Advogada desafia racismo no Direito e mantém seus turbantes coloridos
Além de usar as amarrações símbolos de sua identidade, ativista ainda faz oficinas para ensinar as técnicas
Advogada, ativista e baiana de Salvador, Andreia Ferreira, 42, carrega na cabeça a força dos que vieram antes dela. Há quatro anos em Mato Grosso do Sul, ela não só usa turbantes como faz questão de ensinar cada amarração, porque não é só enfeite, é história, é resistência. Em meio a fóruns e salas de Direito que ainda seguem um padrão que não inclui quem foge do terno e gravata, Andreia enfrenta de frente o racismo que insiste em aparecer em qualquer profissão. E faz dos turbantes um grito colorido de “não vou me encaixar”.
“Na Bahia, a gente já nasce sabendo que vai jogar capoeira em algum momento, que vai comer acarajé. Mesmo sem entender a história completa, a gente já está inserido nesse contexto”, conta.
Com lembranças de onde cresceu. Andréia aprendeu desde cedo a importância de carregar a história no corpo e, claro, na cabeça. “Aprendi a fazer no convívio com amigas, na escola, na militância estudantil. No carnaval principalmente, porque é o momento que a gente quer usar o máximo de adereços possíveis para aparecer, é um momento de destaque”, explica.
Apesar disso, no início da vida adulta precisou ‘embranquecer’ para se encaixar no mercado de trabalho. “Apesar de a Bahia ter maioria negra, o mercado é extremamente racista. Não aceitavam adereços que remetessem à africanidade. Tinha que se ‘vestir de branco’, não podia nada que chamasse atenção”, lembra.
Mas a resistência falou mais alto. Ao começar o curso de Direito, ela começou a se libertar. “Eu já aparecia de vestidão colorido, turbante, unhas pintadas. Passei a ser eu mesma, sem criar um papel para agradar a sociedade”, afirma.
Com quase 1,80 metro de altura e um turbante alto que chega antes dela, como brincam as amigas, Andreia não passa despercebida. “As meninas sempre falam: ‘Você não chega, chega seu turbante antes’”, conta.
Quando veio para Mato Grosso do Sul, a mudança foi inesperada. “Aqui foi quase um desvio de rota. Passei por uma situação de perseguição de gênero, alguém idealizou um relacionamento na cabeça dele. Foi um momento difícil, mas encontrei um coletivo de mulheres que me acolheu. Foi ali que entendi que podia fazer um trabalho legal, lutar por questões de gênero e racialidade aqui também”, relata.
Hoje, Andreia se apresenta ao mundo com orgulho. “Eu me sinto extremamente poderosa com meu turbante. Quanto mais triste eu estou, mais alto ele fica, porque é o momento que a rainha quer a coroa elevada”, resume.
De acordo com ela, a técnica de amarração é versátil e pode proporcionar um visual diferente para cada ocasião. “Hoje posso só cobrir a cabeça e botar uma florzinha. Amanhã posso querer chamar atenção e ser estrondosa. É como um penteado que você faz no cabelo”, detalha.
Além de usar os turbantes, Andréia também compartilha a arte em oficinas. “Não faço isso como renda. Participo de mutirões, projetos sociais. Sempre levo tecidos, doações de maquiagem, tudo para trabalhar a autoestima das mulheres”, conta.
De Salvador para Campo Grande, Andréia segue semeando cor, orgulho e resistência. “É muito mais que um simples acessório, cada turbante é um lembrete da minha ancestralidade que faço questão de exaltar e carregar comigo”, finaliza.
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