O novo ensino a distância
Depois de muita expectativa, o Ministério da Educação divulgou as novas regras para o ensino superior a distância, que proliferou enormemente desde 2015, chegando a quase metade das matrículas. São cursos baratos, apropriados para quem mora em lugar distante e precisa trabalhar. Mas havia a sensação de que muitos se graduavam sem de fato aprender, sem falar daqueles que desistem pelo caminho.
As novas regras definem três modalidades de ensino: presencial, com professores e alunos no mesmo lugar; “presencial síncrona mediada”, à distância, mas com os alunos podendo interagir com professores ou tutores; e à distância propriamente dita, em que as aulas podem estar gravadas e ser acessadas a qualquer momento. Definem também três tipos de curso, pela combinação dessas modalidades: presencial, com ao menos 70% de aulas presenciais; semipresencial, com ao menos 30% de aulas presenciais e mais 20% de aulas síncronas mediadas; e a distância, com ao menos 10% de aulas presenciais e 10% de aulas síncronas mediadas.
Além disso, elas exigem que cinco cursos – Direito, Medicina, Odontologia, Psicologia e Enfermagem – sejam obrigatoriamente presenciais, e que os demais cursos nas áreas de saúde e de formação de professores não sejam a distância (podem ser presenciais ou semipresenciais). Além disso, existem novas regras sobre requisitos e qualificações do corpo docente, funcionamento das sedes e polos de educação a distância, formas de avaliação dos alunos e parcerias.
O impacto mais direto dessas novas regras será a redução drástica no número de alunos em cursos a distância, sobretudo no setor privado: de 4,9 milhões em 2023 para 2,8 milhões pelas novas regras, com 217 mil indo para cursos presenciais e 1,9 milhão para a nova modalidade semipresencial.
Os custos dessa mudança, somados aos das novas exigências, serão muito altos e farão com que muitos cursos se tornem inviáveis tanto para alunos quanto para as instituições. Isso se refletirá, certamente, numa queda significativa no número de estudantes matriculados no ensino superior, afetando sobretudo os mais pobres. Mas pode ser um preço a pagar, se o resultado for um sistema de educação superior de melhor qualidade.
A dúvida é se esta nova regulação produzirá, de fato, esse resultado desejável. O Ministério da Educação estabeleceu um período de dois anos de transição para as novas regras e um sistema complexo de credenciamento ou recredenciamento dos cursos por meio de inspeções locais, para verificar se os novos requisitos estão sendo cumpridos, a serem realizadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), a serviço da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres).
A experiência dessas agências com esse tipo de supervisão não tem sido boa, com queixas repetidas sobre morosidade, burocratização e falta de coerência no uso dos critérios adotados, e não há nenhuma indicação de que elas farão um trabalho melhor desta vez.
Mas existe um problema de fundo mais geral, que é a ideia de que a qualidade da educação possa ser assegurada pelos seus processos, e não pelos resultados. No Brasil sempre prevaleceu a ideia de que, se o governo aprovar a forma como os cursos são dados, especificando tempos, características dos professores, instalações e currículos detalhados, os diplomas que as instituições dão aos alunos estarão automaticamente garantidos.
Isso pode ter funcionado em certa medida no passado, mas hoje é claro que o importante é que os estudantes sejam certificados individualmente por agências independentes, sobretudo para o exercício de profissões de impacto na vida ou no patrimônio das pessoas, como no Direito e nas profissões médicas.
No Direito, aliás, essa certificação já existe com o Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e não fica clara a razão pela qual o MEC resolveu que esses cursos precisam ser necessariamente presenciais.
Como na frase famosa de Deng Xiaoping, não interessa a cor do gato, desde que ele coma o rato. Parece razoável a presunção de que mais contato direto de professores com alunos é melhor do que menos, mas as novas tecnologias podem ser muito mais eficazes na transmissão de conhecimento e acompanhamento individualizado da aprendizagem dos alunos do que aulas convencionais, sobretudo em cursos noturnos, que foram, em grande parte, substituídos pelo ensino à distância.
Problemas de qualidade ocorrem em qualquer modalidade de ensino, e têm mais a ver com a má-formação com que os alunos entram na universidade, currículos inadequados e deficiências dos professores do que com questões formais. Por mais que o Ministério da Educação tenha avançado na identificação de boas práticas de ensino a distância, este é um campo que vem se transformando a cada dia e uma norma que possa parecer razoável hoje, como o máximo de 70 alunos para cursos mediados a distância, pode se tornar obsoleta amanhã, se já não o é.
Não se trata de abandonar completamente a regulação da oferta, mas de colocar cada vez mais ênfase na avaliação dos resultados, que, uma vez conhecidos, vão afetar necessariamente a forma em que os cursos são oferecidos, sem que a burocracia tenha de estar sempre correndo atrás das mudanças que ocorrem no mundo real.
(*) Simon Schwartzman, sociólogo e membro da Academia Brasileira de Ciências, através do Estadão
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