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Comportamento

Ser recenseador é aguentar peladão tarado e até perseguição de vaca

Agentes contam histórias hilárias durante a rotina de pesquisa nas sete regiões de Campo Grande

Jéssica Fernandes | 04/07/2023 07:48
Recenseadores em bairro da Capital em agosto de 2022. (Foto: Arquivo Campo Grande News/ Marcos Maluf)
Recenseadores em bairro da Capital em agosto de 2022. (Foto: Arquivo Campo Grande News/ Marcos Maluf)

Vaca perseguidora, ‘dublês de rico’, cachorro ‘fragmentado’, peladão das Moreninhas e morador que condenou recenseadora ao ‘Mundo da prostituição’. Na rotina de trabalho em Campo Grande, os agentes censitários municipais do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) passam por situações que nenhum edital é capaz de prever.

Em entrevista ao Lado B, quatro ACM’s (Agentes Censitários Municipais) e uma coordenadora censitária de subárea relataram algumas das histórias que viveram e ouviram de colegas durante o trabalho de coleta nas sete regiões da Capital.

As situações inusitadas e curiosas fazem parte da rotina e são os ‘ossos do ofício’ que a turma encara para realizar a pesquisa que termina em uma série de estatísticas. O IBGE mostra como vivem os brasileiros, mas só os recenseadores podem falar o que os números jamais revelariam.

Na sede do IBGE em Campo Grande, agentes e coordenadora relatam histórias do serviço. (Foto: Marcos Maluf)
Na sede do IBGE em Campo Grande, agentes e coordenadora relatam histórias do serviço. (Foto: Marcos Maluf)

A ACM Karina da Silva Leivino começa narrando os casos mais ‘tranquilos’ do cotidiano. “Tem a parte boa, ruim e a ruim é que a gente teve furtos. Por exemplo, na minha região do Anhanduizinho, dois caras numa moto levaram o patrimônio que é celularzinho que a gente utiliza para trabalhar”, fala.

O furto do  DMC (Dispositivo Móvel de Coleta) não é incomum e já teve recenseadora que por sorte não perdeu muito mais. O ACM Daniel Victor lembra o que uma colega enfrentou antes mesmo de começar o expediente.

“Tive o caso da recenseadora que estava coletando na região do Tiradentes. Ela ia de moto até o setor e quando estava chegando para coletar, dois meninos de bicicleta abordaram ela. A primeira coisa que perguntamos é porque os meninos não levaram a moto dela e levaram o DMC. Ela falou que os meninos não roubaram porque eles não sabiam andar de moto. Ela no desespero jogou a chave no meio do mato”, fala.

ACM Daniel Victor ri ao contar uma das situações que enfrentou durante a coleta. Recenseadores em bairro de Campo Grande em agosto do ano passado. (Foto: Marcos Maluf) 
ACM Daniel Victor ri ao contar uma das situações que enfrentou durante a coleta. Recenseadores em bairro de Campo Grande em agosto do ano passado. (Foto: Marcos Maluf)

Até onde se sabe nenhum dos concursados chegou a ser perseguido para ter o DCM ou outros objetos furtados. Perseguição comandada por cachorros de rua também não é novidade, pois a turma canina não pode ver alguém usando o colete do IBGE que sai correndo atrás. No corre-corre quem leva a pior termina no posto de saúde com uma mordida no calcanhar.

Quem está preparado para fugir da cachorrada jamais veria ameaça em uma vaca pastando. Porém, uma recenseadora descobriu da pior forma que não dá para confirmar ou subestimar ela. Karina relata como uma colega precisou sair às pressas de onde estava por causa de uma vaca.

“Foi na região do Pioneiros, ali tem umas chácaras e ela queria atravessar para chegar do outro lado. Ela precisava fazer o entorno ainda, o entorno é sair nas ruas verificando iluminação pública, esgoto.  Aí ela viu essa vaca e falou: ‘Ah, eu vou, ela não vai fazer nada’. Quando ela olha pra trás a vaca tá vindo correndo. Ela saiu correndo e atravessou a cerca”, explica.

Karina da Silva relata episódio onde colega precisou fugir de uma vaca. (Foto: Marcos Maluf) 
Karina da Silva relata episódio onde colega precisou fugir de uma vaca. (Foto: Marcos Maluf)

Mas, talvez, as vacas sejam os menores dos problemas quando comparadas aos ‘dublês de rico’. Sim, a turma que acredita ter um poder aquisitivo superior à realidade da conta bancária também dificulta a realização da entrevista comandada pelo IBGE. Victor garante que fazer o trabalho em condomínios de luxo é mais tranquilo do que em prédios de classe média.

“Na minha área de supervisão ficou os Damhas e em todos tivemos uma ótima coleta. Foram super receptivos, a gente conseguiu atingir os índices e foram rápidos”, comenta.

O mesmo não ocorre quando a pesquisa é realizada em edifícios que não chegam perto do estilo de vida de quem mora no Damha. “O problema são os condomínios de classe média. Eles acham que são ricos e não são, mas eles acham”, ri.

Coordenadora censitária de subárea, Lara Aquino fala sobre entraves para pesquisa em condomínios. (Foto: Marcos Maluf)
Coordenadora censitária de subárea, Lara Aquino fala sobre entraves para pesquisa em condomínios. (Foto: Marcos Maluf)

A equipe afirma que muitos tratam mal os recenseadores e se recusam a responder as perguntas. A coordenadora censitária de subárea, Lara Aquino Junges esclarece que em diversos prédios o acesso é dificultado. “Já começa na administração se a portaria e os síndicos são difíceis já aumenta a dificuldade da coleta em 50% porque a gente não consegue chegar até o morador”, diz.

No trabalho de campo, a ACM Daniela Saory Yamaguchi da Silva conseguiu fazer a entrevista com um morador, mas o preço que pagou foi ouvir que não teria um lugar no céu.

“Um senhor me recebeu, começou a conversar comigo, perguntou se eu era da igreja e falei que não. Ele falou assim: ‘Você está no mundo da prostituição, você não vai ser levada pro céu, porque quando no julgamento final Deus vai abrir o caderno da sua vida e vai estar meu nome escrito falando que tentei te salvar do pecado. Eu perdi nessa coleta uns 50 minutos”, recorda.

No trabalho de campo, Daniela conta quando um morador a acusou de prostituição. (Foto: Marcos Maluf)
No trabalho de campo, Daniela conta quando um morador a acusou de prostituição. (Foto: Marcos Maluf)

Ainda no mesmo dia e região, ela levou um tempo para convencer outro morador a participar da coleta. Depois de mostrar crachá, identidade e comprovar o vínculo com o instituto, Daniela deu início a entrevista que foi interrompida após ele não gostar de uma das perguntas.

“Eu comecei a fazer o questionário, perguntei o nome e tinham três pessoas na casa. Na hora que perguntei a quantidade de banheiro da casa, ele falou: ‘Por que você quer saber isso?’. Eu falei que precisava saber as condições de moradia e ele disse: ‘Não, eu não vou responder mais”, conta.

Não aceitar o primeiro não como resposta final é  incomum no trabalho deles. De alguma forma, os recenseadores sempre tentam convencer ou conquistar uns minutos do tempo dos moradores para que seja feita a coleta dos dados.

No celular, ACM mostra uma das casas estranhas que encontrou. (Foto: Marcos Maluf)
No celular, ACM mostra uma das casas estranhas que encontrou. (Foto: Marcos Maluf)

No Bairro Moreninhas uma supervisora tentou mais de uma vez concluir a pesquisa com o morador. O obstáculo, conforme Daniel, era a ausência de roupas do entrevistado.

“Ela tinha que passar na casa para tentar reverter uma recusa e toda vez que ela passava nessa casa o morador a recebia pelado. O pior de tudo é que ela pediu para um supervisor homem ir. Aí quando o morador viu que ela estava acompanhada ele saiu de roupa”, diz.

A coordenadora Lara expõe outro caso onde uma recenseadora ficou assustada com as investidas de um morador. “Ela estava coletando ali no São Bento  e passou o telefone pessoal dela que não é o recomendado. A pessoa começou a mandar mensagem para ir comer, beber vinho. Um carro começou a  seguir ela no setor, ela ficou muito assustada”, afirma.

Na zona rural, carro da equipe do IBGE ficou atolado mais de uma vez. (Foto: Marcos Maluf)
Na zona rural, carro da equipe do IBGE ficou atolado mais de uma vez. (Foto: Marcos Maluf)

Um dos ossos do ofício da profissão é encontrar casas, prédios e outros tipos de moradias que exalam esquisitice. Enquanto Karina passou por uma casa cheia de bonecas assustadoras, Daniel encontrou partes de um cachorro na região da Antiga Rodoviária, no Bairro Amambaí.

“A gente estava fazendo a supervisão dos endereços e a gente passou por um prédio. Eu olhei bem perto de um portão e vi só uma pata de um animal em decomposição. Aí comecei a procurar o resto do animal, mais perto do portão achamos outra patinha fragmentada. Quando olhamos pra porta já era o resto do animal em decomposição”, comenta.

Já o ACM Felipe Figueiredo Fernandes Brites relata uma da série de histórias que envolvem carros atolados e recenseadores em apuros no meio da estrada.

Felipe comenta que colega levou 2h30 para conseguir desatolar o carro. (Foto: Marcos Maluf)
Felipe comenta que colega levou 2h30 para conseguir desatolar o carro. (Foto: Marcos Maluf)

“Há setores e setores rurais e tem vários que o Mobi consegue dar conta. Ele foi num setor rural e entrou num lugar muito estreito e não conseguia fazer a volta. Tinha muita pedra e a roda conseguiu entrar entre duas, travou e não sai do lugar. Ele achou um cano enferrujado e começou a cavar, ficou umas 2h30 cavando, mas conseguiu tirar o carro”, conta.

Os perrengues e demais situações nada fáceis de lidar no cotidiano são recordados e contados em meio a risadas. Ouvindo eles é impossível não se solidarizar e rir também. Apesar dos famosos ‘dias de luta’, os recenseadores, às vezes, conseguem viver os ‘dias de glória’ quando encontram o dono ou dona da casa que faz a cortesia de servir um café e até convidar para o almoço.

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