/L. O levantamento mostra que o período chuvoso coincide com um aumento do elemento, o que indica grande volume de esgoto doméstico lançado sem tratamento nos rios e fertilizantes fosfatados.

Esses níveis elevados representam risco ao meio ambiente, pois favorecem a eutrofização, como proliferação de algas e plantas aquáticas, que reduzem a passagem da luz e afetam a biodiversidade.

Poluição contamina rios do Pantanal e já reflete na saúde da população
Vista área de uma das 14 comunidades atendidas pelo projeto (Foto: SOS Pantanal)

Soluções

Um exemplo claro da vulnerabilidade hídrica enfrentada pelas comunidades é a Aldeia Mãe Terra, na Terra Indígena Cachoeirinha. O local sofre com a escassez hídrica e a falta de saneamento básico. Por isso, o projeto priorizou a instalação de uma central de potabilização, em março de 2025, beneficiando 400 pessoas com acesso à água potável. Contudo, a Comunidade de Passo do Lontra, em Corumbá, ainda aguarda uma solução.

Após o levantamento que traça o panorama da água na BAP, está previsto para o dia 23 de agosto uma reunião on-line com todas as populações envolvidas a fim de ouvi-las e orientá-las. As sugestões que surgirem no encontro devem fazer parte de uma cartilha que vai apontar possíveis soluções para cada caso identificado.

Poluição contamina rios do Pantanal e já reflete na saúde da população
Pesquisadores fazem coleta de material (Foto: SOS Pantanal)

Sobre o projeto

Daniella França ressalta que o monitoramento da qualidade da água é uma ferramenta fundamental para orientar decisões, proteger os rios e garantir a conservação do bioma e o bem-estar das comunidades. Por isso, a iniciativa tem como ponto principal o engajamento comunitário para ajudar a identificar os problemas e implantar medidas que garantam o acesso à água potável e a preservação dos rios.

O projeto “Águas que Falam” é uma ação do Instituto SOS Pantanal, em parceria com a Chalana Esperança e a Fundação SOS Mata Atlântica, e atua na BAP para monitorar a qualidade da água em comunidades vulneráveis, desenvolver soluções de acesso à água potável, engajar a população na governança hídrica e promover a educação ambiental para valorizar e conservar o bioma pantaneiro e as paisagens ao redor.