ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram
NOVEMBRO, SEXTA  22    CAMPO GRANDE 28º

Capital

Na frente de juiz, Name oferece propina de "até 600 milhões" e ameaça policial

Falas foram gravadas durante audiências sobre apreensão de arsenal e obstrução de justiça

Marta Ferreira e Aline dos Santos | 24/06/2020 11:47
Jamil Name, de azul, durante audiência. As outras pessoas na tela são advogados de réus em processo por apreensão de arsenal, em maio do ano passado, considerado embrião da Omertà. (Foto: Reprodução de vídeo)
Jamil Name, de azul, durante audiência. As outras pessoas na tela são advogados de réus em processo por apreensão de arsenal, em maio do ano passado, considerado embrião da Omertà. (Foto: Reprodução de vídeo)

Preso desde setembro do ano passado, o empresário Jamil Name, 81 anos, vai ser investigado por mais duas suspeitas de crimes, cometidas durante audiências em processos derivados da operação Omertà.

Os fatos envolvem oferta propina milionária a membros do Judiciário e ainda ameaça a policial civil que fez parte das ações. O preso chega a pedir ao juiz, no finzinho de seu depoimento, para "ligar para o ministro" e informar que tem de "100 a 600 milhões" que vão "ficar a disposição do juízo dele".  Na sequencia, diz ainda "porque tem muita coisa escondida por trás desse negócio aí. Por isso que eles ficam tudo louco".

A proposta de suborno ocorreu no dia 29 de maio, durante vídeo conferência  sobre arsenal de armas, considerado estopim da operação contra  milícia. No fim do depoimento, Name ofereceu dinheiro para ter decisão favorável ao retorno dele a Campo Grande ou em troca de mandado para tratamento em São Paulo, no Hospital Sírio Libanês. Ele está no Rio Grande do Norte, desde outubro de 2019.

Embora tenha ocorrido quase um mês atrás, o vídeo comprovando a fala só ficou disponível agora. Na gravação, Jamil pede no minuto 36 para se manifestar ao “doutor”, como chama o titular da 1ª Vara Criminal, Roberto Ferreira Filho, responsável pelo processo.

“Eu preciso conversar com o senhor”, diz. O juiz autoriza e ele continua: “Doutor, o senhor podia fazer um grande favor. É o maior favor que eu já pedi na minha vida”, define. Reclama de estar “bloqueado” em Mossoró há 150 dias, sem falar com o advogado, mesmo com o profissional morando lá e classifica a si mesmo como “todo esculhambado”.

“Tô numa situação triste”, prossegue. “O senhor vê que eu to falando quase chorando”. Em tom de apelação, pede para o juiz devolvê-lo a Campo Grande. “É duro viu, é duro”, lamenta.

"Negociata de malandro" - É aí que vem a fala sobre dinheiro. “Se passar pelo doutor lá de cima, o senhor pode dizer para ele mais uma coisa. Que ele me tirando daqui amanhã, que de 100 a 600 milhões, vão aparecer dentro do juízo dele, de negociata de malandro, o senhor está entendendo, né? Na frase, o valor é repetido.

“Na verdade não, mas tudo bem, está registrado aqui”, afirma Roberto Ferreira Filho.

O depoimento termina com o advogado Tiago Bunning pedindo para Jamil Name esclarecer fala em interrogatório feito por delegados de força-tarefa da Polícia Civil, de que não teria doenças. “Eu não tenho mental, mas tenho crônica”, responde. Conta ter sido operado pelo menos três vezes e estar “todo remendado”, aos 81 anos.

Veja o vídeo abaixo:


“Tem que morrer” – Em outra audiência de ação criminal, nesta semana, com o mesmo magistrado, dessa vez já depois de encerrado depoimento de investigador do Garras (Delegacia Especializada de Repressão a Roubo a Banco, Assaltos e Sequestros), no fim da sessão, Name profere xingamentos contra o policial. Esse processo é por crimes que envolvem justamente tentativa de atrapalhar as investigações, obstruindo a justiça.

"Esse é um cara que merece morrer, mentiroso, vagabundo", disse Name. O juiz Roberto, de forma enérgica,  logo o alerta que toda ameaça foi gravada. "Seu Jamil, isso está sendo gravado aqui. Captei bem o som do senhor e não é a primeira vez que o senhor se manifesta em prejuízo do senhor mesmo. Já ocorreu em outro processo. O momento de fala não é do senhor", disse o magistrado.


O magistrado, ao ser ouvido pelo Campo Grande News, informou ter advertido Jamil Name na hora e alertado o representante do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) para tomar providências. O Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado), segundo levantou a reportagem, solicitou a gravação para as medidas cabíveis.

Em relação à audiência anterior e a oferta de dinheiro, Roberto Ferreira Filho disse que o MPMS também pode adotar providências e que esse fato constará da sentença do processo.

Perguntado se sentiu ofendido, o magistrado deu a seguinte resposta:  “ofendido não me senti. Sei que alguém sob pressão às vezes passa da conta. Mas não tinha como deixar passar em branco”.

As falas de Name podem ser interpretadas como crimes de corrupção ativa, ameaça e obstrução de justiça. 

O que diz a defesa - Procurados, os advogados Tiago Bunning e Rene Siufi, enviaram manifestação ao Campo Grande News. "Jamil Name em razão da idade avançada, 81 anos, somado aos diversos problemas de saúde e, principalmente ao brutal isolamento que está submetido em um presídio federal, em regime de RDD e sem contato com familiares e advogados por conta da pandemia, obviamente começa a sofrer redução de seus processos cognitivos assim como a visão da realidade começa a ficar deturpada, isso fica claro em todas as suas declarações".

O texto prossegue dizendo que, "nestas condições, a defesa teme por sua saúde física e mental" e repete o argumento em defesa da transferência do preso para Campo Grande. "Tudo isso somente comprova a necessidade imediata de sua transferência para que fique próximo da família e de seus advogados, demonstrando também que o mais adequado seria a urgente concessão de uma prisão domiciliar."

"O Ministério Público já está tomando as devidas providências, as quais serão detalhadas quando de sua completa finalização" De qualquer modo, vale esclarecer que tais acontecimentos não surpreendem o Ministério Público, eis que revelam exatamente o modo de proceder dos membros da organização criminosa, especialmente de seus líderes", declarou a coordenadora do Gaeco, Cristiane Mourão Leal Santos, em nota divulgada no fim da tarde.

Matéria alterada às 18h33  do dia 24 e às  8h40 do dia 25 para acréscimo de informações:  resposta do Gaeco e vídeo da ameaça ao policial.

Nos siga no Google Notícias