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O país caminha para legitimar fraudes trabalhistas?

“A legalização de fraudes às relações de trabalho ameaça o equilíbrio das relações sociais no Brasil”

Por Priscila Dibi Schvarcz e Renan Bernardi Kalil (*) | 13/05/2025 11:15

O Brasil vive um impasse jurídico com grandes impactos sociais e econômicos: o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu suspender processos trabalhistas que analisam a prática de fraudes às relações de trabalho, por meio da contratação de empregados como pessoas jurídicas (PJs) e como autônomos.

Os casos envolvem situações em que os trabalhadores alegam a criação de artifícios por parte dos empregadores para simular a existência de um contrato civil, afastando direitos trabalhistas previstos em Lei. Essa suspensão ocorreu após o STF reconhecer a repercussão geral do Tema 1389, no Recurso Extraordinário nº 1.532.603, paralisando milhares de ações no país.

O resultado final pode mudar o entendimento não apenas sobre a pejotização, mas sobre a prática de fraudes às relações de trabalho com afastamento da aplicação dos direitos previstos em lei, gerando impactos profundos nas vidas de milhares de pessoas em todo o Brasil.

A pejotização ocorre quando empresas contratam trabalhadores como se fossem meros prestadores de serviços — geralmente como PJs ou Microempreendedores Individuais (MEIs) — mas, na prática, a relação é de emprego. Ou seja, o trabalhador cumpre horários, metas e tem subordinação, sem os direitos da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT): férias anuais remuneradas, 13º salário, aviso prévio, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), limitação de jornada, descanso semanal remunerado, vale-transporte, licença maternidade e paternidade, salário-família, seguro-desemprego, estabilidade em caso de acidente de trabalho, estabilidade da gestante e proteção previdenciária integral, entre outros direitos.

O fenômeno é crescente no país, sendo possível identificar diversos casos em que houve a migração de vínculos de emprego formais, com registro em carteira de trabalho (CTPS), para a contratação fraudulenta de “prestadores de serviços” como PJ ou MEI. Essa situação é visível, quando analisamos dados de MEIs criados nos últimos anos. De 2020 a 2022, o número cresceu de 11,3 para 14,8 milhões.

Muitos entraram nesse modelo por imposição do contratante do serviço e por falta de opção, perdendo acesso a direitos fundamentais básicos do trabalhador. Sem vínculo empregatício, o trabalho é precarizado, permanecendo o empregado com as obrigações que existem em relação de emprego, mas sem quaisquer direitos, em situação de absoluta desproteção.

Impacto para o Estado

Além do prejuízo aos trabalhadores, a pejotização gera perdas para o Estado. Como empresas não pagam tributos relacionados ao emprego quando contratam PJs ou autônomos, há forte redução na arrecadação. Segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), em 2023, um trabalhador CLT gerava cerca de R$ 25 mil em tributos, enquanto um PJ contribuía com apenas R$ 1,6 mil.

Segundo o estudo, se metade dos trabalhadores CLT fossem pejotizados, o Brasil poderia perder até R$ 384 bilhões por ano em arrecadação — cerca de 16,6% da arrecadação federal de 2023. Isso compromete o financiamento de áreas como saúde, educação e Previdência.

Efeitos nas políticas públicas

A pejotização afeta também políticas de inclusão. Empresas deixam de cumprir cotas de contratação de pessoas com deficiência e de aprendizagem, já que a base de cálculo considera apenas empregados CLT. Mulheres também são prejudicadas, pois as fraudes trabalhistas inviabilizam políticas de proteção à maternidade no trabalho, já que incompatíveis com o status de pessoa jurídica.

O problema se estende ao combate ao trabalho escravo, uma vez que não há limites para a exploração do trabalho de uma pessoa jurídica, tampouco para a exigência de condições de trabalho dignas aos trabalhadores.

A responsabilidade da Justiça

A Constituição de 1988 atribui expressamente à Justiça do Trabalho o papel de julgar conflitos decorrentes das relações de trabalho, qualquer que seja a forma de contratação, inclusive fraudes como a pejotização. Essa prática contraria o princípio da proteção ao trabalhador, previsto tanto na CLT quanto na Constituição.

 Não esqueçamos que além da livre iniciativa, da livre concorrência e da proteção da ordem econômica são igualmente princípios constitucionais a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho, sendo imprescindível garantir um sistema econômico que equilibre a liberdade individual com a justiça social, sendo o trabalho um meio de alcance da dignidade humana e do desenvolvimento da sociedade.

 A legalização de fraudes às relações de trabalho ameaça o equilíbrio das relações sociais no Brasil. Fragiliza os direitos de milhões de trabalhadores, afeta a arrecadação do Estado e compromete políticas públicas essenciais. A decisão do STF será crucial para definir o futuro das relações de trabalho e da justiça social no país.

 (*) Priscila Dibi Schvarcz e Renan Bernardi Kalil são procuradores do Trabalho.

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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