ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
SETEMBRO, QUINTA  19    CAMPO GRANDE 36º

Cidades

Cobrança sobre desempenho dos trabalhadores é objeto de estudo na UFMS

Pesquisa da UFMS mostra que sintomas de depressão são frequentemente encarados como falta de proatividade

Gabrielle Tavares | 17/10/2022 08:58
Vendedora atendendo cliente no centro de Campo Grande. (Foto: Arquivo/Marcos Maluf)
Vendedora atendendo cliente no centro de Campo Grande. (Foto: Arquivo/Marcos Maluf)

Quem nunca foi questionado sobre o atendimento dos funcionários ao comprar um medicamento em uma farmácia, ou roupas, em uma loja de departamentos? A prática é mais comum ainda em serviços de aplicativo, como em viagens de motoristas de aplicativos e no sistema delivery.

Para entender as consequências das constantes cobranças sobre os trabalhadores, o professor e pesquisador da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Ricardo Luiz Cruz a iniciar a pesquisa "Você foi bem atendido?: a satisfação do consumidor como horizonte do trabalho em Campo Grande (MS)"

O estudo começou em 2018 e deve ser concluído no final deste ano. Com a presença de estudantes de graduação de Ciências Sociais e de pós-graduação em Antropologia Social, as avaliações iniciais já envolveram a produção de artigos em livros e revistas científicas, dissertações de mestrado, trabalhos de conclusão de curso de graduação, pesquisas de iniciação científica e comunicações em congressos científicos locais e nacionais.

De acordo com Cruz, os estudos mostram que a necessidade de satisfazer o prazer do cliente é construída através da naturalização e o ocultamento da violência, dores e sofrimentos vividos no âmbito do trabalho.

Em outras palavras, as violências contra os trabalhadores são condicionados como requisito para a satisfação do consumidor. Os questionários de desempenho coíbem ainda qualquer tentativa denunciar assédios morais, discriminações e segregações.

Pesquisador Ricardo Luiz Cruz. (Foto: Divulgação)
Pesquisador Ricardo Luiz Cruz. (Foto: Divulgação)

"Me espanta o grau de naturalização e ocultação do sofrimento na cidade de Campo Grande. Pode-se dizer que a emergência da sociedade de consumo no espaço local tem envolvido a consolidação de formas primitivas de acumulação no âmbito do trabalho. Dito de outro modo, as mais modernas maneiras de se consumir não parecem envolver a difusão de direitos trabalhistas ou a valorização da dignidade da pessoa humana, mas a violência contra quem trabalha enquanto uma espécie de objeto do gozo de alguém", afirmou o pesquisador.

Além disso, Cruz ressalta que Campo Grande é uma das cidades com maior taxa de suicídio e depressão do Brasil, fenômeno que envolve as mais variadas condições psíquicas, fisiológicas e sociais.

Doenças que não são acolhidas pela sociedade, nem debatidas nos espaços públicos, defende a pesquisa. Pelo contrário, os sintomas são encarados como falta de motivação do trabalhador, ou do outro lado, a grosseria do público.

Professor e alunos durante estudos. (Foto: Divulgação)
Professor e alunos durante estudos. (Foto: Divulgação)

"Ou seja, num cenário marcado pela precarização do trabalho, com baixos salários e escassos direitos, esperamos que as pessoas se sintam motivadas para exercerem seus ofícios, que seus afazeres sejam julgados sob o prisma de quem consome os seus serviços, seja um patrão ou consumidor, e que a violência que enfrentam cotidianamente seja vista como 'grosseria'. Estamos diante de discursos que naturalizam e ocultam dores e sofrimentos vividos pelas pessoas. Sofremos sozinhos ou calados porque podemos não encontrar formas legítimas de enunciar nossas dores", ressaltou.

Para transformar o quadro social, é necessário uma auto avaliação das atitudes que os consumidores reproduzem, mesmo sem perceber.

"Perceber que o que nos satisfaz é capaz de fazer o outro sofrer ou de estar ligado ao seu sofrimento, pode nos ajudar a encontrar um modo de vida mais afim com nossa humanidade em comum, colocando num segundo plano nossa atual compulsão em obter algum tipo de satisfação”, avalia.

Nos siga no Google Notícias