Frutos filosóficos no celeiro de farturas
A piada de que em Mato Grosso do Sul há mais cabeças de gado que gente tem comprovado sua seriedade por meio dos últimos números do PIB de 2025 que mostram o estado como protagonista no desenvolvimento econômico brasileiro. A produção de proteína animal aliada às safras de soja e milho, bem como à expansão da celulose expressam a concretização do vaticínio legado pelo Hino do estado: “a pujança e a grandeza/ de fertilidades mil,/ são o orgulho e a certeza/ do futuro do Brasil”.
Sim, Mato Grosso do Sul vem garantindo ao país o crescimento da economia por meio da vastidão monotemática de suas monoculturas: é um estado essencialmente agro que, paradoxalmente, tem como fruta catalizadora de sua identidade, a guavira. Nada mais economicamente contraditório: fruto que não é exportado e não é conhecido nacionalmente, mas está sendo curtido na cachaça de muitos lares sul-mato-grossenses.
Aliás, o olhar mais atento para o MS demonstra que o agronegócio é somente uma das forças dessa “gente audaz”, da qual fazem parte populações indígenas, ribeirinhas e fronteiriças que nos alertam constantemente para as consequências problemáticas inerentes ao progresso monótono da única cultura. E assim, graças a seu povo, o baru e a bocaiuva resistem como símbolos identitários da atual locomotiva brasileira das commodities. No ano em que completa 48 anos de criação, é hora de pensarmos se queremos ser reconhecidos, exclusivamente, como cidadãos do “celeiro de farturas”.
O fato é que, a despeito de nosso desejo, ciência, tecnologia e inovação já constituem a realidade sul-mato-grossense. Muitos são os projetos desenvolvidos que têm permitido avançarmos para além da matriz agrária.
Nesse sentido, a implementação do primeiro Mestrado Acadêmico de Filosofia em nosso estado, na UFMS, de Campo Grande, a partir do segundo semestre de 2025, deve ser celebrada como mais uma conquista do estado, cujo solo filosófico tem sido cultivado desde a década de 80, com a criação do primeiro curso de Filosofia, na UCDB. Em 2010, a UFMS inicia as atividades da primeira e, até hoje, única Licenciatura em Filosofia pública e gratuita, disponibilizando, portanto, formação laica para os futuros professores da educação básica.
Com a aprovação da Lei 11604, de 2008, que torna obrigatória as disciplinas de filosofia e sociologia nos currículos escolares do ensino médio, delineia-se um novo mercado de trabalho e, a partir daí, uma nova leva de filósofos sul-mato-grossenses é formada. Graças a esses professores que se encontram em sala de aula e almejam lapidar suas práticas por meio da pesquisa filosófica rigorosa, é que o Mestrado Profissional em Filosofia, da UFMS, cujo início remete a 2017, tornou-se farto celeiro de dissertações que articulam sólida investigação teórica a materiais pedagógicos inovadores, que compreendem as dicotomias e potencialidades de nossa região.
Desse modo, MS é um estado cuja tradição filosófica nos auxilia a compreender a história e as raízes dos problemas que nos cercam. Essa tradição – que muitos desconhecem – culmina nos Mestrados stricto-sensu em Filosofia (profissional e, agora, acadêmico), assim como explica o sucesso da II Olimpíada Nacional de Filosofia realizada no último dia 06 de junho, na UFMS. No estado do agro, alunos de ensino médio competem na escrita de um ensaio filosófico. No estado do agro, a formação filosófica de alto nível é possível porque, definitivamente, não nos resumimos ao agro: somos potência científica. E este é só o começo!
(*) Cristina de Souza Agostini, professora de filosofia na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.