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Alienação fiduciária: conheça os riscos de dar bens em garantia

Dr. Henrique Lima | 06/08/2025 07:45
Alienação fiduciária: conheça os riscos de dar bens em garantia
(Foto: Divulgação)

A alienação fiduciária é amplamente utilizada em operações de crédito no Brasil, sobretudo na aquisição de veículos, imóveis e maquinários. No meio rural, sua presença é ainda mais expressiva após a edição da Lei nº 13.986/2020 (Lei do Agro), que autorizou sua aplicação inclusive em Cédulas de Produto Rural (CPR), com lavouras podendo ser objeto da garantia. Apesar disso, muitos produtores ainda desconhecem os reais riscos que esse modelo de garantia representa.

Trata-se de uma forma de assegurar o cumprimento de uma dívida mediante a transferência da propriedade do bem ao credor, embora o devedor permaneça na posse e uso do bem como se fosse o proprietário. A peculiaridade – e o problema – reside no fato de que, em caso de inadimplência, o credor pode consolidar a propriedade em seu nome por um procedimento extrajudicial ágil, dispensando qualquer discussão no Judiciário.

O Marco Legal das Garantias (Lei nº 14.711/2023), ao alterar substancialmente a Lei nº 9.514/1997, fortaleceu ainda mais o poder do credor fiduciário. Veja o conceito jurídico do instituto:

“A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o fiduciante, com o escopo de garantia de obrigação própria ou de terceiro, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.” (Art. 22 da Lei nº 9.514/1997, com redação da Lei nº 14.711/2023)

Em resumo: o bem deixa de ser seu e passa a ser do credor, mesmo que provisoriamente. Se a dívida for quitada, ele retorna ao devedor; caso contrário, o credor consolida a titularidade.

Por que isso é tão perigoso?

Basta um único atraso para que o credor inicie a consolidação da propriedade em seu nome. Não há prazo dilatado nem necessidade de ação judicial. A notificação é feita diretamente via cartório, e, se o pagamento não ocorrer no prazo de 15 dias, o credor se torna, legalmente, o novo proprietário.

A situação se agrava com a possibilidade de vencimento antecipado de todas as parcelas da dívida em caso de inadimplemento, conforme autoriza o §6º do art. 26 da Lei 9.514/1997:

“O inadimplemento de quaisquer das obrigações garantidas pela propriedade fiduciária faculta ao credor declarar vencidas as demais obrigações de que for titular garantidas pelo mesmo imóvel...”

Em outras palavras, a inadimplência de uma única prestação pode tornar toda a dívida exigível de imediato, o que acelera a perda do bem.

O produtor rural e a Recuperação Judicial

Aqueles que buscam a Recuperação Judicial como forma de preservar parte do patrimônio rural encontram na alienação fiduciária um obstáculo relevante: dívidas garantidas dessa forma não se submetem aos efeitos da recuperação. Isso pode inviabilizar qualquer tentativa real de reestruturação financeira, sobretudo em momentos de crise.

Procedimento cartorário: rápido e implacável

Quando ocorre o inadimplemento, o credor requer ao Cartório de Registro de Imóveis a notificação do devedor para quitar a dívida em 15 dias (art. 26, §1º). Caso haja o pagamento, o contrato é mantido. Se não houver quitação, consolida-se a propriedade em nome do credor (art. 26, §7º), que deve promover, em até 60 dias, leilão público do bem.

Dois leilões são realizados e, se o valor da arrematação for superior ao da dívida, a diferença é devolvida ao devedor. Caso contrário, a obrigação persiste. E se não houver arrematante, o credor fica com o imóvel e não precisa ressarcir o devedor por eventual valor excedente do bem. Esse é o risco oculto: perder um patrimônio de valor superior ao da dívida sem direito a qualquer restituição.

“Se no segundo leilão não houver lance... o fiduciário ficará investido na livre disponibilidade do imóvel e exonerado da obrigação...” (Art. 27, §5º)

Desocupação forçada e direito à indenização

Com a propriedade consolidada, a nova lei autoriza que a posse do bem seja restituída ao credor por meio de decisão liminar. O prazo para desocupação é de 60 dias (art. 30). Mesmo que haja ação judicial discutindo abusos contratuais ou vícios nos leilões, a reintegração será concedida e eventuais direitos do devedor se converterão em perdas e danos.

Ou seja, ainda que a inadimplência decorra de juros excessivos, cláusulas abusivas ou ilegalidades no leilão, o bem será perdido – a menos que haja falha na notificação formal.

O cenário real: desequilíbrios e imprevistos

Ninguém planeja adoecer, enfrentar uma pandemia, perder uma safra, romper uma sociedade ou ser surpreendido por alterações na política econômica. Mas todos esses fatores podem afetar a capacidade de pagamento. A alienação fiduciária ignora isso. Ela pressupõe um cenário estável que, na prática, raramente existe. E quando o desequilíbrio chega, os efeitos são imediatos e devastadores para o devedor.

Conclusão: o benefício não compensa o risco

Embora a alienação fiduciária ofereça ao devedor uma suposta vantagem – taxas de juros menores –, ela o expõe a riscos desproporcionais. O credor, por sua vez, goza de segurança e agilidade sem precedentes. Essa assimetria evidencia que a alienação fiduciária foi desenhada sob medida para os interesses do sistema financeiro.

Portanto, se você tem a opção de oferecer outro tipo de garantia ou negociar outras condições com bancos ou cooperativas, considere seriamente essa alternativa. Proteger seu patrimônio exige planejamento, e isso inclui conhecer os riscos jurídicos das decisões que você toma ao assinar um contrato.

Se puder, evite a alienação fiduciária. E, se não puder evitá-la, ao menos esteja ciente do terreno em que está pisando.

Quer saber mais sobre o tema? Acesse: https://henriquelimaadvogado.com.br/fuja-da-alienacao-fiduciaria-alguns-riscos-que-voce-precisa-saber-antes-de-dar-suas-propriedades-nesse-tipo-de-garantia/

 Para mais informações ou orientações sobre o tema, entre em contato com o autor.

Alienação fiduciária: conheça os riscos de dar bens em garantia

Autor: 

Henrique Lima é advogado atuante em defesas pessoas jurídicas e físicas em temas envolvendo direito tributário, administrativo, previdenciário (INSS e RPPS), do trabalho, do consumidor e de família. É mestre em direito pela Universidade de Girona – Espanha e pós-graduado (lato sensu) em direito constitucional, direito do trabalho, civil, consumidor e família. É sócio do escritório Lima & Pegolo Advogados Associados que possui unidades em Curitiba-PR, Campo Grande-MS e São Paulo-SP, mas atende clientes em vários Estados brasileiros.