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"Macho sacana": quem ele é e por que você deveria ficar bem longe dele

Por Renan Cola (*) | 04/07/2025 07:30

Era uma sexta-feira como qualquer outra. Às 18 horas em ponto, coloquei a minha roupa de treino, dessas que a gente compra em loja de departamento mesmo e não tem nenhuma vergonha disso, calcei o meu tênis de uma marca mundialmente conhecida pelos seus três traços brancos paralelos e fui em direção ao vôlei de praia, esporte que pratico desde que era criança.

Lá, o cenário já estava montado. Naquela semana, o treinador havia deixado agendada uma confraternização como quem não quer nada para que os alunos pudessem interagir antes de pôr a bola em jogo. Estavam presentes no abatedouro: eu, ele e algumas mulheres. Lembro-me de ter me perguntado: "ué, por que será que sou o único homem deste nada discreto evento?".

Com frio na barriga, mãos trêmulas e uma sensação de ser presa fácil, para também não dizer um perfeito idiota, a partida iniciou. Saque por cima para lá, defesa de peixinho para cá e talento Virna Dias, ex-jogadora da modalidade, que foi bronze na Olimpíada de Sydney (2000), e que me inspiro sempre que estou dentro de quadra, eis que o ritual do macho sacana resolveu começar.

Em vez de dar treino, ele passou a se exibir: "por que usar toque, se eu posso dar uma goleada de cabeça?", "por que ficar de camisa, se eu posso exibir o meu abdome?", "por que deixar o aluno jogando em turma, se eu posso convidá-lo para treinar apenas comigo?", "por que deixá-lo falando ao celular, se eu posso alertá-lo que dialogar com os outros não é aquilo que quero?".

O resultado não poderia ser outro. Com tantos assédios sexuais direcionados à minha psique de forma violenta, havia chegado a hora de um jornada nas estrelas. Uma grande queimação no peito me atingiu como se o meu corpo tivesse sido golpeado por um saque viagem, desses que só Darlan, oposto da seleção masculina de vôlei consegue executar, com alarmantes 130 km/h.

Seria este homem o MVP da competição? Longe disso. Para Wilfred Bion, psicanalista britânico nascido em 1897 e especialista em relações objetais, o macho sacana é bem pior do que isto. De acordo com a sua teoria, quando um homem tenta apaixonar uma pessoa indiscriminadamente, um processo psicopatológico entra em cana, criando o que se chama ataque de elementos β.

Estes componentes são restos psicológicos. Uma vez que a mente deste indivíduo não deu conta de estabelecer uma relação afetiva satisfatória com a sua mãe quando estes ainda eram uma só unidade, toda vez que um afeto similar aparece no meio de uma partida, ele evacua urina, fezes ou, ainda, flagelos uterinos do feminino destruído com o objetivo de trazê-lo de volta para si.

Em outras palavras, é como se o inconsciente do abusador dissesse: "eu não consegui o que eu queria lá atrás, que era ficar fundido com a minha genitora para sempre, logo, vou usar todo o meu charme para trazer este estado fusional de volta". Assim, o arrebatador utiliza-se da parte psicológica correspondente ao estado simbiótico quebrado para lançá-la na vítima da vez.

No meu caso, e como no de muitas outras pessoas que são atingidas por este tipo sádico de sedução, ocorre o que se chama efeito bumerangue. O garanhão apaixonante e alucinante escolhe um alvo frágil, por que é mais fácil para exercer coerção psíquica, e passa a abordá-la da forma mais agressiva possível, uma vez que, ao agredi-la, a mãe simbiótica morta vai e volta.

Primeiro, o cortejo imoderado penetra o campo da psique sem pedir licença trazendo os objetos fusionais. Depois, devido à força com que são impelidos para dentro do outro, eles arrastam de volta para o emitente todo o conteúdo do arcabouço cerebral do sofredor do abuso, fazendo com que, juntos, passem a se fundir, restaurando o símbolo feminino que o abusador não tem.

E diante de tamanha confusão, o que fazer, coração? Em se tratando de uma mescla psicológica, o passo primordial é identificar que a queimação no peito não é paixão de verdade. E, sim, um sintoma resultante da projeção de elementos β. São eles que, por carregar doses altas de libido, fazem com que o hospedeiro da sua patifaria erótica se contorça de excitação psicossomática.

Tendo isto em mente, está na hora de fazer uso da prova da realidade para quebrar o feitiço. Se você foi assediado no local de trabalho, em uma empresa prestadora de serviço ou, até mesmo, no seu grupo social, denuncie o ocorrido às autoridades. Nada melhor para dissolver uma simbiose do que forçá-la a ser findada pela lei. Afinal, o macho sacana também pode ir em cana.

(*) Renan Cola, psicanalista

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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