Brasil pode virar líder em pesquisa clínica
À exceção dos negacionistas, há um consenso: a pesquisa científica é essencial para o avanço do conhecimento, o desenvolvimento socioeconômico e a melhoria da vida das pessoas. Na saúde, boa parte das inovações que salvam vidas —medicamentos, vacinas e terapias— só chega à população depois de passar pela pesquisa clínica, que testa em humanos a eficácia e a segurança das soluções.
Apesar de ser a nona economia do mundo e ter a sétima maior população, o Brasil participa de menos de 2% da pesquisa clínica global. Isso significa que muitos medicamentos usados no SUS são testados em populações com características genéticas diferentes das nossas, o que afeta o cuidado, limita o acesso e atrasa a inserção do país na inovação em saúde.
A regulamentação da lei 14.874/2024, publicada pelo presidente Lula, é um marco para reverter esse quadro. Inspirada em modelos internacionais, a lei cria o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, fortalecendo a segurança jurídica e reduzindo os prazos para aprovação dos projetos de pesquisa clínica. A lei estabelece um limite de 30 dias nos Comitês de Ética e até 90 dias na Anvisa. Em emergências em saúde pública, o prazo será de 15 dias.
O novo sistema valoriza e aprimora o sistema Conep (Comitê Nacional de Ética em Pesquisa), que nos seus mais de 30 anos de existência foi fundamental para consolidar a proteção do participante de pesquisa no Brasil.
Esse sistema agora se consolida e moderniza, dando mais autonomia para os Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) para acompanhar a capacidade científica nacional de pesquisadores e instituições altamente qualificados, e responder às necessidades da população brasileira.
A lei em vigor fortalece salvaguardas éticas, com regras claras para grupos vulneráveis (crianças, gestantes, povos indígenas e pessoas privadas de liberdade), consentimento mais rigoroso e continuidade do tratamento com benefícios comprovados.
A legislação beneficia pacientes com câncer, doenças raras e neurológicas, que muitas vezes aguardavam estudos realizados fora do país para acessar novos medicamentos. Com as pesquisas no Brasil, e o acompanhamento direto da Anvisa, o registro dos produtos será rápido e os tratamentos chegarão logo aos brasileiros.
Temos características únicas: população de 214 milhões, diversidade genética, convivência com doenças tropicais e de países desenvolvidos. Com o SUS, que gera um enorme volume de dados e agora amplia a rastreabilidade com o CPF no cartão SUS, o Brasil torna-se mais atrativo para pesquisa clínica.
O setor pode triplicar os investimentos no Brasil, movimentando indústrias, universidades, centros de pesquisa e parcerias internacionais. Os ganhos são múltiplos: produção local de medicamentos e diagnósticos, geração de empregos, inovação tecnológica, mais acesso a tratamentos e redução da dependência externa.
O Ministério da Saúde ampliou em cinco vezes o investimento anual em pesquisa, de R$ 110 milhões em 2022 para R$ 561 milhões em 2025, além de investir R$ 643 milhões em novas plataformas, como as de RNA Mensageiro e terapia celular. As áreas estratégicas incluem biofármacos, biológicos, medicina inteligente e saúde digital, fortalecendo o Complexo Econômico-Industrial da Saúde.
A regulamentação da lei é apenas o primeiro passo. O Ministério da Saúde realizou uma consulta pública para ouvir centros de pesquisa, profissionais de saúde, universidades e a sociedade civil, além de manter diálogo permanente com o Conselho Nacional de Saúde. Iniciativas essenciais para consolidar um ecossistema de pesquisa clínica forte, transparente e inclusivo, que posicione o Brasil entre os dez países mais relevantes do mundo.
O país também reforça sua posição de liderança ao presidir a Parceria Global de Pesquisa e Inovação em Saúde do G20, coordenar iniciativas do Brics e acordos Mercosul-União Europeia para o desenvolvimento e produção de medicamentos e tecnologias em saúde.
Avançar nesse tema é uma questão de soberania: significa garantir aos brasileiros acesso mais rápido e seguro a terapias inovadoras, ao mesmo tempo em que fortalecemos o SUS, estimulamos a indústria nacional e ampliamos o papel do Brasil na ciência e na inovação global.
(*) Alexandre Padilha, Ministro da Saúde e Fernanda De Negri, Secretária de Ciência, Tecnologia, Inovação e do Complexo Econômico-Industrial da Saúde do Ministério da Saúde, através da Folha de S.Paulo
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