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Comportamento

Ex-pastor gay e travesti recordista em votos são arco-íris em Câmara de Amambai

Paula Maciulevicius | 23/03/2016 06:23
Na ponta esquerda, Professor Ailton e na direita, Ilzo Victor. (Foto: Correio da Fronteira)
Na ponta esquerda, Professor Ailton e na direita, Ilzo Victor. (Foto: Correio da Fronteira)
Ilzo Victor Arce Vieira tem 48 anos e é enfermeiro querido na cidade. (Foto: Reprodução/Facebook)
Ilzo Victor Arce Vieira tem 48 anos e é enfermeiro querido na cidade. (Foto: Reprodução/Facebook)

Em uma cidade com pouco mais de 30 mil habitantes, a 360 quilômetros da Capital, a Câmara Municipal é uma surpresa boa, onde o vereador mais votado nas últimas eleições tem nome de homem, mas usa salto, brinco, maquiagem e saia. Na mesma casa, outro vereador, agora pré-candidato a prefeito, chegou a ser vetado quando quis trocar de partido, por ser gay, mas continua firme com o mandato e os planos políticos.

O Lado B  partiu da suposição de que seria difícil ser um vereador gay numa cidade do interior. Caímos do cavalo. O município se mostra, pelo menos na Câmara, anos luz à frente de Campo Grande no que diz respeito a representatividade e diversidade. 

O vereador Ilzo Vieira nasceu em Coronel Sapucaia e mora em Amambai há tempo suficiente para fazer história. Nas eleições de 2012, ele foi o mais votado da cidade, eleito pelo PT do B com 1.145 votos, 300 votos a mais que o segundo colocado. Ilzo é chamado de vereador e segundo apurou o Lado B, responde com todos os termos no masculino, mas se veste como mulher.

Os cabelos curtos até lembram os da presidente Dilma Roussef (PT). Usa maquiagem leve, brincos, unhas feitas, saia, vestido ou terninho, batom nos lábios e sobrancelha feita. Em seu primeiro mandato, Ilzo divide o tempo entre ser parlamentar, enfermeiro no Hospital Regional de Amambai e cabeleireiro aos finais de semana.

Ilzo foi vereador mais votado e encerra primeiro mandato esse ano. (Foto: Amambai Notícias)
Ilzo foi vereador mais votado e encerra primeiro mandato esse ano. (Foto: Amambai Notícias)
De bolsa, Ilzo não dispensa brinco e também maquiagem. (Foto: Reprodução/Facebook)
De bolsa, Ilzo não dispensa brinco e também maquiagem. (Foto: Reprodução/Facebook)

Por telefone, ele apenas confirmou estar no primeiro mandato, mas disse que não podia falar ao telefone porque atendia a população também tinha de fazer plantão no hospital. A assessoria disse que ele é assumidamente gay, chamado pelo nome masculino e tão respeitado pelo povo que ninguém se importa com sua orientação sexual. Os votos na urna, quatro anos atrás, confirmam. No currículo, Ilzo também tem várias homenagens à frente do trabalho na saúde.

Do lado dele, na bancada, outro parlamentar também assumidamente gay termina o primeiro mandato este ano. Professor Ailton Salgado Rosendo, agora do PR, esteve no centro das atenções na última semana, depois que a executiva municipal do partido se negou a filiá-lo. O motivo? Porque Ailton é homossexual.

O episódio teve início no último dia 17, quando o caso chegou ao conhecimento da deputada estadual do PR, Grazielle Machado, filha do presidente estadual do partido, Londres Machado. Depois que Grazielle soube da negativa do presidente municipal do partido e ex-prefeito de Amambai Dirceu Lanzarini, foi preciso intervenção de Londres Machado, da Executiva Estadual, para autorizar a filiação. Nesta segunda-feira (21), a deputada informou que além de ter filiado o parlamentar, Dirceu Lanzarini havia sido destituído do cargo no partido.

Ailton tem uma história de novela. Nascido em Fátima do Sul, dos 43 anos de idade, os últimos 20 foram vividos em Amambai. Funcionário público efetivo do Estado, ele é professor da Secretaria Estadual de Educação, deu aula durante 11 anos na UEMS e trabalha também na Assistência Social do Presídio de Amambai.

Professor Ailton, vereador que teve negada filiação em partido por ser assumidamente gay. (Foto: Reprodução/Facebook)
Professor Ailton, vereador que teve negada filiação em partido por ser assumidamente gay. (Foto: Reprodução/Facebook)

Ailton se elegeu pelo PSB para vereador, em 10º lugar. "Na minha juventude fui presidente jovem do PL, que hoje é o PR. Sempre comunguei com as pessoas próximas ao PR. Quando veio a oportunidade de me filiar, não pensei duas vezes", contou ao Lado B. O convite chegou e ao mesmo tempo, a porta se fechou. Mas a situação toda ele só passou a ter ciência depois da manifestação pública de Grazielle Machado.

Gay assumido, Ailton foi casado por duas vezes com mulheres e tem três filhos, além de ter sido pastor e até presidente do conselho dos pastores. Durante anos, passou 'lutando' contra a própria orientação sexual. "Fiz um voto com Deus, que se ele não fizesse uma obra na minha vida, eu ia abandonar o pastorado e assumir minha homossexualidade".

Deus parece não ter cumprido com o que ele imaginava ser o "milagre" e então o pastor se assumiu publicamente na cidade em 2006, depois de se apaixonar por um membro da igreja, com quem viveu uma história de amor por oito anos. "Contei para a igreja, para as pessoas, assumi e sofri no começo, com medo de ser mandado embora de tudo", conta Ailton.

Com a eleição em 2012, Ailton viu toda sua trajetória de vida vir à tona. Picharam o muro da casa e chegaram a atingir até o filho dele, à época com 7 anos de idade. "Fizeram um Facebook falso, denegriram a minha imagem, diziam para ninguém votar em mim. Picharam o muro com os dizeres: candidato baitola", recorda. "Mas isso me fez continuar forte", rebateu. "Tudo o que eu queria era ser feliz", completa.

Ailton é direto e se diz até desbocado. Não tem papas na língua para falar da orientação sexual e diz que, além de se assumir, busca respeito. "Não me envergonho. Eu luto, levanto a bandeira e luto. Posso ter filhos homossexuais também, quem me garante que não?" questiona.

Se é difícil ser vereador gay no município? Ele afirma que na Câmara o vereador mais votado é um tapa na cara do preconceito. "Qual cidade que não tem homossexual hoje? Tem travesti na Câmara, que inclusive foi o mais votado da cidade e vai na sessão com terno de mulher, de salto alto. O arco-íris chegou dentro da Câmara", brinca.

Sobre ser seguidor ou ao menos admirador do deputado federal pelo PSOL, Jean Wyllis, o símbolo hoje da bandeira homossexual pelo Brasil, Ailton diz que não acompanha o trabalho. E que em pauta, colocou apenas uma vez a questão LGBT.

"Ano passado solicitei para criar o Conselho Municipal da Diversidade Sexual, mas não foi criado e acho que nem vão criar, porque é cidade pequena. Quem é católico, é católico roxo, quem é evangélico, também, e ir contra isso, tem que ser muito macho", diz.

Em relação ao preconceito, o vereador explica que como a maioria dos eleitores foram os seus alunos, não existe discriminação, mas que ouve sim, piadinhas de longe.

"Eu sou muito briguento quando tenho meu direito e o direito de qualquer cidadão que eu represento, desrespeitado. E toda forma de homofobia é um preconceito. Agora que eu vou entrar nesse partido, mexeu no vespeiro..."

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