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Capital

Para legião de famílias sem conta bancária, crédito é algo impensável

Além do desafio de fazer o dinheiro render até o final do mês, os sem conta penam na comunidade Só Por Deus

Por Idaicy Solano | 16/02/2024 14:34
Vendedor de verduras, encontrado na comunidade Só por Deus, no Jardim Centro Oeste, só aceita pagamento em dinheiro (Foto: Marcos Maluf)
Vendedor de verduras, encontrado na comunidade Só por Deus, no Jardim Centro Oeste, só aceita pagamento em dinheiro (Foto: Marcos Maluf)

Com cada vez mais pessoas substituindo a boa e velha carteira de couro pela carteira digital, o que a falta de uma conta bancária significaria para você? A facilidade de transações na modalidade Pix, ou o acesso ao cartão de crédito em momentos de emergência, salvam a pele e facilitam a vida de muitos consumidores. Mas para a legião de pessoas sem conta no banco ou l opção de parcelamento, o jeito é “se virar nos trinta” e fazer o dinheiro em espécie render até o final do mês ou recorrer a crediários que costumam encarecer a conta.

A facilidade de pagar rapidinho, sem depender de troco, não é o único poder de um cartão nas mãos. Especialistas consideram que há uma penalização da população de baixa renda, que, por não ter conta bancária, paga juros maiores no varejo.

O conceito de "cidadania financeira" com a inclusão bancária, também é considerada fundamental para organização financeira, além de favorecer a formalização das pessoas nos negócios, com abertura de empresas ou microempresas.

Só dinheiro vivo - Nas ruas da comunidade Só Por Deus, que fica na região do Jardim Centro Oeste, em Campo Grande, a reportagem flagrou uma cena pouco comum hoje em dia. Vendedor de verduras com dinheiro vivo na mão. Ele circula com o porta-malas aberto em baixa velocidade, com uma caixa de som que anunciava que “o vendedor de verduras está passando na rua”.

Quando abordado, o senhor recebia uma nota de R$ 20, em troca dos pés de alfaces e outras folhagens que havia acabado de vender para o almoço de alguém. Sem querer se identificar, ele apenas se limitou a dizer que “eu não mexo com essa coisa de Pix e cartão, meu filho até mexe, mas comigo é só no dinheiro”.

A maneira de fazer negócio, no entanto, é bem oportuna, em uma região onde poucas pessoas poderiam pagar nessas modalidades, já que tudo que possuem é dinheiro vivo, como é o caso da dona de casa Adriana Pereira dos Santos, de 37 anos, que mora com as filhas de 2 anos e de 2 meses.

Sua fonte de renda é o auxílio do Bolsa Família, de R$ 700. Pelo menos 70% são destinados à alimentação. Não tem conta em banco e retira o auxílio em uma casa lotérica próxima à comunidade. Quando a situação aperta, recorre à mãe, ou às vizinhas, que ajudam oferecendo doações.

“Passo sufoco todo dia, faltam as coisas em casa. Um crédito seria de grande ajuda. Mas primeiro eu tinha que arrumar um serviço pra trabalhar, mas eu tenho o meu bebezinho agora, e ele é muito pequenininho, então tenho que esperar ela pegar uma idade pra eu trabalhar”, relata Adriana Santos.

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Em 2023, relatório do Banco Central mostrou que 190 milhões de pessoas possuíam conta corrente. Outros 28% da população continuavam sem esse recurso, especialmente na faixa mais pobre.

Mas o PIX tem contribuído para “bancarização” da população brasileira. Cinco anos antes, em 2018, 43% estavam nessa situação. Mas ainda falta crédito.

Apesar de ter conta bancária, o aposentado Ari Araújo Guimarães, de 67 anos, diz que não foge do cartão de crédito, pois “os juros são muito altos”. Então, ele vai apelando para a confiança dos outros. “Pego emprestado com amigos ou faço minhas economias. E quando eu vou fazer alguma compra grande, eu faço no boleto, direto na loja. Se não tem essa opção, eu não compro”, comenta.

O cenário não é diferente na comunidade Esperança, na região do Bairro Noroeste, onde mora a doméstica Claudemir da Silva, de 48 anos. Ela conta que recebe o valor referente a um salário mínimo todo final de mês. Nnão possui conta bancária, então recebe o dinheiro em mãos.

Ela divide o dinheiro entre as despesas básicas da casa, priorizando a comida. Quando sobra alguma quantia, utiliza para emergências ou lazer, sem sair da região onde mora. Mas quando o dinheiro acaba, não tem o que fazer, precisa esperar o final do mês para receber de novo ou catar latinhas e “trocar por alguns trocados”.

Comunidade Nova Esperança, no bairro Noroeste, um dos locais visitados pela reportagem (Foto: Marcos Maluf)
Comunidade Nova Esperança, no bairro Noroeste, um dos locais visitados pela reportagem (Foto: Marcos Maluf)

Claudemir mora com os filhos e os netos, e ninguém na casa tem conta bancária. Por isso, não tem a quem recorrer para pedir a conta emprestada para faxilitar a vida, pagando ou recebendo por aplicativos, por exemplo. Ela conta que a filha mais velha tentou crédito no banco, para fazer um cartão e agora aguarda para ver se liberam. Se liberassem, isso significaria uma segurança a mais para a família em momentos de “aperto”.

Ele diz que um cartão de crédito seguraria muito as pontas em momentos de aperto, além de achar a opção “melhor e mais prática, principalmente em caso de emergência”.  “Às vezes na hora que você não tem nada [dinheiro físico], se você tem um troquinho [crédito] ali, dá mais segurança”, diz Claudemir da Silva.

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Na comunidade Dorcelina Folador, localizada entre as saídas para São Paulo e Sidrolândia, para a dona de casa Aparecida Tatiana Teles, de 39 anos, não ter uma conta bancária não faz falta, pois prefere administrar o dinheiro que recebe por conta, para evitar “gastar o que não tem”.

Ela relata que os filhos têm conta bancária e mexem com serviços tipo o pix, então se houver alguma necessidade, eles podem resolver, já que moram todos juntos na mesma casa. Ela presta serviços gerais, e quando faz algum serviço para alguém, só aceita receber em dinheiro vivo.

“A gente pega o auxílio, o meu filho trabalha, a minha irmã trabalha e minha outra irmã também pega o auxílio dela e faz uns bicos, é assim que a gente sobrevive. Dá pra manter, pagar uma conta, pagar outra, e sobra um dinheirinho ainda”, relata Aparecida Teles.

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Ela teme que, se tivesse um cartão de crédito, não conseguiria se controlar. “Se tivesse eu não ia só gastar um pouquinho. Você tem um cartão, tem um limite, aí você vai estourar aquele limite e quando você vê, já não tem mais nada”.

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