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A Inteligência Artificial (IA) é ancestral?

Por Kleber Aparecido da Silva (*) | 14/05/2025 13:30

Você já deve ter ouvido ou (re)lido a frase O futuro é ancestral, seja por causa do livro de Ailton Krenak ou o recente álbum do DJ Alok. Mas você entende o que isso significa na prática? A juventude indígena tem contribuído para uma maior e melhor compreensão dos seus desafios e necessidades. Essa disseminação está muito relacionada à força crescente dessa juventude ocupando espaços nas ruas e na internet nos últimos tempos. Conquistando seu “lugar de fala” nos meios linguísticos, públicos, políticos, sociais e culturais.

Com esse alcance, algumas ideias, percepções e/ou representações (sociais) vem se (re)consolidando como essa reflexão importante contida na frase O futuro é ancestral, trazida com afinco pelo ambientalista, filósofo e líder indígena brasileiro Ailton Krenak, no seu livro cujo título é esta própria frase. E, recentemente, também ganhou projeção no Brasil ao nomear o último álbum lançado pelo produtor musical e DJ Alok. Porém, ao escutar e (re)ler a frase, nem todas as pessoas conseguem entender sua potência e compreender o valor que ela carrega. Para isso, voltarei ao protagonismo da juventude indígena que tem nos (de)mostrado a importância de um entendimento ancestral, bem como da necessidade da sustentabilidade no mundo de hoje, para (re)construir um futuro melhor.

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a ancestralidade nos oferece valiosas lições que nos orientam na transformação da nossa perspectiva sobre a vida e nossa conexão com a natureza. Existe um horizonte de sustentabilidade ao qual podemos aspirar, contudo, isso requer que resgatemos os conhecimentos do passado e os incorporemos ao nosso presente, unindo-o ao futuro de forma integrada. As culturas dos povos indígenas detêm um amplo saber acerca da biodiversidade, dos ciclos naturais e das estratégias de manejo sustentável. Ao resgatarmos e valorizarmos esse conhecimento, abrimos espaço para (re)aprender com essas comunidades e incorporar suas práticas ancestrais às abordagens contemporâneas, o que contribui para (re)estabelecer uma relação mais equilibrada com o meio ambiente. Essa atitude não apenas capacita as atuais e futuras gerações a lidar com os desafios ambientais de maneira mais consciente e responsável, mas também representa uma ação transformadora. A conexão com a sabedoria ancestral dos povos indígenas nos dota de recursos para (re)construir um futuro sustentável.

Agora levando-se em consideração o momento sócio histórico em que estamos inseridos/imbricados, nos perguntamos: a IA é ou será ancestral? Que profissões resistirão à era da IA e se manterão? Quais são os limites da IA na sociedade contemporânea? Bill Gates, um dos nomes mais influentes da revolução tecnológica moderna, tem opiniões claras sobre os limites da IA. Apesar de ser um grande entusiasta do potencial da IA, o cofundador da Microsoft afirma que algumas profissões permanecerão intocáveis pelas máquinas. Para ele, habilidades como empatia, criatividade e a capacidade de tomar decisões em contextos complexos são exclusivamente humanas – e é isso que garantirá a relevância de certas carreiras no futuro. Neste artigo irei problematizar quais são essas áreas e porque a IA ainda não é páreo para o cérebro humano. Para tal intento, irei apresentar três profissões, que segundo Bill Gates, não desaparecerão na era da IA.

1. A medicina é um dos campos mais transformados pela IA. Sistemas já analisam radiografias, sugerem diagnósticos e até preveem epidemias/pandemias com base em dados. Porém, Bill Gates aponta que os médicos jamais serão substituídos. Um exemplo simples: como confiar em um diagnóstico de câncer sem avaliação de um profissional que considera histórico familiares, estilo de vida e nuances não quantificáveis. Cirurgias robóticas são precisas, mas dependem de cirurgiões humanos para planejamento e tomada decisões em tempo real. Além disto, a empatia no tratamento de pacientes – como dar notícias ou oferecer suporte emocional – é algo que algoritmos não replicam.

2. Advogados já usam IA para analisar contratos, encontrar jurisprudências e automatizar tarefas repetitivas. No entanto, Bill Gates explica que a essência do direito está na interpretação. Leis são criadas por humanos e aplicadas em contextos sociais complexos. Um sistema pode listar artigos relevantes para um caso, mas não consegue argumentar em um tribunal ou entender as motivações e/ou discursos (que podem ser expressos e/ou verbalizados) que estão por trás de um crime. Negociações trabalhistas, mediações de conflitos e a defesa de direitos humanos fundamentais exigem senso de justiça e adaptabilidade – qualidades que vem da experiência humana, não de linhas de código.

3. Professores/as e/ou educadores/as estão entre os profissionais que mais sentirão o impacto da IA. Plataformas adaptativas já personalizam exercícios, corrigem redação e até ensinam línguas/linguagens. Mas, Bill Gates acredita que o papel do educador vai além de transmitir conteúdo. Crianças e jovens aprendem melhor quando tem educadores/as que as inspiram, que entendem suas dificuldades individuais e que criam ambientes de confiança. Um algoritmo não motiva um aluno desinteressado ou detecta problemas emocionais que afetam o desempenho escolar. A IA será uma aliada, fornecendo dados para que os/as professores/as adaptem suas metodologias, mas não ocupam o centro da relação de aprendizado.

Convergindo com Bill Gates, acredito que o futuro da IA é colaborativo/cooperativo e também ancestral. Bill Gates não vê a IA com uma ameaça, mas como uma ferramenta para ampliar capacidades humanas. Em síntese: profissionais na era da IA devem ser adaptar, usando a tecnologia para automatizar tarefas mecânicas, devem enfocar no que é exclusivo de sua natureza – criatividade, pensamento crítico e interações significativas. Enquanto a IA evolui, carreiras e/ou profissões que exigem tocar, ensinar e curar continuarão dependendo daquilo que nos torna humanos. A receita para o futuro não está na competição, mas na (re)integração inteligente entre máquina e mente. Sabe por quê? Por que o nosso futuro é ancestral. Em outras palavras, na era da IA questões que são “caras” neste momento sócio histórico, como o respeito e o diálogo com o próximo, em especial aqueles que se mantêm em comunidades marginalizadas e/ou periféricas, devem ter ser apresentadas, discutidas e problematizadas. E quando isto for feito, podemos (re)(sobre)viver em uma sociedade mais crítica, dialógica, e emancipatória, pois como já dizia Ailton Krenak “(...) se as pessoas não tiverem vínculos profundos com sua memória ancestral, com as referências que dão sustentação a uma identidade, vão ficar loucas neste mundo maluco que compartilhamos”.

(*) Kleber Aparecido da Silva é professor do Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas e do Programa de Pós-Graduação em Linguística e do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade de Brasília.

 

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