No fogo cruzado da desinformação, empresas violam leis trabalhistas
Quando a pandemia passar, teremos pela frente uma montanha de problemas causados pela COVID-19, desafiando a sociedade a resolver transtornos de toda natureza. Como especialista em duas áreas do direito, previdenciária e trabalhista, vejo que não será diferente em relação às questões jurídicas.
É certo que não há na legislação trabalhista e constitucional vigentes, medidas suficientes que prevejam a solução de um problema como este. Há poucos meses, seria impossível sequer imaginar que passaríamos por isso. Mas já existem soluções que podem garantir aos empregadores e aos empregados, alterações contratuais que minimizem os incômodos e prejuízos atuais e futuros.
Nós que atuamos nessas duas áreas jurídicas extremamente delicadas, percebemos que no decorrer deste caminho, e até que as coisas se normalizem, é preciso extremo cuidado ao tomar medidas. Inclusive, e principalmente, se elas forem embasadas em Medidas Provisórias. O fato é que a situação de insegurança e medo, incerteza sobre o período e profundidade dos infortúnios causados pela calamidade, leva empregados e empregadores a adotarem soluções precipitadas, ilegais e inconstitucionais que irão, certamente, ser questionadas no judiciário.
Não dá para esquecer que as medidas provisórias publicadas neste período mais trouxeram problemas do que soluções e são totalmente questionáveis do ponto de vista constitucional. Sobre isso, quero chamar a sua atenção: mais adiante elas podem se desdobrar em ações judiciais. Já se sabe que a suspensão do contrato de trabalho, prevista inicialmente, na MP 927 do dia 22.03.2020 foi revogada no dia seguinte, dia 23.03.2020.
Acontece que, apesar da flagrante inconstitucionalidade da medida, temos notícias de que muitos empregadores suspenderam os contratos de seus empregados, se utilizando de uma medida que então, estava em vigor. Veja que o principal ponto da controversa MP 927 é que ela subverteu a ordem formal. Enquanto a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e a Constituição falam que os acordos individuais não podem se sobrepor aos acordos coletivos e legislação, ela diz o oposto, permitindo que tudo seja negociado diretamente entre empregado e empregador.
Há ainda, empregadores que estão demitindo em massa seus funcionários, utilizando-se da possibilidade de pagamento de 50% das rescisões contratuais, fundamentando tais demissões na força maior e no art. 502, II da CLT. O problema é que estão demitindo em massa sem a intervenção obrigatória do sindicato, de forma precipitada, sem tentar adotar outras medidas e de maneira injustificável, já que não há sequer 15 dias de afastamento social e fechamento de parte das empresas.
Não param por aí as alterações contratuais lesivas aos trabalhadores, praticadas por inúmeras empresas e sem a participação dos sindicatos, patronal e laboral. Lembrando que foi a MP 927 que subverteu a ordem, permitindo que patrões e empregados “negociem” sozinhos, o que necessita da intervenção sindical.
Alguns exemplos de medidas que estão sendo tomadas e que levarão empregados e empregadores ao judiciário são:
a) rescisão contratual com pagamento de 50% das verbas rescisórias a que teria direito o trabalhador;
b) redução de jornada e salário;
c) suspensão de benefícios concedidos voluntariamente como tickets alimentação, convênios médicos, tickets refeição;
d) mudanças em jornadas de trabalho;
e) instituição de bancos de horas;
f) concessão antecipada de férias, sem os pagamentos correspondentes e integrais antes da concessão;
g) gozo antecipado de feriados;
O fato é que medidas tomadas neste momento de pandemia não estão livres de serem discutidas no judiciário brasileiro. Ao contrário, elas serão questionadas. E tudo leva a crer que vão gerar enormes prejuízos aos empregadores que deixarem de observar as regras mínimas de segurança exigidas neste momento: consultar o seu advogado e buscar negociar decisões junto aos sindicatos.
Enquanto escrevia este artigo, o presidente fez um pronunciamento oficial anunciando mais três medidas provisórias que serão publicadas, entre elas, duas com medidas de impacto direto nos contratos de trabalho.
A primeira, para pagar aos empregados com carteira assinada, até 30% de seus salários em caso de redução pelo empregador. A outra medida, prevendo empréstimos às empresas, com juros mais baixos e prazos mais longos para pagamento. Em ambos os casos o que o governo federal pretende é manter os empregos, o que será exigido para que as empresas possam ter acesso ao empréstimo e os empregados às compensações.
Esperamos que as medidas já anunciadas sejam claras, e possam trazer mais tranquilidade aos brasileiros neste momento. Sejam eles empregados ou empregadores. Em nosso blog, respondemos as perguntas mais frequentes dos trabalhadores, nesse momento de pandemia. Você pode conferir a qualquer momento: arraesecenteno.com.br/direitos-dos-trabalhadores-e-coronavirus
Até o próximo artigo.
Priscila Arraes Reino, advogada especialista em direito previdenciário e direito do trabalho, coordenadora adjunta do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário por MS, vice presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas de MS, primeira secretária da Comissão da Advocacia Trabalhista da OAB/MS, e palestrante. Visite nosso site: www.arraesecenteno.com.br