Estado e União disputam paternidade sobre os mesmos programas de habitação
Parcerias em hospital regional e no Minha Casa expõem guerra de propaganda entre governos em ano pré-eleitoral
Às vésperas do ano eleitoral, o governo federal e o governo de Mato Grosso do Sul disputam holofotes ao tentar mostrar serviço por meio de entregas visíveis — como assinatura de contratos, inaugurações e repasses de moradias sociais em parceria. O programa MCMV (Minha Casa, Minha Vida), retomado em 2023 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é exemplo desse embate político. O jogo, porém, é de mão dupla.
RESUMO
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O governo federal e o estado de Mato Grosso do Sul disputam o protagonismo nas entregas de moradias sociais através do programa Minha Casa, Minha Vida. O governo Lula destinou R$ 1,8 bilhão para o estado em obras do eixo "Cidades Sustentáveis e Resilientes", incluindo 25 mil unidades habitacionais já concedidas desde 2023. Em paralelo, o governo estadual criou o programa Bônus Moradia, que oferece subsídios complementares ao MCMV. A iniciativa já beneficiou 3.589 famílias entre 2023 e 2025, com investimentos de R$ 82,6 milhões em recursos estaduais. O programa permite financiamento de até 80% do valor do imóvel pela Caixa Econômica Federal.
Se por um lado o governo federal busca puxar “a sardinha” para o seu lado em projetos assinados com o governador Eduardo Riedel, por outro, o governo estadual também utiliza o programa Minha Casa, Minha Vida, principal bandeira habitacional do governo federal, para dar visibilidade às próprias ações.
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No âmbito do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), anunciado em agosto de 2023 como Novo PAC, o governo federal destinou R$ 1,8 bilhão para Mato Grosso do Sul em obras do eixo “Cidades Sustentáveis e Resilientes”, incluindo construção e financiamento de novas moradias. Ao todo, Lula anunciou R$ 44,7 bilhões do PAC para o Estado em obras de infraestrutura, transporte e habitação, segundo o portal do Palácio do Planalto.
À reportagem, a Casa Civil da Presidência informou que, desde 2023, já foram concedidas 25 mil unidades habitacionais no Estado pelo MCMV. Outras 13,5 mil estão contratadas até 2026 e 10,5 mil previstas para depois desse período. A Casa Civil nem o Ministério das Cidades responderam sobre os valores dos subsídios federais já aplicados nessas moradias até agora.
Em paralelo, o governo estadual criou, em 2023, o programa Bônus Moradia, executado pela Agehab/MS (Agência de Habitação Popular de Mato Grosso do Sul), que oferece subsídios a famílias em parceria com o Minha Casa, Minha Vida. Em campanhas publicitárias, porém, a gestão Riedel praticamente omite os recursos federais, destacando apenas o programa local.
No modelo, a Caixa Econômica Federal financia até 80% do valor da casa própria – de até R$ 250 mil para imóveis novos e até R$ 180 mil para usados. O restante pode vir de subsídios federais (até R$ 55 mil), contrapartida estadual (até R$ 32 mil), FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) ou recursos próprios, que ajudam na amortização do débito. Podem ser beneficiadas famílias com renda de até R$ 7.050. Emendas parlamentares também complementam o valor de entrada na compra da casa própria.
“Antes, muitas famílias conseguiam arcar com a prestação, mas não tinham poupança para a entrada. O Bônus Moradia veio justamente para facilitar esse acesso ao crédito”, explica o diretor-presidente em substituição legal da Agehab/MS, Ubiratan Rebouças Chaves.
Sem entrar em detalhes sobre os dados federais, Chaves limitou-se a destacar que o Bônus Moradia concedeu, individualmente, 3.589 moradias entre 2023 e 2025, em todos os municípios sul-mato-grossenses, totalizando R$ 82,6 milhões em subsídios estaduais.
Ele comentou ainda sobre as emendas parlamentares que também ajudam famílias na compra da casa própria. Em Campo Grande, Dourados, Ribas do Rio Pardo e Inocência — os últimos dois são municípios do Vale da Celulose que enfrentam déficit habitacional devido à expansão industrial — já foram aplicados R$ 34,9 milhões, equivalentes a 1,3 mil imóveis. A Agehab aguarda a liberação de outros R$ 40 milhões para atender novas famílias, inclusive em Inocência, ainda sem repasses.
Buscando dar mais visibilidade ao programa, o governo Riedel realizará, de 16 a 19 de outubro, a 3ª edição do Feirão MS Moradia, no Shopping Norte Sul Plaza, em Campo Grande, com construtoras como MRV, Engepar e Tecol Engenharia. O evento oferecerá imóveis novos de até R$ 250 mil e usados de até R$ 180 mil, com subsídios que facilitam a entrada para famílias com renda de até R$ 7.050.
“O feirão já se consolidou como uma grande oportunidade para famílias que sonham em conquistar a casa própria e encontram no programa Bônus Moradia a chance de transformar esse sonho em realidade”, divulgou a Agehab.
Chapéu alheio
Já no campo federal, na última semana, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, participou em Campo Grande da assinatura de cinco acordos com o governador Riedel. Em nota, o Planejamento destacou: “Ministra Simone Tebet anuncia mais R$ 1 bilhão em recursos federais e internacionais para Mato Grosso do Sul, em série de compromissos no Estado”.
No total, os contratos somaram R$ 1,1 bilhão. A maioria dos recursos, contudo, é originária de empréstimos de organismos internacionais, com contrapartida salgada do governo estadual, que, no final, pagará toda a conta. A União só será a avalista dos financiamentos. De todo o pacote, apenas R$ 36 milhões, para um programa de energia em assentamentos rurais, são exclusivos do governo federal.
Entre os destaques está, por exemplo, a PPP (parceria público-privada) do Hospital Regional de Mato Grosso do Sul, assinada em 24 de setembro. O projeto, conduzido pelo EPE (Escritório de Parcerias Estratégicas) e pela SES (Secretaria de Estado de Saúde), prevê R$ 790 milhões em empréstimos para reduzir riscos de investidores no leilão do hospital, marcado para 4 de dezembro, na B3.
Segundo o Ministério do Planejamento, trata-se de um empréstimo contingente, a ser acionado somente na hipótese de descumprimento de obrigações do parceiro privado. Esse empréstimo servirá como garantia da PPP, liberando o Estado de imobilizar outros recursos em um fundo, por exemplo.
Outros R$ 370 milhões fazem parte do financiamento de R$ 2,3 bilhões assinado entre o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e o governo estadual, em setembro do ano passado, com a contrapartida estadual de R$ 300 milhões.
O projeto prevê R$ 5,6 bilhões em investimentos ao longo de 30 anos, com construção de novos blocos, reformas, aquisição de equipamentos e gestão de serviços não assistenciais. O atendimento médico seguirá 100% público, custeado pelo SUS.
Segundo o Planejamento, o hospital, que hoje tem 362 leitos e taxa de ocupação de 92,6%, chega a registrar picos de 233% no pronto atendimento. A concessão administrativa de 30 anos ampliará a estrutura para 577 leitos.
A operação de crédito com o BID ao projeto tem como base taxa de risco baixa, classificada como rating AAA. “Elaboramos um arranjo inovador de garantia. Primeiro, por oferecer classificação de risco AAA. Segundo, por não exigir recursos públicos parados em conta, permitindo alocação em outras políticas e, ao mesmo tempo, maior segurança ao investidor privado”, explicou Eliane Detoni, secretária do EPE, ao Campo Grande News.
O Ministério do Planejamento esclareceu à reportagem que o financiamento externo segue fluxo formal pela COFIEX (Comissão de Financiamentos Externos), com etapas de submissão eletrônica, análises técnicas, negociações contratuais e autorização legislativa do Senado, garantindo transparência e alinhamento estratégico.
Outros acordos assinados com Simone Tebet dentro do pacote de R$ 1,1 bilhão incluem:
• Protocolo de Intenções entre a Agehab e o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), submetido ao MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário), para instalação de mil kits de energia fotovoltaica em áreas rurais e doação de terreno para o Condomínio Quilombola Tia Eva, em Campo Grande. O investimento é de R$ 32 milhões e atenderá 300 moradias.
• Financiamento de R$ 52 milhões do Focem (Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul) para obras de infraestrutura em Ponta Porã, com contrapartida de R$ 10 milhões do Estado.
• Empréstimo externo de R$ 162 milhões para Ponta Porã, aprovado pela COFIEX (Comissão de Financiamentos Externos), com recursos do CAF (Banco de Desenvolvimento da América Latina e do Caribe), para o projeto “Viva Melhor Ponta Porã – MS”.
Crédito de R$ 67 milhões do Focem para Corumbá, sob coordenação do Planejamento, a ser executado pela Sanesul (Empresa de Saneamento de Mato Grosso do Sul), para modernizar a rede de água e de resíduos, com contrapartida estadual de R$ 10 milhões.