A cegueira que me ensinou a amar!
Quando me contaram que a Julieta era cega, confesso: travei. "E agora?", pensei. Nunca tinha cuidado de uma cachorra com deficiência visual. A cabeça virou um turbilhão de dúvidas: como adaptar a casa? E os outros cães? Como seria o dia a dia? Eu só via obstáculos. Só enxergava o que faltava.
Mas foi ela quem me ensinou que há luz além dos olhos.
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Julieta chegou como quem não precisa ver para reconhecer o mundo. Ela farejava a vida como se cada cheiro fosse uma história. Ouvia passos e, com o rabo abanando, corria na direção do afeto. Seus outros sentidos eram seu guia, e a isso ela se entregava plenamente.
Viver, para a Julieta, não era uma questão de enxergar. Era uma questão de confiar. De se lançar no desconhecido com o coração guiando cada passo. E era isso que ela fazia: tropeçava, batia em móveis, dava a volta e seguia em frente, sempre com aquele jeitinho corajoso que só quem não se vitimiza tem.
Ela não reclamava da escuridão. Simplesmente amava — com o corpo inteiro, com a alma inteira, com uma intensidade que iluminava tudo ao redor.
Às vezes eu me pegava observando — e tentando entender — como era possível tanto amor em um ser que nunca viu o próprio reflexo. Mas talvez esse seja o segredo: ela não via aparência. Não julgava. Não cobrava. Amava. E só.
Dizem por aí que o amor é cego. Pois eu digo: ele é. E, no caso da Julieta, foi também a coisa mais pura e verdadeira que já experimentei.
Se você percebeu que escrevi tudo isso no passado, é porque Julieta já não está mais aqui. A despedida, no entanto, é uma história para outro momento. Hoje, só queria contar que tive o privilégio de viver um amor cego. Um amor que não dependia de olhos, mas de presença. De entrega. De confiança.
Sim, o amor é cego. E talvez seja justamente por isso que ele enxerga o que realmente importa.
(*) Jéssica Lima, artista visual e professora de pintura em tela e mural
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