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Capital

Moradores da "Só por Deus" preferem se isolar na favela do que ir ao hospital

Medo é de não estar contaminado e contrair coronavírus fora da comunidade

Aletheya Alves | 21/07/2020 17:15
Morador da favela Só por Deus se protege com máscara. (Foto: Marcos Maluf)
Morador da favela Só por Deus se protege com máscara. (Foto: Marcos Maluf)

Rodrigo Moraes Vieira precisou tossir por dois meses e começar sentir falta de ar para procurar médico. Na dúvida sobre sintomas da covid-19, preferência de quem mora na favela conhecida como "Só por Deus" é “aguentar” ao máximo na comunidade antes de buscar ajuda fora do bairro Canguru.

Sobre procurar médicos em caso de sintoma do novo coronavírus, é a última opção para quem vive longe.  “Se a gente sente algo e fica na dúvida, esperamos até a coisa ficar feia, aí sim vamos atrás”, conta o tratador de cavalos, Rodrigo Moraes Vieira, de 28 anos. Ele explica que na comunidade o “protocolo” é mais ou menos o mesmo: tomar remédio para gripe e ver se passa.

Rodrigo Moraes Vieira teve tosse durante dois meses antes de procurar por hospital. (Foto: Marcos Maluf)
Rodrigo Moraes Vieira teve tosse durante dois meses antes de procurar por hospital. (Foto: Marcos Maluf)

O modo de operar ali é meio padrão, garante. “Todo mundo tá preocupado em sair de casa e voltar pior. Quando vimos que eu estava mal mesmo, fomos atrás e não era coronavírus”.

Apesar das autoridades de Saúde alertarem sobre a importância de procurar atendimento quando os sintomas aparecerem, para o quadra não agravar, o medo na "Só por Deus" é de não estar contaminado e contrair coronavírus fora da comunidade.

Especialistas têm, inclusive, alertado sobre pacientes que deixam de fazer tratamento para doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, e acabam com quadro agravado.

As mortes por doenças cardíacas dentro de casa, por exemplo, de pacientes que não buscaram uma unidade de saúde, aumentaram em 13,13% em todo o território de Mato Grosso do Sul desde que a OMS (Organização Mundial de Saúde) definiu o surto de covid-19 como uma pandemia. Os dados são do Portal  da Transparência, de registros civis.

Vizinha de Rodrigo, Ângela Maciel dos Santos, de 54 anos, também enfrentou alguns sintomas nas últimas semanas e resolveu tomar providências por conta própria, sem cogitar recorrer ao exame no posto de saúde.

Hoje, quatro filhos pequenos moram com ela e seguem o isolamento social. “Resolvi ficar dentro de casa. Imagina se eu saio e acontece algo? Como que eles ficam?”, além de compartilhar do sentimento do vizinho, ela relata que o agravante são as crianças.

“Eu tenho hipertensão e sou soropositivo, se saio de casa sem nada e pego algo, a situação piora muito. Estamos todos fechados aqui e meus sintomas passaram, é o melhor que a gente consegue fazer”, diz.

Depois de quatro meses de pandemia, Ângela diz que a compreensão dela sobre como agir são as mesmas: esperar aparecer algum sintoma mais forte chegar e ter certeza que não é possível resolver dentro de casa.

Luciene Pereira de Lima conta que o costume é "esperar os sintomas passarem". (Foto: Marcos Maluf)
Luciene Pereira de Lima conta que o costume é "esperar os sintomas passarem". (Foto: Marcos Maluf)

Especificamente sobre a covid-19, as instruções mudam para Luciene Pereira de Lima, 47 anos.

“Meu filho ficou mal por 13 dias e achamos que era coronavírus, aí fomos procurar médico. Tirando isso, a gente não tem costume mesmo de ir”, explica.

Ela conta que o susto com o filho de 23 anos foi grande, já que a maior suspeita da família era o coronavírus.

“Eu estava quase vendendo minha batedeira para conseguir trezentos reais e ele fazer o teste rápido. A esposa e a filha dele foram para a casa da sogra e ele ficou aqui para eu conseguir ajudar. Todo mundo se trancou aqui, ninguém saía e ninguém entrava”, garante.

No fim das contas, quando o filho conseguiu fazer o teste pela saúde pública, deu negativo. Com as notícias de que a covid-19 mata cada vez mais na cidade, até o dignóstico de dengue veio como um alento.

“A gente descobriu que não era (covid) e eu dei graças a Deus que era dengue. Para a gente sair daqui da comunidade e pisar em hospital, é só quando algo muito mais grave acontece”.

Como fazer o teste - A prefeitura reforça quais os canais disponíveis para atendimento de casos suspeitos de covid-19.  O de teleconsulta (2020-2170), repassa orientações sobre a doença por telefone.

Há drive-thru de testagem na unidade do Corpo de Bombeiros, da 14 de Julho, para casos de sintomas como febre e falta de ar, com testes. O mesmo ocorre no Centro Educacional Lúcia Martins Coelho (3311-6262), mas apenas à noite. Em ambos, para ser atendido é necessário agendamento para realizar teste.

Outro ponto de testagem é o Parque Ayrton Senna (98447-7280), com atendimento das 7h até 19h, onde não é necessário agendamento.

Serviços disponíveis para atendimento de casos suspeitos de covid-19. (Arte: Ricardo Gael)
Serviços disponíveis para atendimento de casos suspeitos de covid-19. (Arte: Ricardo Gael)


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