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Capital

Com superlotação em ONGs, protetores vivem “enxuga gelo” para abrigar animais

Situação desespera cuidadores, que atuam no limite para não deixar cães e gatos nas ruas de Campo Grande

Por Natália Olliver | 18/04/2024 06:50
Tereza Rodrigues Bandeira, dona da ONG Pedacinho de Céu (Foto: Marcos Maluf)
Tereza Rodrigues Bandeira, dona da ONG Pedacinho de Céu (Foto: Marcos Maluf)

Tereza Rodrigues Bandeira é dona da ONG (Organização Não Governamental) Pedacinho do Céu. Ela revela que a superlotação dos abrigos para animais desencadeia problemas psicológicos em quem vive angustiado por não conseguir receber os "bichinhos".

“É apavorante. É como se estivesse enxugando gelo, lutando contra a maré. A gente lida como pode, não é fácil dizer que não pode pegar mais animais porque o abrigo está lotado”, comenta Tereza Rodrigues Bandeira.

O local abriga 110 animais, entre cães e gatos. Ao todo, são quase 850 kg de ração por mês para alimentá-los, 500 kg para os cachorros e 350 kg para os gatos. O alimento é conseguido através de rifas e doações.

“A maioria de nós protetoras está doente psicologicamente e emocionalmente, porque é lidar com a morte o tempo inteiro e ter que escolher qual filho colocar dentro de casa e qual filho vai ficar na rua.”

Com abrigo precário, animais ficam na casa de Tereza (Foto: Marcos Maluf)
Com abrigo precário, animais ficam na casa de Tereza (Foto: Marcos Maluf)

“Há anos nós viemos lutando junto ao governo municipal e estadual por situação melhores, lutamos por centro de acolhimento e nada. Saber que estão na rua, passando fome, é horrível. Fomos para as ruas pedir, mas parece que eles [órgãos públicos] brincam com a gente. Estamos a um tempo pedindo recuso pra todo mundo, quando chega esse momento de chuva a gente passa por um momento muito difícil”, diz.

Segundo Tereza, a luta acontece com poucos recursos e muito amor à causa. Ela está envolvida com a proteção animal há dez anos e oito com a ONG e acrescenta que divide a paixão pelos animais com a filha, que também tem uma abrigo. As duas cuidam dos gatos e cachorros sozinhas. Na chuva desta terça-feira (17), Tereza precisou abrigar os bichos dentro da própria casa, devido ao telhado e canis estarem danificados.

“Os canis estão todos quebrados porque a ONG tem quase 8 anos e está com a primeira estrutura, que era pra ser provisória. Fizemos madeira e tela, com chuva e sol apodreceu. Hoje eu abrigo minha própria casa. A ideia era mudar para uma chácara e fazer uma estrutura maior. Essa foi sempre a ideia, os recursos não chegaram.”

A transferência de lar rendeu à cuidadora problemas com os filhos, que não aceitam a ideia do projeto desenvolvida pela mãe. “To passando por momentos bem difíceis em relação aos animais. Mas enquanto não tiver um espaço para colocar eles, de maneira que eles fiquem bem, é complicado”.

Tereza, protetora de animais e dona de ONG em Campo Grande (Foto: Marcos Maluf)
Tereza, protetora de animais e dona de ONG em Campo Grande (Foto: Marcos Maluf)

Protetores - Além das ONGs, abrigos de protetores independentes, que são pessoas que não possuem CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica), também vivem no limite. É o caso de Sônia Marly Gonçalves Palhano. O amor pelos animais começou quando ela tinha 12 anos, quando começou a resgatar os bichos.

Ela explica que não abriga mais os cachorros e gatos por falta de espaço, apenas faz o resgate deles nas ruas. Para ela o título de independente não condiz com a realidade, visto que as pessoas que prestam esse serviço não conseguem bancar os gastos dos animais sozinhas. O termo só especifica que eles não recebem ajuda da prefeitura ou Estado, já que não possuem CNPJ.

“Infelizmente, somos protetoras totalmente independentes, nós temos que pedir socorro com ração constantemente, internações, medicamentos, vivemos à base de rifas. O que aparecer estamos fazendo para arrecadar dinheiro e pagar as contas. Infelizmente não temos um hospital veterinário ou um centro de acolhimento e passagem.”

Apesar das dificuldades, a protetora não deixa o sentimento em ajudar os bichos morrer. ‘É complicado, mas eu amo muito e a quantidade que eu puder salvar e estiver ao meu alcance eu faço. É o dia inteiro de pedidos de socorro de ajuda no meu whats, pra internar, socorrer o bichinho”.

ONG gasta 350 quilos de ração por mês para alimentar gatos (Foto: Marcos Maluf)
ONG gasta 350 quilos de ração por mês para alimentar gatos (Foto: Marcos Maluf)

Hoje, ela tem 110 animais em casa e 23 gatos na casa do filho. “Tenho um instituto em formação, estou esperando o alvará. Não posso levar pra casa, porque o juiz determinou que tenho que achar um lugar para os meus 110 cães. O meu vizinho entrou com ação judicial por causa dos latidos. Aceito opinião, ele tem todo direito. Mas não posso sair correndo ou soltar os cães. Eu não lutei muito por eles para terminar no CCZ”, explica.

No limite - Para a presidente do CDDA (Comissão de Defesa dos Direitos dos Animais), da OAB/MS, Adriana Carvalho, o problema da superlotação é grave e está longe de ser resolvido. De acordo com pesquisa, realizada por meio da comissão, em 100 abrigos visitados durante os anos de 2022 e 2023, foram identificados mais de 5 mil animais.

“É uma questão grave, pois comprova a ineficiência do poder público para controle populacional, além disso, importante destacar que os problemas oriundos dessa superlotação estende-se também aos protetores de animais e sociedade tendo em vista que estes são mantidos com recursos do protetores e doações da sociedade e não recebem ajuda da prefeitura."

Em resposta ao Campo Grande News, a Subea (Subsecretaria do Bem-Estar Animal) informou que possui 183 protetoras cadastradas e 4.533 animais, entre cães e gatos. O número é superior, se levar em conta os que não estão no banco de dados. Para a pasta, a população precisa se conscientizar antes de adotar um animal.

“Ela precisa avaliar questões financeiras, familiares, tempo e espaço, para assim evitar casos de abandonos e que acabam sobrecarregando essas protetoras. A nossa secretaria disponibiliza para elas o programa Subea Itinerante, que leva todos os nossos serviços até a casa delas como consulta, microchipagem, remédio para pulga e carrapato, vermifugo e avaliamos animais para castração, exatamente por entender que elas fazem esse trabalho de acolhimento e não conseguem trazê-los até nossa unidade.”

A secretaria pontua também que a castração e a consulta preventiva são as melhores formas de evitar abandono, “por isso o município oferece gratuitamente esses serviços para a população. Hoje, mais da metade das 600 vagas de castração que disponibilizamos por mês são utilizadas por elas”.

Superlotação em abrigos para cães e gatos é motivo de preocupação para ONGs (Foto: Marcos Maluf)
Superlotação em abrigos para cães e gatos é motivo de preocupação para ONGs (Foto: Marcos Maluf)

Trâmite jurídico - Ainda que a Justiça do Estado tenha determinado que a Prefeitura de Campo Grande pagasse pelo serviços prestados por ONGs (Organizações Não Governamentais) e protetores independentes, a gestão recorreu e o processo está em trâmite. Segundo a presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Animais da OAB/MS, o pedido corre em fase de recurso. "A procuradoria da prefeitura derrubou decisão judicial na qual condenava o município".

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