Câmara ignora abandono do esporte, mas aprova veto a atletas trans de competição
Aprovação aconteceu em regime de urgência e expôs o alinhamento dos parlamentares à pauta conservadora
A Câmara Municipal de Campo Grande aprovou nesta terça-feira (23), por 19 votos a favor e 6 contrários, o Projeto de Lei nº 11.526/25, de autoria dos vereadores Rafael Tavares (PL) e André Salineiro (PL), que estabelece o sexo biológico como único critério para a participação em competições esportivas profissionais no município.
RESUMO
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A Câmara Municipal de Campo Grande aprovou, por 19 votos a 6, um projeto de lei que restringe a participação de atletas trans em competições esportivas profissionais, limitando a inscrição ao sexo biológico. A medida, proposta por vereadores do PL, prevê multas de até R$ 48 mil para entidades que descumprirem a norma, além de anulação de títulos e banimento vitalício de atletas que omitirem sua condição. A votação ocorreu em regime de urgência, gerando críticas de atletas e defensores dos direitos humanos. A jogadora de vôlei Mikaella Lima, presente na sessão, classificou o projeto como "barbaridade" e destacou a falta de investimento no esporte feminino. Ela ressaltou que federações já exigem exames hormonais por até dois anos para inclusão de atletas trans. Especialistas apontam que a lei viola a Constituição, invade competências das federações e reforça a exclusão, em vez de promover o esporte. Os autores alegam buscar "justiça competitiva", sugerindo categorias específicas para atletas trans.
A medida, que agora segue para sanção do Executivo, na prática exclui mulheres trans de equipes que não correspondam ao sexo de nascimento. O texto aprovado prevê multas que podem chegar a 300 UFIC (Unidade Fiscal de Campo Grande), que atualmente é de R$ 160, para entidades esportivas que descumprirem a norma, além da anulação de títulos conquistados e até o banimento vitalício de atletas trans que omitirem sua condição.
A aprovação aconteceu em regime de urgência, apesar das manifestações contrárias de atletas, e expôs o alinhamento da maioria dos vereadores à pauta conservadora que defende restrições a pessoas trans no esporte. Votaram contra o projeto os vereadores Delei Pinheiro (PP), Flávio Moura (PSDB), Beto Avelar (PP), Jean Ferreira (PT), Landmark Rios (PT) e Luiza Ribeiro (PT)
Durante a sessão, a jogadora de vôlei Mikaella Lima, de 41 anos, atleta desde 2017 e também profissional de Educação Física, esteve presente e criticou duramente a votação. “Eu vim aqui, no meu horário de almoço, ver essa barbaridade. Como se nossa cidade não tivesse buracos nas ruas, falta de dipirona nos postos de saúde. E aí, em caráter de urgência, tentam aprovar um projeto que visa proibir uma pessoa trans dentro da capital, que sou eu”.

A atleta ressaltou que as federações esportivas já possuem critérios rigorosos de inclusão, exigindo exames hormonais por até dois anos antes de permitir a participação de uma atleta trans em competições. “O Estado Democrático de Direito já me reconhece como mulher. É um projeto totalmente inconstitucional. Eu sinto vergonha dos vereadores que dizem se preocupar com o feminino, mas ignoram os altos índices de feminicídio e a falta de investimento no esporte”, declarou.
Ela também destacou a precariedade do cenário esportivo em Campo Grande, lembrando que as quadras não oferecem estrutura mínima para mulheres treinarem, que nenhuma atleta recebe salário e que competições tradicionais, como os jogos abertos, foram canceladas. Para Mikaella, o projeto revela um paradoxo cruel: enquanto os vereadores afirmam proteger mulheres no esporte, ignoram a realidade de abandono e falta de políticas públicas que poderiam realmente fomentar a prática esportiva e apoiar atletas femininas.
Na justificativa apresentada, os autores da proposta alegam que o objetivo é garantir igualdade de condições nas competições, citando casos internacionais como o da nadadora trans Lia Thomas para argumentar que atletas trans teriam vantagens fisiológicas mesmo após tratamento hormonal.
O texto afirma ainda que não busca excluir, mas preservar a “justiça competitiva” e até sugere a criação de categorias específicas para atletas trans. No entanto, especialistas, juristas e entidades de defesa dos direitos humanos já apontam que a lei fere a Constituição ao violar a dignidade humana, invadir competências das federações esportivas e reforçar a exclusão em vez de promover o esporte.