Na cidade feita para carros, pedestre não tem tempo, respeito ou segurança
Andar a pé é para os fortes diante de entraves como apenas 10 segundos para atravessar uma rua no Centro
Desde os mais jovens a caminho da escola até os mais velhos indo ao trabalho, todos têm os mesmos 10 segundos para atravessar o cruzamento entre a Avenida Afonso Pena e a Rua 14 de Julho. O tempo ainda é o mesmo para cadeirantes ou para grupos de pedestres em horário de pico, como ao meio-dia.
RESUMO
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Pedestres de Campo Grande relatam dificuldades e insegurança ao transitar pela cidade. Tempo curto para atravessar faixas, calçadas intransitáveis com mato, entulho e lixo, além da falta de respeito dos motoristas, são problemas frequentes em diversas regiões, como Jardim Anache, Nova Lima e Vila Sobrinho. Idosos e pessoas com mobilidade reduzida enfrentam ainda mais obstáculos, sendo obrigados a andar pelas ruas, correndo risco de acidentes. A Prefeitura afirma que a nova Política Municipal de Mobilidade e Acessibilidade Urbana prevê ações para melhorar a circulação de pedestres e ciclistas nos próximos 15 anos. A Agetran diz que define o tempo dos semáforos com base em critérios técnicos e realiza fiscalizações rotineiras. Denúncias podem ser feitas pelo telefone 156. A reportagem ouviu moradores de diferentes bairros que pedem melhorias urgentes para garantir segurança e acessibilidade a todos.
Em um dos pontos mais movimentados do centro, alguns até se arriscam a atravessar com o sinal ainda verde para os carros. A equipe do Campo Grande News percorreu diferentes regiões da cidade para fazer uma pergunta simples: Campo Grande é cidade para pedestres?
As respostas variavam nas palavras, mas repetiam o mesmo sentimento:“Tem que tomar cuidado”, "Tem que estar esperto”, “Tem que ter atenção”. O recado, unânime, escancara: não.
A atenção redobrada e o medo constante de dividir o caminho com os carros fazem parte da rotina dos campo-grandenses. Dentro dos 10 segundos, Leonice Rodrigues dos Santos, 64, atravessa a faixa de pedestre levemente apagada no cruzamento entre a Avenida Afonso Pena e a Rua 14 de Julho, acompanhada de seu parceiro Benedito de Oliveira, 58, amos aposentados. "Tem que prestar muita atenção para atravessar a rua, porque às vezes não dá tempo, né? Tem que correr", reforça Benedito.
A aposentada conta que, muitas vezes, os motoristas não respeitam a faixa de pedestres pelo centro, e sofre ainda mais para realizar travessias. Mas, a situação piora em seu bairro, Jardim Anache. "Pior ainda, lá é muito ruim. Tem que andar na rua. Teve uma vez que um cara gritou no carro 'não tem calçada?' E eu respondi, 'não mesmo!'. “
Na parte nordeste do centro da cidade, Adriana Andrade Lopes, 45, mora no Jardim Anache há 12 anos e há oito realiza um curto trajeto de sua casa até o ponto de ônibus todos os dias para ir ao trabalho. Em menos de cinco minutos, ela é obrigada a ir pela rua diversas vezes, devido a calçadas intransitáveis por mato e entulho.
“É bastante perigoso por conta dos carros. Graças a Deus nunca aconteceu acidente comigo, porque a gente fica sempre de olho. Espero passar, não tenho aquela pressa, mas com criança fica difícil sair, porque os carros passam com tudo”, relata.
Adriana Andrade tem um filho de quatro anos e afirma que não tem condições de caminhar com ele pelo bairro. “Eu vou direto à praça. As ruas não tem muita sinalização, e as pessoas não obedecem. Às vezes é o próprio ser humano também que não ajuda”, afirma.
No bairro Nova Lima, próximo ao Jardim Anache, a situação se repete. As rampas nas calçadas que eram para oferecer acessibilidade, são ocupadas por terra e mato, trazendo uma insegurança maior para quem tem a mobilidade reduzida. Além disso, lixo e mato nas calçadas não são novidades que obrigam os pedestres a seguirem pela rua.
As irmãs Sueli Queiroz de Souza, 55, e Sonia Maria de Souza, 50, são moradoras há mais de três décadas no bairro Nova Lima e também vão e voltam a pé ao trabalho diariamente. Em um percurso de mais de meia hora, da Rua Eugênio Silvério e Randolfo Lima até o serviço, as duas desviam de entulhos, mato e até carros na calçada. “Tem que ficar sempre desviando. É perigoso”, afirma Sônia Maria.
“O mato está tão grande que não tem nem como você passar pela calçada. Se você não pode usar a calçada, tem que ir pela rua, os carros passam bem perto de você, é perigoso”, desabafa Sueli Queiroz. Ela também cita diversos terrenos pelo caminho que têm o mesmo problema e conta que uma vez que teve que pegar a rua e foi fechada por um ciclista, caiu e ralou o joelho. “Eu estava pela rua, não tinha como passar pela calçada, estava cheia de lixo”, relata.

De volta à Av. Afonso Pena, Breno Márcio Bottino, 25, foi abordado no seu horário de almoço, a caminho do restaurante. Ele relata que não anda tanto assim pelo centro, mas sim pelo bairro. Entre os lugares que já morou, Cabreúva, Planalto, e Amambai, ele considera seu atual bairro, Vila sobrinho, o pior em quesito de pedestres.
"Se a gente for pensar pelo centro da cidade, que é onde está sendo investido mais, essa questão da acessibilidade é melhor, principalmente para o pedestre. Agora, para os bairros distantes do centro, isso ainda fica um pouco a desejar. Sem contar com o mato em excesso, traz mais risco a insetos e escorpiões. Além de virar morada para outros animais perigosos. Pessoa idosa é impossível passar”, analisa Breno Márcio sobre o Vila Sobrinho, bairro que mora há dois anos e já pensa em se mudar.
Por outro lado, Genir Leite, 86, aposentada, mora há mais de 50 anos no Vila Sobrinho e não tem planos de se mudar. Ela costumava visitar amigas próximas a pé, porém atualmente só caminha com auxílio de um andador e enfrenta dificuldades com a falta de acessibilidade pelo bairro.
“Não posso nem andar pela calçada. Preciso ir pela rua e ainda bem que os carros e param. Eu fico até com vergonha porque estou atrapalhando. Muitas pessoas pedem para eu passar, porque sou moradora há muitos anos e todo mundo me conhece”, relata a idosa.
No lado oposto da cidade, na zona sul de Campo Grande, bairro Aero Rancho, as questões com acessibilidade também são escancaradas. Moradora há dois anos, Izabely Cristine Serrano, 23, conduz o carrinho de Cecília Vitória, de 2 meses. Elas enfrentam problemas com calçadas estreitas e um grande movimento de carros pela Av. Rachel de Queiroz.
“É ruim na hora de atravessar, além das calçadas todas esburacadas, é mais perigoso por conta do carrinho. Quando tem muitos buracos, preciso passar pela rua”. Ela caminha para ir ao mercado ou à UPA (Unidade de Pronto Atendimento), e relata que o cuidado dobra quando sai com sua avó, Maria dos Anjos. “Minha avó tem 87 anos, então complica mais ainda, porque eu tenho que cuidar do carrinho e também cuidar da minha avó”, desabafa Izabely.

Seguindo pela Guaicurus, na zona norte da Capital, o morador da Moreninhas III, Paulo Rodrigues da Silva, 58, é presidente da associação do bairro e conta que as reclamações por conta da falta de acessibilidade não faltam por lá. “Principalmente pelos cadeirantes. Eles nos procuram para tentarmos uma solução para viabilizar, mas a gente não consegue retorno e vai piorando pelos bairros. Diz que é lei, mas a lei não é cumprida”, conta Paulo Rodrigues e reforça principalmente a dificuldade para entrar no Parque Jacques da Luz.
A Lei à qual Paulo Rodrigues se refere é a nº 13.146/2015, que garante os direitos das pessoas com deficiência, assegurando acessibilidade em espaços públicos, transporte, educação e trabalho. Ela obriga que calçadas, ruas, prédios e transportes sejam adaptados para garantir mobilidade e inclusão social. A lei visa promover a igualdade de oportunidades e o pleno exercício da cidadania para todos.

Diva Leite de Lima Oliveira, 62, aposentada, mora na Moreninha IV há 16 anos, e conta que sempre anda a pé pelo bairro, ao mercado, à farmácia ou à lotérica. “Lá ainda vão começar a fazer a calçada, está programado Graças a Deus”, conta sorrindo Diva de Lima sobre a Rua Maria Cândido de Rezende.

Em nota, a Prefeitura destaca que a PMAU (Política Municipal de Mobilidade e Acessibilidade Urbana) foi regulamentada pela Lei Municipal n. 7.282, de 15 de julho de 2024, que revisou o Plano Diretor de Transporte e Mobilidade Urbana.O estudo realizado para essa revisão apresenta propostas para o transporte não motorizado, com ações e metas estratégicas voltadas à circulação de pedestres e ciclistas para os próximos 15 anos.
Além disso, afirma que prioriza a mobilidade ativa e a acessibilidade, com ações voltadas à segurança e inclusão de pedestres, pessoas com deficiência e idosos. A Agetran define os tempos de travessia dos semáforos com base em critérios técnicos de segurança, e realiza fiscalização de trânsito de forma rotineira.
Denúncias podem ser feitas pelos canais oficiais da Prefeitura, como o telefone 156.
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