Projeto que flexibiliza regras ambientais para o Agro avança no Senado
Cientista Carlos Nobre alerta para riscos da Lei Geral a todos os biomas e temor é judicialização

Projeto que flexibiliza licenciamento ambiental é aprovado em comissões do Senado e vai a plenário. A proposta aprovada permite, entre outros pontos, a dispensa de licenciamento para atividades agropecuárias, como o cultivo de espécies agrícolas, a pecuária extensiva, a pecuária de pequeno porte e pesquisas sem risco biológico.
RESUMO
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O Projeto de Lei 2.159/2021, que flexibiliza regras do licenciamento ambiental, foi aprovado nas Comissões de Meio Ambiente e de Agricultura do Senado. A proposta dispensa licenciamento para atividades agropecuárias e introduz um sistema autodeclaratório para casos de baixo impacto ambiental. O cientista Carlos Nobre alerta para os riscos da proposta, especialmente para o Cerrado e a Amazônia. Críticos, incluindo o Observatório do Clima, consideram o projeto prejudicial ao meio ambiente, enquanto defensores, como a senadora Tereza Cristina, argumentam que ele proporcionará segurança jurídica sem representar retrocessos ambientais.
O cientista Carlos Nobre, um dos primeiros a alertar, ainda na década de 1990, sobre os riscos do desmatamento e do aquecimento global para a floresta Amazônica, chama atenção para os impactos negativos do Projeto de Lei 2.159/2021, que institui a chamada Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Segundo ele, a proposta pode impor sérios prejuízos aos biomas brasileiros, especialmente ao Cerrado.
Sob relatoria compartilhada da senadora sul-mato-grossense Tereza Cristina (PP) e do senador Confúcio Moura (MDB/RO), o projeto foi aprovado na manhã desta terça-feira (20) pela CMA (Comissão de Meio Ambiente do Senado). E na segunda etapa do dia, foi aprovado na CRA (Comissão de Agricultura e Reforma Agrária) de forma simbólica.
O texto visa estabelecer um marco nacional para o licenciamento ambiental e traz dispositivos que alteram a atual LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), em vigor desde 2000. Para reduzir o número de destaques durante a análise em plenário, os relatores decidiram apresentar um texto comum nas duas comissões. O projeto recebeu mais de 100 emendas e tramita há mais de duas décadas no Congresso Nacional.
A proposta aprovada permite, entre outros pontos, a dispensa de licenciamento para atividades agropecuárias, como o cultivo de espécies agrícolas, a pecuária extensiva, a pecuária de pequeno porte e pesquisas sem risco biológico. Também introduz a LAC (Licença por Adesão e Compromisso), um instrumento autodeclaratório que poderá ser aplicado em casos de baixo impacto ambiental, como dragagens de manutenção e ampliação de estruturas existentes. A fiscalização, nesses casos, será feita por amostragem.
De acordo com os relatores, o objetivo é equilibrar a proteção ambiental com o desenvolvimento econômico, desburocratizando procedimentos para empreendimentos de menor impacto.
O climatologista Carlos Nobre recomenda que o Senado rejeite a proposta e o governo, se for o caso, vete. “Para ser otimista, acho que seria muito bom que o Senado não aprovasse, porque esses erros vêm de longe. O que a Câmara aprovou é uma política que permitirá ao agronegócio tradicional a contínua expansão da agropecuária em todos os nossos biomas. Isso é muito preocupante”, afirmou.
Segundo o cientista, alguns pontos do projeto flexibilizam as regras a tal ponto que praticamente eliminam a necessidade de aprovação para expansão agrícola e pecuária. Ele critica especialmente o fato de o texto exigir apenas declarações autodeclaratórias de agricultores ou pecuaristas. O texto aprovado também prevê que normas, prazos e condições para renovação de licenças ambientais poderão ser definidas com base em formulários online preenchidos pelo próprio empreendedor.
Para Nobre, esse modelo é incompatível com a gravidade da crise climática atual. Ele destaca que os biomas da Amazônia, do Cerrado e da Caatinga estão próximos do chamado "ponto de não retorno" – limite além do qual não é mais possível restaurar as condições ecológicas anteriores.
“Nós temos que zerar os desmatamentos de todos esses biomas. Zerar. Não é só acabar com o desmatamento ilegal, é acabar com todos os desmatamentos e promover grandes restaurações florestais”, defende.
Agricultura regenerativa como alternativa - Em vez de aprovar o PL 2.159/2021, Nobre argumenta que o Congresso deveria priorizar medidas para estimular a transição da agricultura e da pecuária para modelos regenerativos – práticas que promovem a restauração dos ecossistemas, a melhoria da saúde do solo e o aumento da produtividade.
No caso do Cerrado, um levantamento recente do Boston Consulting Group (BCG) aponta um crescimento de 71% na conversão de áreas do bioma para uso agrícola entre 2019 e 2023, reforçando a necessidade de adoção de práticas regenerativas. Conduzido com apoio do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), do World Business Council for Sustainable Development (WBCSD) e do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), o estudo revela que 32,3 milhões de hectares do bioma Cerrado têm potencial para agricultura regenerativa – 23,7 milhões para recuperação de pastagens degradadas e 8,6 milhões para intensificação sustentável.
A aplicação plena do modelo exigiria investimentos da ordem de US$ 55 bilhões (cerca de R$ 308,4 bilhões), tornando o Cerrado o maior polo de agricultura regenerativa do país, conforme os autores do estudo.
Judicialização à vista - No entendimento do cientista, o texto em tramitação abre margem para judicialização. “O Senado ainda vai votar, mas, se o projeto for aprovado como está, tenho certeza de que o governo federal terá de vetar. E, eventualmente, isso vai parar no Supremo Tribunal Federal (STF). Porque é muito grave continuar promovendo a expansão do agronegócio da forma como vem sendo feita, às custas do desmatamento dos nossos biomas”, alerta Nobre.
A senadora Tereza Cristina, por outro lado, argumenta que a proposta "proporcionará segurança jurídica tanto para empreendedores quanto para os órgãos de controle ambiental", e afirma que o texto não representa retrocesso, pois não revoga punições previstas para crimes ambientais.
Apesar da aprovação na CMA, parlamentares da base governista também criticam o projeto. A senadora Eliziane Gama (PSD-MA) classificou o texto como inconstitucional e alertou para o risco de judicialização, comparando seus efeitos às tragédias como a de Brumadinho. “Não podemos permitir brechas para que novas tragédias aconteçam”, afirmou.
Em nota, o Observatório do Clima declarou que o projeto é uma das propostas mais prejudiciais ao meio ambiente em tramitação no Congresso, possivelmente a mais danosa. Segundo a entidade, o texto aprovado na Câmara foi apelidado de “mãe de todas as boiadas”, por desmontar as regras de licenciamento para diversos tipos de empreendimentos em todo o país. A proposta relatada no Senado, diz o Observatório, falha ao não corrigir os retrocessos e ainda agrava o problema ao priorizar isenções e autolic enciamentos.
“Ao priorizar de forma irresponsável a isenção de licenças e o autolicenciamento, a proposta tem potencial de agravar a degradação ambiental, representando grave ameaça a direitos humanos fundamentais”, conclui a entidade.