ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
SETEMBRO, QUINTA  19    CAMPO GRANDE 21º

Educação e Tecnologia

De improvisos às inéditas cotas para indígenas, Uems chega aos 30 anos

Universidade é a 2ª instituição pública de Ensino Superior de MS, nascida para formar professores no interior

Por Cassia Modena | 17/12/2023 09:00
A primeira formatura, em Dourados (Foto: arquivo/Uems)
A primeira formatura, em Dourados (Foto: arquivo/Uems)

O calouro que imaginava no primeiro dia de aula de 1993 pisar em um prédio enorme, dividido em vários blocos, com laboratórios e muitos livros à disposição, se frustrou com o que a Uems (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul) oferecia há 30 anos. Da implantação durante o governo Pedro Pedrossian até agora, a instituição passou por muita coisa, enfrentou polêmicas, mas segue resistindo aos percalços de uma instituição pública, agora com a a experiência de três décadas.

Fafá de Belém foi a convidada para fazer show da inauguração das atividades dessa que foi a segunda instituição pública de Ensino Superior criada no Estado. As aulas começaram nos meses seguintes, mas em local improvisado e professores convocados de escolas estaduais.

O primeiro prédio próprio ficou pronto só após um ano, em Dourados. O município sul-mato-grossense era e ainda é o segundo mais populoso, atrás de Campo Grande. Foi o lugar escolhido para ser sede administrativa da universidade, o que acenava para a necessidade de deixar o ensino público superior mais acessível ao interior.

A espera para estudar num espaço com estrutura acadêmica foi bem maior na Capital. Alunos e funcionários passaram 14 anos pulando de local em local emprestado até a conclusão das obras do campus. Foi um caminho de grandes investidas, mas também frustrações.

O alívio de mais vagas com a criação do curso de Medicina, por exemplo, virou decepção diante de anos sem estrutura.

Protesto de acadêmicos de medicina no Centro de Campo Grande (Foto: arquivo/Guilherme Henri)
Protesto de acadêmicos de medicina no Centro de Campo Grande (Foto: arquivo/Guilherme Henri)

O tempo ampliou a presença, a estrutura e a variedade de opções para formação. Em 2023, na terceira década de vida, a Uems chegou até outras 28 cidades. Agora são 15 prédios e 13 os polos de ensino a distância distribuídos entre as regiões de Mato Grosso do Sul. A quantidade de cursos abertos já ultrapassa os 70 e a de acadêmicos matriculados, 7,5 mil.

O que na fase atual também é destaque, são a criação de unidade no Bairro Moreninhas, um dos mais populosos da Capital, e de novos cursos voltados à formação de indígenas.

Cota inédita - Motivo de resistência e chuva de críticas no início, a reserva de cotas para garantir gente mais diversa nos corredores da universidade se tornou política de inclusão histórica no Estado e no Brasil.

A Uems foi uma das primeiras no país a adotá-las para ampliar o número de pessoas negras cursando faculdade, e pioneira a contemplar indígenas com essa mesma finalidade.

A pedagoga indígena Karine Sobrinho, 40, se beneficiou. Ela é da etnia Terena e vem de uma família espalhada entre Aquidauana, em Mato Grosso do Sul, e o interior do Estado de São Paulo. Já morando em Campo Grande, foi aprovada para entrar na instituição como cotista e terminou o curso em 2013.

A terena Karine Sobrinho foi universitária cotista e hoje trabalha em escola de Campo Grande (Foto: arquivo pessoal)
A terena Karine Sobrinho foi universitária cotista e hoje trabalha em escola de Campo Grande (Foto: arquivo pessoal)

Segunda da família a subir o degrau do Ensino Superior, ela escolheu se formar na área da educação por ter crescido em meio a professores. Ao escolher a universidade estadual, ela considerou que formar educadores para abastecer as escolas de ensino básico era um dos pontos que guiou a criação da instituição.

Karine reconhece que o diploma foi uma ponte para ter mais qualidade de vida, salário melhor e maior entendimento de mundo. Mas, sem esquecer do que agora pode proporcionar para os "parentes", palavra que usa como indígena para se referir aos outros indígenas.

"Hoje, eu consigo retribuir essa conquista ajudando na formação de professores indígenas, falando sobre os desafios e os dilemas. É recente a entrada deles nas universidades e existem dificuldades silenciosas. Há muitos parentes chegando, mas desistindo por dificuldades relacionadas a gastos, transporte e idioma, por exemplo", relata.

Camila Barbosa, 25 anos, é negra e também cotista da Uems. Está no 10º semestre de medicina e afirma não ter encontrado as mesmas barreiras que quem fez o curso nos primeiros anos desde a implantação em Campo Grande. O que tem disponível, é satisfatório para sua formação.

Reitor (à esq.), ministra Guajajara (centro) e pró-reitor Diógenes no lançamento de cursos interculturais (Foto: divulgação/Uems)
Reitor (à esq.), ministra Guajajara (centro) e pró-reitor Diógenes no lançamento de cursos interculturais (Foto: divulgação/Uems)

São de outra ordem os desafios. Ela sente falta de acolhimento no grupo e de perceber consciência racial por parte dos colegas, inclusive dos que não são ou não se declaram negros.

"Enquanto pessoa negra, eu me sinto pouco representada, o que acredito ser mais uma questão particular na medicina. Não sinto um acolhimento em grupo e não vejo consciência racial para acolher uma pessoa negra. É muito mais provável que os estudantes se juntem com pessoas brancas do que com as pessoas negras", descreve.

Em contrapartida, uma das áreas de interesse na profissão é saúde da família. Ela pretende cuidar de seus pares e atender a população mais pobre. "Serei a primeira médica a me formar na minha família e quero fazer isso pelas pessoas negras e que moram em periferias. Quero proporcionar um atendimento, um acolhimento, um acesso a saúde diferenciado nos postos de saúde que eu não tive, e que hoje a rede pública não consegue contemplar", finaliza.

Para ficarem até o fim - O sistema de cotas da Uems foi ampliado ao longo dos anos, passando a incluir também pessoas com deficiência e pessoas nascidas em Mato Grosso do Sul – esse último grupo, até para fazer jus à identidade de primeira universidade pública criada pelo próprio Estado para formar sul-mato-grossenses. Para todas, ter estudado em escola pública é critério obrigatório.

Atual reitor da Uems, Laércio Carvalho coloca a política como uma das principais frentes da universidade. "O sistema de cotas indígenas, bem como as demais cotas da Uems é um orgulho para nossa instituição. Sem dúvida, quando falamos de resultados, o maior deles é a oportunidade de transformação de vidas que nossos alunos conseguiram", diz.

Corredor do campus da Capital cheio, em dia de vestibular (Foto: arquivo/Marcos Maluf)
Corredor do campus da Capital cheio, em dia de vestibular (Foto: arquivo/Marcos Maluf)

Ele lembra do período de desconfiança e reconhece o que ainda falta. "No início, realmente não foi fácil. Hoje, ainda temos desafios de acolhimento para nossos alunos, permitindo uma graduação com todas as garantias de permanência e qualidade de atendimento. É isso que estamos trabalhando na construção de restaurantes universitários e auxílios permanência, com o apoio do governo estadual", conclui.

Para reduzir os índices de abandono de curso, entendendo que só incentivar o ingresso dos grupos minoritários não basta, a universidade criou uma pró-reitoria específica para tratar das ações afirmativas relacionadas às cotas e permanência dos estudantes até o fim da jornada. É mais que só uma salinha para cuidar disso.

O responsável pelo nova pró-reitoria, Diógenes Cariaga explica por qual direção esse trabalho vai.

"A diversidade já é notada na demografia da universidade. Você olha e vê que é um universo muito mais plural. Temos isso e agora precisamos fazer essa presença simbólica chegar até questões curriculares, investir nos cursos interculturais, ajudar os estudantes a terem condições materiais para ficarem na universidade e, enfim, garantir essa questão da responsabilidade social da universidade para ela ser um horizonte de transformação", pontua.

Auditório do campus de Dourados cheio em dia de evento (Foto: divulgação/Uems)
Auditório do campus de Dourados cheio em dia de evento (Foto: divulgação/Uems)

Professores e técnicos - O corpo de funcionários da Uems é hoje formado por 745 professores, entre efetivos e temporários, e 494 técnicos administrativos.

O professor Esmael Almeida Machado é presidente da Associação dos Docentes. Ele vê que o ritmo de expansão da universidade em termos de estrutura e abertura de vagas, tem acompanhado a quantidade de educadores. Existem faltas pontuais, alguns cursos ainda têm déficit, mas isso vem sendo sanado pouco a pouco, elogia.

Esmael destaca a evolução do nível de ensino. "A Uems hoje é referência em muitas áreas, graças ao alto nível de qualificação do seu corpo docente. A maior parte dos pesquisadores são formados em melhores universidades do mundo. Agora, temos laboratórios, importados do Canadá, Alemanha, Estados Unidos e China", diz.

Quantos aos técnicos, imprescindíveis para tudo isso funcionar, o número dos que hoje trabalham é insuficiente para atender a demanda, na avaliação da presidente do sindicato da categoria, Ana Maria Rauber. Além disso, a categoria se diz descontente com a desigualdade entre os salários e pede correção de distorções feitas no último reenquadramento do plano de cargos e carreiras.

Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para acessar o canal do Campo Grande News.

Nos siga no Google Notícias